Existem longos aplausos. E existem os aplausos de pé do Festival de Cinema de Cannes, na França.
Na recente exibição do filme brasileiro Motel Destino, por exemplo, o público do festival aplaudiu por 12 minutos.
E não foi a ovação mais longa da história do festival. Este prêmio vai para O Labirinto do Fauno, de 2006. A onda de aplausos durou surpreendentes 22 minutos.
Quando soube disso, não resisti e tentei repetir a cena. Como seria ficar tanto tempo aplaudindo? Eu nem tinha certeza se iria conseguir.
Por isso, nesta manhã, pedi à minha filha para ligar o cronômetro e comecei a bater palmas.
“Por que estamos fazendo isso, papai?”, perguntou ela enquanto o tempo passava. Sem saber o que responder, só consegui murmurar: “É para a ciência.”
Sessenta segundos se passaram e tudo corria bem. “É fácil”, pensei eu. “Eu poderia fazer isso para sempre!”
Logo comecei a fazer questionamentos – minhas escolhas de vida, como cheguei até aqui – mas o principal deles era: afinal, por que nós aplaudimos?
Por que as pessoas começaram a bater palmas para demonstrar seu reconhecimento? Outros animais fazem o mesmo? E por que nós – e mesmo o público de Cannes – não fazemos outra coisa, como buzinar, assobiar ou estalar os dedos?
O Homo sapiens provavelmente começou a bater palmas no início da história da espécie, segundo o psicólogo Alan Crawley em um estudo das pesquisas sobre o tema, em 2023.
Nossos ancestrais primatas não tinham filmes para assistir na tela grande. Mas, na ausência da linguagem falada, talvez eles tenham percebido que poderiam usar aquele som para indicar a presença de predadores, intimidar oponentes, brincar ou chamar a atenção para certas oportunidades.
Nos dias atuais, já foram observados alguns primatas batendo palmas para chamar a atenção dos companheiros ou se comunicar por longas distâncias. E as focas-cinzentas selvagens fazem o mesmo debaixo d’água, para demonstrar sua força e dominância aos parceiros.
Dois minutos depois…
… o meu experimento com palmas chamou a atenção do meu cachorro. Foi ali que percebi que seus membros não têm a orientação suficiente para aplaudir.
Se eu falasse a língua dos cães, poderia explicar para ele que estou conduzindo um estudo importante das normas socioculturais humanas, mas não consigo – e ele começou a latir para mim.
Não se sabe ao certo quando as pessoas começaram a bater palmas para mostrar seu reconhecimento. O aplauso é mencionado algumas vezes na Bíblia, como demonstração de alegria ou adoração. E os antigos egípcios também podem ter tido o hábito de aplaudir.
Mas o costume de ter multidões aplaudindo discursos ou peças teatrais parece ter decolado mesmo na Roma Antiga. Lá, as peças de teatro incluíam, no final das cenas, a palavra “plaudite”, que deu origem ao termo “aplauso”.
Por que batemos palmas e como os aplausos se tornaram sinal de reconhecimento?
Para os líderes romanos, os aplausos também eram uma avaliação audível da sua popularidade, similar a uma pesquisa de aprovação ou às curtidas nas redes sociais.
Alguns deles chegavam a pagar para que os aplausos fossem maiores. Nero teria desembolsado dinheiro para que 5 mil soldados o aplaudissem nas suas aparições públicas.
Os aplausos contratados retornariam no século 16, quando um poeta francês ofereceu ingressos gratuitos para membros do público em troca de fortes aplausos. E, ao longo dos dois séculos seguintes, claques remuneradas compareceriam às apresentações na França para comandar as ovações.
Quatro minutos depois…
… ainda estou questionando o que faço para viver. Minhas mãos doem e me arrependo de não ter tirado a aliança de casamento.
Lembro-me de como a atriz Nicole Kidman, certa vez, foi ridicularizada por aplaudir como uma foca nas cerimônias de entrega do Oscar. Ela explicou que era para evitar bater os anéis que estavam nos seus dedos. Boa ideia!
Aplaudir é fácil. Estudos observacionais indicam que os bebês só adquirem coordenação suficiente para bater palmas no final do seu primeiro ano de vida. Mas as crianças conseguem aplaudir com facilidade.
Isso pode explicar a presença dos aplausos em diversas culturas, especialmente em comparação com ações mais difíceis – como estalar os dedos, que é o método preferido pelo público de leitura de poesia.
Os aplausos também geram um barulho bastante alto, com pouco esforço.
“Bater palmas é, por excelência, o sinal não vocal com maior volume acústico… e uma ação simples, rápida e eficaz”, comenta Crawley. Você pode bater sua mão contra outra parte do corpo, como suas coxas, mas a relação esforço-ruído é menor.
Por fim, aplaudir talvez seja socialmente mais aceitável do que gritar ou buzinar. As apresentações de ópera podem tolerar comportamentos deselegantes – como gritos de “bravo” – mas o aplauso traz flexibilidade por ser leve e polido, mas também empolgado e demorado.
Este movimento também permite variantes como o aplauso do golfe – batendo os dedos sobre a palma –, que foi criado para demonstrar reconhecimento de forma mais silenciosa, para não distrair os jogadores.
Cinco minutos depois…
… minha mente está divagando. Aparentemente, foi mais ou menos neste ponto que o ator Adam Driver acendeu um cigarro durante longos aplausos em Cannes, em 2021.
Prefiro não fazer o mesmo. Afinal, aplaudir e fumar ao mesmo tempo é perigoso.
Pesquisadores indicaram que aplaudir também pode demonstrar mais do que reconhecimento. Em alguns casos, os aplausos permitem que o público marque coletivamente determinadas transições ao longo de um evento: “o hino nacional terminou, vamos agora ao esporte”, por exemplo.
Fundamentalmente, aplaudir pode fortalecer os laços sociais.
Durante os lockdowns da pandemia, os aplausos programados em certos horários do dia no Reino Unido pretendiam inicialmente demonstrar reconhecimento aos profissionais de saúde. Mas as palmas certamente também reuniram as pessoas em um momento de separação forçada, com um ato de celebração, pertencimento e unidade.
Mas, em alguns casos, os aplausos são socialmente reprovados. No Reino Unido, por exemplo, os aplausos são dispensados na Câmara dos Comuns – e pobre de quem aplaudir entre os movimentos em um concerto de música erudita.
Sete minutos depois…
… minha filha se cansou. “Volto mais tarde”, diz ela, e sai da sala. “Espere!”, grito eu, mas ela já se foi.
Há quem diga que o som de uma mão batendo palmas se chama silêncio. Quando há duas mãos, seu nome é solidão.
O aplauso tem um elemento de contágio social. Qualquer pessoa que já tenha feito parte de uma multidão sabe que poucas pessoas aplaudindo, às vezes, levam toda a plateia a imitar seu comportamento.
“Às vezes, as pessoas batem palmas porque querem enviar uma mensagem”, escreve Crawley. “Em outros momentos, as pessoas podem aplaudir não por decisão própria, mas por pressão social.”
Em 2013, uma equipe liderada por Richard Mann, da Universidade de Uppsala (Suécia), na época, observou esta ocorrência após palestras acadêmicas. Eles descobriram que o início dos aplausos costuma seguir padrões similares à propagação de doenças.
Mas, então, por que nós aplaudimos? A resposta, em resumo, parece ser: aplaudir é a forma mais eficaz de fazer muito barulho, demonstrar nosso reconhecimento e fortalecer os laços sociais decorrentes da apreciação conjunta de algo.
E sobre os aplausos hiperlongos, como os de Cannes? Por que não aplaudimos apenas por um ou dois minutos?
Em 2013, Mann contou à BBC News que a duração dos aplausos não é proporcional à qualidade da apresentação.
“Você tem essa pressão social para começar [a aplaudir], mas, depois que começou, existe outra pressão social igualmente forte para não parar, até que alguém pare primeiro.”
Aplicando esta conclusão aos aplausos surpreendentemente longos de Cannes, a conclusão seria que ninguém na sala quer ser visto – ou, na era das redes sociais, filmado – como o primeiro a parar de aplaudir.
Mais de 10 minutos depois…
… e o som se torna algo estranho e abstrato. É como se minhas mãos pertencessem a outra pessoa.
Fico imaginando o público de Cannes, que chegou a 22 minutos em 2006, e me pergunto o que eles teriam sentido. Será que eles cogitaram prosseguir indefinidamente até a morte? Terão eles atingido algum grau superior de consciência?
Eu nunca descobri. Decidi parar antes de criar lesões nas mãos, já que precisava escrever esta reportagem.
Ainda assim, termino meu experimento sabendo que bati palmas continuamente por mais tempo do que nunca. Minha filha pode não ter se impressionado, mas o meu feito certamente merecia aplausos.
Por Richard Fisher, da BBC News