O Banco Central vive um momento inédito: a primeira transição no seu comando desde a lei que lhe deu autonomia, em 2021. E o provável sucessor do atual presidente, Roberto Campos Neto, indicado no governo de Jair Bolsonaro, já tem assento na diretoria.
O diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, ex-braço direito do ministro Fernando Haddad na Fazenda, é visto como o favorito para a indicação do presidente Lula no fim deste ano, quando termina o mandato de Campos Neto, mas, para ser confirmado no cargo, vive um dilema delicado, diz Thaís Barcellos, do O Globo.
Integrante do Comitê de Política Monetária (Copom), ele precisará, até o fim do ano, equilibrar suas posições sobre a taxa básica de juros (Selic) entre a demanda de Lula por uma redução mais forte e a conjuntura que dificulta novos cortes. Isso para não se inviabilizar junto ao presidente nem perder a credibilidade perante os agentes do mercado, muito importante para a autoridade monetária.
E Galípolo terá uma prova de fogo nesta semana, quando o Copom se reúne para definir a Selic, principal instrumento do BC para cumprir a meta de inflação.
A sucessão rouba a cena da condução da política monetária porque há temores no mercado sobre a postura do BC em relação à inflação a partir de 2025, sob o indicado de Lula. Com a deterioração das expectativas, a visão majoritária dos agentes econômicos é de que a Selic ficará parada em 10,5% ao ano.
Antes da reunião de maio, quando houve um racha no Copom, as previsões convergiam para que a taxa ficasse em um dígito no fim deste ano. Muitos analistas veem a divisão da diretoria e a sucessão no BC como fatores que atrapalham a redução da Selic.
Cinco contra quatro
Campos Neto deixa o cargo em 31 de dezembro cumprindo a regra de autonomia da instituição, que deu ao presidente e seus diretores mandatos fixos de quatro anos. O presidente da República tem o poder de indicá-los, mas não pode demiti-los.
Lula já avisou que não tem pressa para escolher o sucessor de Campos Neto e ninguém no Planalto crava que a decisão esteja tomada.
Mas, ainda conforme diz Thaís Barcellos, do O Globo. na Praça dos Três Poderes ou na Faria Lima, é consenso que Galípolo é o nome mais forte, senão o único sobre a mesa do presidente. E, no Senado, não há dúvidas de que seria aprovado. Como auxiliar de Haddad, teve bom desempenho nas articulações com o Congresso. Mas, no BC há quase um ano, o economista tem sido alvo de constante escrutínio do mercado.
Analistas dão como certo que os cinco integrantes da diretoria do BC remanescentes do governo Bolsonaro — incluindo Campos Neto — votarão pela manutenção da Selic na reunião do Copom que começa na próxima terça e termina na quarta-feira, diante de riscos inflacionários no horizonte. Eles têm maioria para mais uma vez derrotar os quatro indicados por Lula, entre eles Galípolo.
Foi o que aconteceu na reunião de maio, quando o primeiro grupo votou por um corte de 0,25 ponto percentual na Selic, e o segundo ficou com 0,5. A divisão serviu para muitos analistas preverem um BC mais leniente com a inflação a partir de 2025.
Para tentar desfazer essa visão, Galípolo buscou se mostrar próximo dos argumentos dos diretores de quem discordou e passou a sinalizar ao mercado que pode votar agora por ao menos uma pausa no atual ciclo de corte de juros, mas é algo que não deve ser bem recebido pela ala política do governo nem por Lula.
Ainda mais no momento em que Haddad, seu principal avalista, enfrenta derrotas e tem a difícil missão de convencer o presidente de cortar gastos para recuperar a credibilidade da política fiscal, que influencia a decisão do Copom.
Lula não poupa críticas ao BC de Campos Neto desde o início do seu terceiro mandato, queixando-se de juros que considera altos demais, prejudicando o crescimento da economia. Galípolo votou junto com o atual presidente do BC em todas as decisões do Copom, exceto na última, mas nunca foi alvo do petista, até porque, desde agosto do ano passado, o BC vinha reduzindo a Selic.
O pano de fundo das tensões agora é a avaliação de que o atual presidente do BC pisou no freio dos cortes por estar renovando sua ligação com a direita, em busca de uma saída “liberal” do BC. Seu nome é frequentemente vinculado ao de Tarcísio de Freitas, como seu possível ministro da Fazenda no caso de uma eventual eleição presidencial.
Sua presença em um jantar oferecido pelo governador de São Paulo — cheio de políticos, mas sem Bolsonaro — na semana passada reforçou essa percepção e gerou críticas de integrantes do governo que apontaram incompatibilidade com a autonomia do BC. Campos Neto, no entanto, nega pretensões políticas e diz ter planos de atuar na iniciativa privada a partir de 2025.
Discurso de conciliação
Ex-dirigente de banco, Galípolo tem como arma a confiança de Haddad e Lula conquistada na campanha de 2022, quando fez a ponte entre o PT e o mercado financeiro. Mas a faca é de dois gumes. Essa proximidade gera um ônus junto ao mercado, que vê Lula como tolerante com a inflação. Galípolo tem de renovar seu compromisso com a meta inflacionária, de 3% neste ano, para não assumir o BC desacreditado.
Campos Neto viveu situação parecida com Bolsonaro, que também se queixava dos juros, mas o chefe do BC manteve o ciclo de alta da Selic para combater a inflação às vésperas do pleito em que o então presidente tentava a reeleição. Os agentes financeiros querem algo parecido de Galípolo.
Até a campanha de 2022, Galípolo não era tão conhecido, apesar de ter sido presidente do Banco Fator entre 2017 e 2021. O atual diretor de Política Monetária do BC é descrito como uma pessoa habilidosa e capaz de dialogar com todos os espectros políticos e econômicos — e convencê-los.
Até aqui, tem sido bem-sucedido na missão de se equilibrar na corda bamba entre governo e mercado financeiro, que cultivam desconfianças mútuas, consolidando cada vez mais seu nome para a cadeira principal do BC. A dúvida é se terá fôlego até o fim do ano.
Após o racha explícito no Copom, Galípolo tem adotado um discurso de conciliação e passado uma mensagem mais dura sobre perseguir a meta de inflação em declarações públicas e em conversas privadas com agentes do mercado financeiro.
Ao mesmo tempo, faz críticas reservadas à maneira como Campos Neto conduziu a comunicação do BC antes da decisão do Copom do mês passado e reforça ponderações sobre o cenário econômico mais alinhadas à visão do governo.
Os questionamentos em relação a Campos Neto são uma das poucas coisas em comum entre o Planalto e o setor financeiro. Os dois lados veem sinais de que o líder do BC avançou o sinal ao alterar as indicações da política monetária em um evento nos EUA, de modo confuso, antes da última reunião do Copom, sem consultar a diretoria. Adicionou volatilidade a um momento já tenso do mercado e emparedou os diretores indicados por Lula, principalmente Galípolo.
O diretor estava pregando uma mensagem de cautela, mas preferiu manter seu voto de uma redução de 0,5 ponto percentual, cumprindo uma previsão feita pelo próprio BC no comunicado da reunião anterior.
Galípolo foi seguido pelos outros indicados de Lula, incluindo o diretor de Assuntos Internacionais, Paulo Picchetti, único nome que circula como uma eventual alternativa ao ex-secretário executivo da Fazenda para suceder Campos Neto que seria mais palatável ao mercado.
Mas o burburinho em torno de seu nome esfriou após fazer coro com o bloco de indicados de Lula no Copom. Por outro lado, a decisão é do presidente da República, que já indicou não se importar com a opinião dos agentes financeiros.
À espera da maioria
Para Galípolo, poderia ser prudente votar pela manutenção ou um corte mais tímido da Selic e se esconder atrás da maioria. Ainda mais considerando o mau humor do mercado com a política fiscal no Brasil e com os juros altos nos EUA, entre outros fatores que dificultam o corte da taxa, como o impacto inflacionário da tragédia no Rio Grande do Sul e a recente alta do dólar. Mas ele não escaparia da cobrança de Lula e do governo.
Relatos de pessoas próximas dão conta de que ele tem plena consciência de que precisa zelar por sua reputação, mesmo que não seja indicado presidente do BC. Seu mandato como diretor termina em março de 2027. Outros interlocutores consideram que ele e os demais diretores indicados por Lula só vão poder mostrar quem são quando forem maioria no Copom.