A edição do Cine Debate da Defensoria Pública da Bahia da última sexta-feira (10) trouxe um fato inédito: os dois documentários que trataram dos temas do aborto, saúde pública e direitos da mulher foram exibidos na capital e em 10 Regionais da instituição.
As montagens “Uma História Severina”, dirigido por Débora Diniz e Eliane Brum, e “Uma Mulher Comum”, por Débora Diniz, atraíram a atenção da plateia, composta sobretudo por jovens estudantes. Outro marco foi a participação especial, de uma das diretoras, a antropóloga, pesquisadora e ensaísta, Débora Diniz, no debate. Ela enviou um vídeo propondo reflexões, principalmente a respeito da situação do aborto no Brasil, nos últimos 20 anos.
De acordo com Diniz, os documentários são aproximações da verdade, sendo histórias que aconteceram na vida real, e tratam das dificuldades que mulheres encontram para abortar, no país. “A criminalização é algo muito perverso. No início dos anos 2000, havia pouquíssimo espaço para se discutir o tema. A ciência já apontava que crianças anencéfalas não sobreviveriam, mesmo assim houve muita resistência no STF em formalizar o direito ao aborto nesses casos”, comentou.
Ela segue explicando que, mesmo hoje, a criminalização só aumenta os riscos à saúde e traz sofrimento. “Não vamos perseguir, não vamos estereotipar, não vamos desrespeitar as mulheres que querem ou precisam fazer um aborto. Pensar a interrupção da gravidez como saúde pública é fundamental, porque uma a cada sete mulheres aborta no Brasil e essa realidade atinge mais as pessoas vulneráveis e desassistidas, como mulheres jovens, negras e de classes baixas”, explicou.
A defensora pública do Núcleo de Defesa das Mulheres, Izabel Martins, afirmou que mesmo sendo um tema sensível na sociedade, abrir esse debate, sobretudo com a juventude, é importantíssimo. “Eu trabalho com questões relacionadas ao aborto legal na Defensoria e é preciso reforçá-lo enquanto direito da mulher”, opinou.
A médica e doutora em Saúde Coletiva Greice Menezes, que pesquisa aborto há 30 anos, dividiu com a plateia a informação de que há, na Região Metropolitana de Salvador, nove hospitais referenciados na prática do aborto legal. Na Bahia, são 13. “Ainda temos uma rede muito pequena. Essa concentração na capital obriga as mulheres a viajarem, a gastarem, a faltarem emprego ou aula. É por isso que eu sigo dizendo que estar na lei é importante, mas não garante, por si só, o direito”, pontuou.
A assistente social e chefe da Divisão do Cuidado da Maternidade Climério de Oliveira, Andrea Novo, afirmou que a criminalização gera muitos impeditivos na construção do aborto como um direito. O julgamento das mulheres que abortam é um deles. “Julgar é violento. Na minha experiência, eu já vi muitas situações de violência e sofrimento reincidindo sobre essa mulher. É claro que há avanços em relação ao passado, porém precisamos avançar ainda mais. A luta não pode partir apenas da ciência ou do jurídico, mas de toda a sociedade”, concluiu.
A estagiária da Defensoria e estudante do ensino médio, Hanna Saraiva, comentou que o aborto não pode ser confundido com religião. “O Estado é laico e sempre vejo as pessoas misturando aborto com religião, como se as coisas estivessem ligadas. O direito da mulher sobre o seu corpo é muito importante e precisamos de educação sexual na escola, sim!”, comentou.
A coordenadora do Nudem e da Especializada de Direitos Humanos da DPE, Livia Almeida, aproveitou o tema para chamar a atenção à violência e mortandade cometidas contra as mulheres no Brasil. “Estamos em um país que mata mulheres apenas pelo fato de serem mulheres. Mulheres, mães e gestantes estão morrendo, retrocedemos em taxa de mortalidade materna”, afirmou.
Ela aproveitou o auditório cheio para convocar os homens jovens a lutarem pelos direitos da mulher. “Queremos que vocês lutem com a gente. Essa geração de homens que vocês representam precisa ser melhor do que foi a geração passada. Então contamos com vocês. Precisamos tratar o aborto como questão de saúde pública. É isso que ele é”, finalizou.
A diretora da Esdep, Diana Furtado, também participou do encontro, bem como profissionais da saúde, ativistas do direito da mulher e de movimentos favoráveis ao aborto. Além de Salvador, o cine debate aconteceu nos municípios de Teixeira de Freitas, Ilhéus, Guanambi, Itabuna, Alagoinhas, Paulo Afonso, Camaçari, Juazeiro, Irecê e Jequié.