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segunda-feira 1 de julho de 2024 às 07:49h

Guerra na Bahia: 20 facções disputam o tráfico de drogas e levam medo à população

DESTAQUE, NOTÍCIAS


Na década de 90, o maior comércio de drogas que se tinha conhecimento estava no Morro do Águia, sob o comando de Raimundo Alves, o “Ravengar”, relembra Bruno Wendel, em reportagem publicada pelo jornal Correio da Bahia. Com a prisão dele nos anos 2000, houve a descentralização da venda de entorpecentes, o que possibilitou o surgimento das primeiras “empresas” do ramo na Bahia: as facções Caveira e Comando da Paz. Apesar de hoje extintas, elas impulsionaram o surgimento de outras organizações criminosas, transformando o estado num cenário de guerra. Atualmente, pelo menos 20 delas atuam no território baiano.

“Essa pulverização do comércio, em que as organizações locais se rearranjam com organizações nacionais, tem sido um grande impulsionador nos conflitos na Bahia, bem como no Nordeste todo. O marco histórico recente foi o fim da paz estabelecida entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho) a nível nacional, impulsionou a retomada dos conflitos sangrentos nas cidades e o fortalecimento das milícias”, declara o cofundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro, integrante da rede de Observatórios de Segurança.

Com base nas ocorrências nas regiões, depoimentos de moradores e a gentes da força da segurança, o Correio mapeou a área de atuação de facções em alguns municípios. São 20 organizações criminosas espalhadas em 19 cidades. A maioria está em Salvador. São elas: Bonde do Maluco (BDM), Comando Vermelho (CV), Terceiro Comando Puro (TCP), Katiara, Ordem e Progresso (OP), A Tropa e o Bonde do Ajeita. Estas atuam no mercado varejista e, por isso, protagonizam os conflitos armados e têm ramificações em outras cidades, com exceção do Bonde do Ajeita, até então. Já o Primeiro Comando da Capital (PCC) atua restritamente nas unidades prisionais (leia abaixo).

Criado em 2015, o BDM ainda é maioria: está presente em 13 cidades, três delas com aliança com a carioca TCP (Salvador, Santo Amaro da Purificação e Jacobina). A tropa e o PCC estão em cinco municípios. Já o arquirrival do BDM, o CV atua em quatro cidades, enquanto a OP e Katiara em três. Já o Primeiro Comando de Eunápolis (PCE) é maioria em dois municípios, assim como a Raio A e Raio B. As demais da lista são: Tropa do KLV, MK4, DMP, Mercado do Povo Atitude (MPA), Campinho (CP), Bonde do Neguinho (BDN), Bonde do SAJ, Honda e a Família do Norte.

A maioria das organizações está presente em Salvador

A maioria das organizações está presente em Salvador Crédito: Eduardo Bastos

O sociólogo Daniel Hirata, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), concorda com Ribeiro. Ele pontua que a proliferação dessas organizações “não tem uma razão única”. “Isso pode acontecer porque não se conseguiu costurar alianças suficientes para uma unificação, isso pode ter haver com a dinâmica anterior, entre ‘os caveiras’ e o Comando da Paz e a forma como isso aconteceu, as disputas internas destes grupos, a chegada de grupos do Sudeste. Então, tem um conjunto de fatores que são muitos conjunturais que dependem muitos das relações pessoais entre as lideranças”, declara.

O aspecto social é lembrado pelo pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade (Lassos/ Ufba) e professor da Universidade Federal da Bahia, Luiz Cláudio Lourenço. Ele destaca a “vulnerabilidade econômica das periferias”. “Hoje temos cada vez mais jovens inseridos nesse mundo, devido a diminuição da disponibilidade de esporte, educação, emprego e renda. Isso faz o recrutamento da mão-de-obra para trabalhar para o tráfico. A gente vive essa situação há pelo menos 15 anos”, diz  ele.

Conflitos

Em Salvador, os confrontos de mais evidência estão entre o CV e o BDM. Episódios recentes dão a dimensão dessa guerra. Por três dias consecutivos do mês de junho deste ano, os moradores do Arenoso e Tancredo Neves viveram momentos de terror, com madrugadas intensas de troca de tiros. Casas, carros, estabelecimentos comerciais ficaram crivados de balas. De acordo com fontes da polícia, o BDM sofreu ataques do CV, que quer tomar a região. Em um dos confrontos, uma mulher foi assassinada. Elidalva Cerqueira da Conceição foi retirada de casa e baleada diversas vezes na Rua Gabriel Monteiro de Castro. Segundo moradores, a vítima havia postado um vídeo provocando integrantes do CV. Não à toa, o bairro de Tancredo Neves foi o que registrou o maior número de mortes causadas por tiroteios em Salvador no ano de 2023. Dados do Instituto Fogo Cruzado apontam que 53 conflitos com arma de fogo ocorreram na região, com 40 mortos e 12 feridos.

Segundo a Secretaria Municipal de Educação, 22 escolas ficaram fechadas um ou dois dias por causa dos tiroteios, causando o prejuízo a mais de 7 mil alunos, entre fevereiro e 29 de maio deste ano. Só a Escola Municipal Laura Sales de Almeida, em Vila Verde, ficou 25 dias sem funcionar por causa dos ataques do BDM ao CV.  Também por causa desse conflito, Escola Estadual Raul Sá, em Mussurunga I, acabou com as aulas noturnas há mais de um ano, problema denunciado com exclusividade do jornal Correio da Bahia.

Das 19 listadas, 13 cidades têm atuação do Bonde do Maluco

Das 19 listadas, 13 cidades têm atuação do Bonde do Maluco Crédito: Eduardo Bastos/Correio

De acordo com o Altas da Violência, lançado no último dia 18, Salvador encabeça a lista das capitais com maior índice de homicídios no Brasil em 2022. Com uma população de 2.417.678 de pessoas, a cidade teve 1.568 assassinatos registrados e 37 ocultos. A taxa de morte a cada 100 mil habitante é de 66,4, a mais alta entre as capitais do país. Ainda segundo o Atlas, cinco municípios baianos estão entre os 10 mais violentos do Brasil. O primeiro dele é Santo Antônio de Jesus (94,1), onde o espaço é disputado pelo BDM e o Bonde do SAJ. A segunda posição é Jequié (91,9), que repete o duelo da capital entre o BDM e o CV. Em seguida vem Simões Filho (81,2), na Região Metropolitana de Salvador (RMS), com a briga do BDM com a Katiara. A quarta posição é ocupada por Camaçari (76,6), também da RMS, com a guerra entre o BDM, CV e a Tropa do KLV. O quinto lugar é de Juazeiro (72,3), onde cinco brigam por território: BDM, Honda, Família do Norte, Raio A e Raio B.

Ainda, dentre os 20 municípios mais violentos, onze estão na Bahia – Salvador (9º no ranking), Feira de Santana (10º), Ilhéus (15º), Luís Eduardo Magalhães (16º) e Teixeira de Freitas (19º). “As disputas estão associadas às dinâmicas das facções, da atuação desses grupos em mercados do tráfico de drogas, armas e outras áreas também, elevando um potencial de conflito, de modo que, é possível elaborar como hipótese, uma relação entre essa fragmentação e o alto número de mortes violentas nesses municípios da Bahia”, opina o sociólogo Daniel Hirata.

Diante da situação, a reportagem ligou para algumas delegacias, para ouvir o que tem a dizer os delegados sobre a quantidade de facções no estado e as suas consequências. O único que aceitou falar foi o titular da Delegacia de Pojuca, João Miranda Pithon Júnior. Ele disse que “aqui não tem facção estabelecida”. “O que acontece é o seguinte: o pessoal BDM de Simões Filho, por exemplo, que é muito forte, manda vender nas regiões próximas, como aqui, Candeias, Mata (de São João). Ou seja, organizações de outras cidades mandam trazer a droga para cá, mas aqui não tem grupelhos”, declara.

Segundo ele, a taxa de homicídios na região é baixa. “O que a gente tem mais aqui é crime contra o patrimônio, mas ainda assim é um número inexpressivo”, diz, acrescentando a atuação da pasta. “Não estamos preocupados somente com as facções. A polícia está empenhada para combater a criminalidade em geral. É porque o crime tem que ser combatido em toda sua integridade”, finaliza.

PCC

Indo na contramão das demais, a maior de todas as facções do país, o PCC, tem hoje seus olhos voltados para o comércio internacional, tornando-se a segunda no mundo no tráfico de drogas transnacional. Com o maior litoral do Brasil (com 1.100 km de extensão), a Bahia tem sido usada estrategicamente pela organização para escoar narcóticos para 121 países.

Na Bahia, o PCC atua nas unidades prisionais

Na Bahia, o PCC atua nas unidades prisionais Crédito: Eduardo Bastos/Correio

No estado, o PCC mantém sua atuação nas unidades prisionais de Salvador, Feira de Santana, Itabuna, Teixeira de Freitas e Eunápolis. “As decisões importantes da facção, na maioria das vezes, sai de dentro dos presídios, onde estão algumas lideranças”, informa um agente do Departamento Especializado de Investigações Criminais (DEIC).

“O PCC não controla territórios, em nenhum lugar. Ele busca ter um controle e proteção dentro das prisões e se aliar a gangues locais. Ele sabe que o varejo e o controle territorial trazem um grande problema, você tem que corromper polícia, você tem que entrar em conflito com os caras. Eles nunca tiveram a pretensão de exercer esse controle”, explica o pesquisador do Núcleo de Estudo da Violência da USP (NEV-USP) , o escritor e jornalista Bruno Paes Manso.

Era sabido que o BDM tinha o apoio do PPC, fornecendo drogas e armas. Mas essa aliança teria sido rompida, por vários motivos. O primeiro e mais importante seria o fato de o PCC não se estabelecer na Bahia, como fez em Sergipe, Alagoas, Ceará e Rio Grande do Norte. Desta forma, o BDM enfrentava sozinho as batalhas com o fortalecimento do CV em Salvador e sua expansão para outras cidades. Com este cenário, o BDM procurou apoio com o TCM, principal concorrente do CV no Rio.

Do início a extinções

Na década de 1990, o tráfico forte na Bahia tinha endereço certo: o Morro do Águia, no bairro de São Gonçalo do Retiro, em Salvador. Era na sua fortaleza que “Ravengar” era conhecido como o maior distribuidor de cocaína do estado. Mas o reinado acabou quando em 2004, ele foi preso pela Polícia Civil em megaoperação na Estrada do Côco – dois anos depois foi condenado a 25 anos de prisão e em agosto do ano passado, quando em liberdade condicional, ele não resistiu às consequências da diabetes e morreu.

Com a prisão do “Rei do Pó”, o caminho ficou aberto para o surgimento de movimentações dentro das unidades prisionais que deram origem ao que conhecemos hoje como facções. Foi no Complexo Penitenciário da Mata Escura que se deu origem à Caveira, que chegou a ser a maior organização criminosa da Bahia – sua existência aconteceu também pela influência de traficantes da região sudeste custodiados na unidade, que transmitiram as diretrizes dos maiores grupos do país, PCC e CV.

Liderada por Genilson Lima da Silva, o “Perna”, a Caveira travou inúmeras batalhas com a arquirrival, o Comando da Paz (CP), que surgiu praticamente na mesma época, também dentro do complexo da Mata Escura. Sob o comando de Eberson Souza Santos, o “Pitty”, a CP, lutava para se mantar em pé e ter o controle absoluto do comércio de entorpecentes – nesta época, Salvador viveu momentos sangrentos.

Em 2015, a Caveira decidiu como estratégia criar o BDM, para ampliar a atuação na capital, mas houve um racha – o motivo ainda é um mistério . Em maior número, o BDM passou a atacar os ex-comparsas, tomando o posto de maior facção do estado. A “morte” da Caveira aconteceu em maio de 2015, após a última liderança trocar tiros com a Polícia Civil em Camaçari.

Com a expansão do BDM, o CP se via cada mais acuado e procurou ajuda fora do estado: em um acordo, que lhe garantiu mais armas, estratégia de guerra e reforço, se tornou uma célula do CV na Bahia . Diante da força do adversário, o BDM fez uma aliança com o TCP, desafeto do CV no Rio de Janeiro.

“Nós estamos falando em territórios baianos que estão em conflitos constantes, devido a essa reorganização política do tráfico de drogas, somado à incapacidade do estado brasileiro de apresentar soluções, de fato, pacíficas sobretudo na regulação do mercado de drogas, mas também da postura das forças de segurança de uma polícia tida, de fato, de segurança pública baseada na proteção da vida e não no combate ao inimigo”, declarou Dudu Ribeiro.

SSP

A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSPBA), Polícia Civil e a Polícia Militar para repercutir a quantidade de fações no estado, o porquê do surgimento delas, quais medidas foram adotadas na tentativa de evitar a expansão dessas organizações, mas até o momento não há respostas.

Lista das cidades e suas facções

Salvador:

Bonde do Maluco (BDM)

Comando Vermelho (CV)

Terceiro Comando Puro (TCP)

Katiara

Bonde do Ajeita

Ordem e Progresso (OP)

A Tropa

Primeiro Comando da Capital (PCC)

Lauro de Freitas:

Bonde do Maluco (BDM)

Comando Vermelho (CV)

Camaçari:

Bonde do Maluco (BDM)

Comando Vermelho (CV)

Tropa do KLV

Dias d’Ávila:

OP (Ordem e Progresso)

MK4

Candeias:

Bonde do Maluco (BDM)

OP (Ordem e Progresso)

Simões Filho:

Katiara

Bonde do Maluco (BDM)

Feira de Santana:

Bonde do Maluco (BDM)

A Tropa

Primeiro Comando da Capital (PCC)

Itabuna:

DMP

Raio A

Raio B

Primeiro Comando da Capital (PCC)

Teixeira de Freitas:

Primeiro Comando da Capital (PCC)

Eunápolis:

Primeiro Comando da Capital (PCC)

Primeiro Comando de Eunápolis PCE

Santo Amaro da Purificação:

Bonde do Maluco (BDM)

Terceiro Comando Puro (TCP)

A Tropa

Jacobina:

Bonde do Maluco (BDM)

Terceiro Comando Puro (TCP)

Saubara:

Katiara

Bonde do Maluco (BDM)

A Tropa

Porto Seguro:

Primeiro Comando de Eunápolis (PCE)

Mercado do Povo Atitude (MPA)

Campinho (CP)

Vitória da Conquista:

Bonde do Neguinho (BDN)

Santo Antônio de Jesus:

Bonde do Maluco (BDM)

Bonde do SAJ

Juazeiro:

Bonde do Maluco (BDM)

Honda

Família do Norte

Raio A

Raio B

Mata de São João:

Bonde do Maluco (BDM)

A Tropa

Jequié:

Comando Vermelho (CV)

Bonde do Maluco (BDM)

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