Petista com passagem pela presidência do partido, Ricardo Berzoini prevê em entrevista a Jeniffer Gularte, do O Globo, um resultado tímido nas próximas eleições. Hoje à frente de uma consultoria que atende sindicatos, ele que comandou o Ministério das Comunicações em gestões petistas passadas, diz que o governo Lula atua de maneira ‘analógica’.
O senhor presidiu o PT logo após o mensalão. O que mudou no partido?
O PT passa por um processo de envelhecimento e tem uma crise de renovação. Esse quadro exige uma atenção da direção do partido, que é fomentar a renovação, tanto no âmbito da militância quanto do ponto de vista da representação no Parlamento e da disputa por prefeituras, para formar uma nova geração. A geração que fundou o PT está com mais de 60 anos. É preciso ter um ímpeto renovador.
No final do ano passado, José Dirceu previu que, se continuasse como está, o PT levaria um “tranco” da direita nas eleições municipais. Concorda?
O resultado de 2020 foi muito ruim para o PT. Não ganhou nenhuma capital, e em São Paulo tem só quatro prefeituras. Não há uma expectativa alta no PT em relação às eleições municipais. Ela é realista: reconstruir e ampliar nossa presença, mas não quer dizer que vai ser uma explosão. Teremos um cenário de crescimento, mas moderado.
E qual é o melhor nome para o pós-Lula?
(Risos) É aquele que tiver capacidade entusiasmar o partido e os aliados.
Há petistas favoráveis a uma postura mais combativa ao bolsonarismo, enquanto outro grupo defende um tom mais suave. Qual é a melhor estratégia?
É dialogar com o conteúdo dos temas. Não gosto de caracterizar a direita como Jair Bolsonaro. Ele é um personagem. Existe ali um traço em comum que envolve pautas de costumes, algumas questões religiosas, econômicas e que unem um bloco mais à direita. O resultado da eleição mostrou que nenhum dos polos venceu. É preciso trabalhar com tolerância, paciência e discutir com todo mundo, quais são as questões que de fato afetam a realidade do país.
Falta alguém no governo que faça o antagonismo com o bolsonarismo como fazia o ex-ministro Flávio Dino?
O Dino pegou um período em que o antagonismo estava exacerbado, logo após o 8 de Janeiro. Ele desempenhou um papel importante, mas acho que não interessa para o governo apostar nesse cenário de alta temperatura. Interessa chamar atenção para os problemas do país. Tem que fazer o debate político, mas não precisa trabalhar o acirramento. Eu sei que no PT eu sou minoria, fui presidente em minoria. Se trabalhar olhando mais para os problemas reais do povo, quem perde é quem gosta só de lacrar nas redes sociais.
Lula enfrenta dificuldade de construir base no Congresso e obstáculos para aumentar a popularidade. O que o governo tem que fazer?
Como não tem base fixa, precisa ter uma estratégia para ver quais assuntos vai priorizar. Temas de comportamento e identitários serão cada vez mais difíceis de votar.
Por que as ações do governo não se refletem na aprovação do presidente Lula?
Quem não conseguir ter uma estratégia eficaz em redes sociais terá dificuldade na política. É saber fazer, não adianta só quantidade. As pesquisas mostram que não está havendo reconhecimento. Então temos que buscá-lo, porque temos convicção de que estamos fazendo certo. A cabeça da maior parte do governo é analógica. O governo precisa esmiuçar cientificamente onde não está bom e testar outras alternativas. Não é um problema só do ministro Paulo Pimenta (que comandava a Secom).
Houve derrotas em série no Congresso semana passada. O que não está funcionando na articulação política?
A articulação política é uma tarefa de governo, que precisa mediar o programa e combinar o jogo com os partidos e líderes que têm ministérios. Tem que insistir e tentar construir o compromisso de garantir a governabilidade com a pauta mitigada. Meus companheiros que são do PT, PCdoB ou do PSOL, e que acham que o governo tem a capacidade de colocar uma pauta de esquerda, têm que se convencer que, para isso, a próxima eleição precisa eleger um Parlamento de esquerda. Em alguns temas do campo de costumes, é preciso reconhecer que não há uma maioria no Congresso. Você não abre mão da opinião, mas sabe que precisa escolher algumas pautas.
Reforma ministerial resolve?
Pode ajudar aqui e ali, se tem dissonância em algum ministério com parte da base. Mas não quer dizer que resolva.
O senhor foi ministro de Relações Institucionais no governo Dilma. É possível ser bem-sucedido no cargo sem conversar com o presidente da Câmara, como é o caso de Alexandre Padilha?
Não é bom. Agora, é uma circunstância que pode ser superada. O presidente da Câmara (Arthur Lira) tenta repetir que o que está andando mal é por responsabilidade da articulação política. Ele não está certo. Está tentando criar uma imagem que facilita o diálogo dele direto com o Lula ou com o Rui Costa (Casa Civil). De certa forma, o Eduardo Cunha fez a mesma coisa lá atrás, de não conversar determinados temas com o ministro.