Dissidente morto em circunstâncias suspeitas, numa colônia penal no Ártico, tem reconhecido seu combate à corrupção e abusos de direitos humanos na Rússia de Putin. Viúva Yulia Navalnaya prossegue a cruzada. O Prêmio da Paz de Dresden é concedido desde 2010. Ele marca o bombardeio dessa cidade do leste alemão pelos Aliados, em 13 de fevereiro de 1945, como parte da campanha militar contra a Alemanha nazista, tendo sido criado com o fim de combater a apropriação da data pelos extremistas de direita. Dotado em 10 mil euros, já teve entre seus recipientes o ex-presidente da União Soviética Mikhail Gorbachev e o regente israelo-argentino Daniel Barenboim.
Em 2024, o Prêmio de Dresden coube ao dissidente russo Alexei Navalny. Um tanto tarde: ele morreu em circunstâncias até hoje não esclarecidas, em 16 de fevereiro, aos 47 anos, cumprindo sentença de 19 anos numa colônia penal no Círculo Ártico.
“A resistência do político de oposição foi e é um exemplo encorajador para todos os defensores dos direitos humanos que continuam suas atividades”, justificaram os organizadores a premiação póstuma.
A viúva Yulia Navalnaya recebeu a distinção neste domingo (12/06), em cerimônia que incluiu uma apresentação da peça Discursos de Alexei Navalny perante o tribunal, pelo Teatro Nacional de Dresden. O discurso laudatório coube ao ex-chefe de Estado alemão Joachim Gauck, o qual, pouco após as notícias da morte do oposicionista, o louvara como “um ícone para todos os russos decentes”.
Desta vez, o político apartidário de 84 anos usou uma expressão do esporte alemão: Navalny teria sido um “Angstgegner”, um “adversário de dar medo” para o presidente Vladimir Putin. Nenhum outro oposicionista foi tão carismático quanto Navalny; nenhum conseguiu levar dezenas de milhares às ruas; nenhum conseguiu por tantos anos desafiar Moscou, usando métodos não ortodoxos, enfatizou Gauck.
Expondo corrupção e abusos na Rússia de Putin – com humor
Nascido em 1976, em Kharp, Alexei Anatolyevich Navalny começou sua vida profissional como empresário e advogado. Aos 20 e poucos anos de idade, envolveu-se com o partido liberal de esquerda Yabloko, porém foi expulso em 2007, devido a conflitos com a liderança – mas também por seus pontos de vista nacionalistas.
Mais tarde, Navalny esteve atuante num movimento nacionalista, sendo por, esse motivo, controvertido também nos meios oposicionistas. Contudo, ganhou notoriedade mundial por expor, durante anos a fio, a corrupção e os abusos de direitos humanos na Rússia de Putin.
Como blogueiro, atraiu com seu humor milhões de leitores, principalmente jovens russos, mas também fez inimigos poderosos. O Kremlin conseguiu aliená-lo da política – mas mesmo ele reuniu em torno de si um grande número de adeptos por todo o país.
O envenenamento de Navalny, em 2020, chamou ainda mais atenção internacional para sua figura. Transportado de avião para Berlim, ele conseguiu sobreviver, e acusou pelo atentado tanto o serviço secreto russo, FSB, quanto Putin, pessoalmente. Uma vez recuperado, retornou a seu país, apesar dos riscos, só para ser imediatamente detido no aeroporto de Moscou e, em seguida, sentenciado a 19 anos de prisão.
Em dezembro de 2023 o paradeiro de Navalny ficou desconhecido por várias semanas. Mais tarde veio à tona que fora transferido para uma colônia penal no norte da Sibéria. Sua teoria era que as autoridades queriam isolá-lo ainda mais, às vésperas das eleições presidenciais de março – em que Putin acabou se reelegendo.
Tribunal como palco para críticas a Putin
Antes de morrer, Alexei Navalny apresentara diversas queixas pela violação constante de seus direitos como prisioneiro. Até o fim, ele aproveitou suas aparições em juízo para expressar crítica mordaz ao regime autoritário de Putin e à guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Poucas semanas após a misteriosa morte do dissidente, o próprio presidente afirmou que houvera preparativos recentes para a uma troca de prisioneiros. Não se sabe por que a troca não ocorreu, ou se a alegação sequer é verdadeira.
Desde a morte de Navalny, Moscou prossegue com a brutal ofensiva contra seus críticos. Recentemente relataram-se apreensões quanto à saúde de um dos companheiros íntimos de Navalny, Vladimir Kara-Murza, de 42 anos.
Em abril de 2023, após acusar a Rússia de crimes de guerra na Ucrânia, num discurso nos Estados Unidos, ele foi condenado a 25 anos de prisão por “alta traição”. Em outro paralelo com Navalny, a família e os advogados de Kara-Murza afirmam que o FSB tentou envenená-lo em 2015 e 2017, e desde então ele sofre de problemas de saúde.
Yulia Navalnaya prossegue o trabalho de Alexei
“Navalny repetidamente remexeu nas feridas da ditadura russa, tornando-se o maior perigo para Putin e seu sistema. Por isso se tornou um preso político cuja morte é representativa dos inúmeros indivíduos que se erguem pela liberdade e a democracia na Rússia”, constou da declaração da associação Friends of Dresden Deutschland.
A viúva Yulia Navalnaya tem estado cada vez mais no foco da atenção pública. Em 16 de fevereiro, logo em seguida às notícias da morte do dissidente, ela subiu ao palco na Conferência de Segurança de Munique e exigiu que Vladimir fosse responsabilizado.
O presidente russo e seus assessores “arcarão com a culpa pelo que fizeram com nosso país, minha família, meu marido”, reivindicou. No começo de junho, o prêmio Liberdade de Expressão da DW será entregue a Yulia Navalnaya.