Visita do presidente a França, Sérvia e Hungria deu poucos motivos para baixar a guarda: campanha chinesa para conquistar bilateralmente aliados europeus deverá prosseguir. Até a sequência das visitas foi uma mensagem.O presidente da China, Xi Jinping, concluiu na sexta-feira (10) seu giro de alto perfil pela Europa, o primeiro desde 2019. Entre as apreensões que deixa para trás, está o apoio continuado de Pequim à Rússia em sua guerra contra a Ucrânia; e a inundação dos mercados europeus com veículos chineses baratos.
A viagem foi também rodeada de suspeitas crescentes de que o país asiático tenta tirar vantagem das discórdias entre os europeus. Para analistas, o itinerário de Xi pela região não foi mera coincidência: França, Sérvia e Hungria têm todas “relações bilaterais especiais” com Pequim, enfatiza Bertram Lang, pesquisador da Universidade Goethe, de Frankfurt, especializado na política externa chinesa.
A liderança chinesa teria gradualmente dividido a Europa em dois grupos: “os amistosos com a China e os não amistosos”. O atual giro visou reforçar os laços com os primeiros.
A viagem começou na França
Primeira estação do giro do chefe de Estado chinês, os dois dias de visita à França e conversações com seu homólogo Emmanuel Macron se concentraram na Ucrânia e nos desequilíbrios comerciais com a União Europeia. Embora a China de Xi prefira interações bilaterais, o francês procurou enfatizar a unidade europeia ao incluir no encontro a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, que concluiu recentemente uma visita à China, foi convidado até Paris, mas declinou. Em 2 de maio, contudo, antes da visita de Xi, ele se encontrara com Macron para uma sincronização das políticas relativas à China.
Em Paris, os comentários públicos de Von der Leyen se dirigiram às “práticas de distorção de mercado” de Pequim, com subsídios volumosos para os setores siderúrgico e de automóveis elétricos. Ela assegurou que a UE “não hesitará em tomar as decisões duras, necessárias a proteger sua economia e segurança”.
Xi respondeu que não existe um “problema de supercapacidades da China”, quer do ponto de vista da vantagem comparativa, quer da demanda do mercado global, informou a emissora estatal Xinhua.
Zsuzsa Anna Ferenczy, ex-consultora política do Parlamento Europeu, analisa que “estamos vendo uma convergência maior entre os Estados-membros da UE” e “uma Comissão bastante determinada”.
Ainda assim, a mídia estatal chinesa avaliou como um sucesso a passagem do líder pela França. O Global Times citou 18 “acordos de cooperação” entre agências governamentais em aviação, agricultura, intercâmbio entre povos, desenvolvimento verde e de pequenas e médias empresas, como “um sinal positivo para os empresários europeus” e “um estabilizador dos laços comerciais China-Europa” perante o “desacoplamento econômico”.
Guerra russa na Ucrânia: “questão de vida ou morte para Europa”
Pequim ainda não foi capaz de convencer as potências ocidentais que não está apoiando a Rússia na guerra contra a Ucrânia. Ela também se esquivou dos apelos de líderes americanos e europeus para que empregue sua influência sobre Moscou, no sentido de desempenhar um papel construtivo pelo fim do conflito.
Washington afirma que a China está fornecendo aos russos maquinário, motores de drones e tecnologia para mísseis de cruzeiro, além de apoiar a economia russa fornecendo bens industriais e de consumo.
Em suas declarações públicas em Paris, Xi reagiu com veemência a tais acusações, alegando que “a crise da Ucrania está sendo usada para projetar responsabilidade sobre um país terceiro, conspurcar sua imagem e incitar uma nova Guerra Fria”, sublinhando que seu país “não é participante” da crise.
Segundo Jean-Philippe Beja, especialista em assuntos chineses e pesquisador-chefe do Centro de Estudos Internacionais (Ceri), da universidade parisiense de pesquisa Sciences Po, durante as conversações deixou-se claro para Xi que a guerra da Rússia contra a Ucrânia é “uma questão de vida ou morte para a Europa”, e esse é “um fator altamente negativo para as relações sino-europeias”.
Erguendo infraestrutura na Sérvia
O tour europeu de Xi tomou um tom mais positivo na Sérvia e Hungria, ambas grandes beneficiárias dos investimentos chineses e alinhadas com a Rússia.
Embora a Sérvia não integre a UE, a visita a Belgrado projeta uma imagem do presidente Xi como “figura-chave não só na UE, mas na vizinhança dela”, observa Ferenczy, que também é professora assistente da Universidade Nacional Dong Hwa, no Taiwan.
A Sérvia é uma importante recipiente europeia de empréstimos chineses no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota, com projetos que incluem uma conexão ferroviária de alta velocidade com a Hungria. Companhias chinesas estão também envolvidas na construção de usinas de esgotos e águas residuais, e operam grandes fábricas siderúrgicas.
Embora louvando os laços econômicos profundos, a visita de Xi foi também a chance de dar um tapa com luva de pelica na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), pois mno exato aniversário do bombardeio, pela aliança atlântica, da representação diplomática de Pequim em Belgrado.
“Não devemos esquecer que neste dia, 25 anos atrás, a Otan desavergonhadamente bombardeou a embaixada chinesa na Iugoslávia”, escreveu o líder comunista em artigo de opinião para um jornal sérvio.
Hungria: golpe de misericórdia na unidade europeia?
A última parada de Xi Jinping foi na Hungria, que não faz segredo de seu apoio continuado à Rússia a partir da União Europeia. O país também representa um importante ponto de apoio para Pequim dentro do bloco: por diversas vezes o governo de Viktor Orbán barrou propostas para condenar ações da China.
E, enquanto a UE tenta encontrar um modo de lidar com os carros elétricos chineses que invadem seu mercado, a Hungria se posiciona como centro de produção para companhias chinesas de eletromobilidade: em dezembro de 2023, a fabricante BYD anunciou a construção de uma fábrica de automóveis de passageiros na húngara Szeged, perto da fronteira com a Sérvia.
A visita do chefe de Estado veio num momento em que a China se reafirma como principal fonte de investimentos estrangeiros diretos para Budapeste, e pouco antes de o país assumir a presidência rotativa do Conselho Europeu, em 1º de julho. Na coletiva de imprensa juntamente com o primeiro-ministro Orbán, Xi frisou que “a China respalda a Hungria em representar um papel maior na UE, e promover maior progresso na relações sino-europeias”.
Para a analista política Ferenczy, a estratégia geral da China é transparente: “minar a unidade da UE”, enquanto aumenta sua influência sobre países-membros individuais”.
Com esse fim, a potência asiática estaria passando por cima da comunidade europeia para oferecer aos diferentes países acesso especial a seus mercados, tentando fazê-los “sentirem-se privilegiados por ter uma relação privilegiada com a China”.
“O futuro não parece melhor para a UE-China depois da visita de Xi Jinping”, resume Zsuzsa Ferenczy: “há um déficit de confiança entre as duas parceiras”. Na sequência, a analista política estima que a União Europeia continuará a rechaçar essa estratégia, enquanto Pequim resistirá, abordando continuamente os Estados-membros de forma bilateral, a fim de amainar “o apetite deles para reduzir riscos”.