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Michelle Bolsonaro e Tarcísio de Freitas — Foto: Douglas Gomes/Lid Republicanos/Flickr
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segunda-feira 6 de maio de 2024 às 17:06h

Pauta conservadora alia católicos e evangélicos

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Quando a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro falou sobre a necessidade de estabelecer um reino de Deus na terra, no ato do ex-presidente Jair Bolsonaro em Copacabana, no Rio, no domingo 21 de abril, ela discursava diante de uma multidão formada segundo Camila Zarur, do jornal Valor, na maioria, por católicos e evangélicos, segundo levantamento do Monitor do Debate Político, da Universidade de São Paulo (USP) . O primeiro grupo em maior número do que o segundo. A cena foi a mesma da manifestação bolsonarista na Avenida Paulista, em São Paulo, no fim de fevereiro.

“[Vocês] estão aqui unidos não por um homem ou por uma mulher, mas por valores, por princípios, pelo reino de Deus estabelecido na terra”, disse Michelle em Copacabana, mesmo discurso feito no ato paulista. Em ambas as situações, ela foi ovacionada pelo público. “Antes de sermos cristãos, nós somos cidadãos e precisamos nos posicionar e exigir nossos direitos”, afirmou a ex-primeira-dama.

O discurso de Michelle vai ao encontro do que especialistas vêm apontando como uma aliança conservadora cristã, que une evangélicos e católicos — por isso as proporções nos atos bolsonaristas. De acordo com pesquisas feitas pelo Monitor do Debate Político, da USP, 38% das cerca de 32,7 mil pessoas que foram à manifestação do Rio se disseram católicos, enquanto evangélicos somaram 33%. Já em São Paulo, que de acordo com o levantamento teve a presença de 185 mil apoiadores do ex-presidente, a proporção era de 43% católicos e 29% evangélicos.

“É inegável que exista hoje um perfil religioso, que toma certas posições na hora de votar e na hora de se posicionar politicamente, que converge não só entre evangélicos. Temos que ampliar e pensar em termos de cristianismo, e aí entram os católicos”, afirma Rodrigo Toniol, professor de antropologia da Universidade Federal do Rio (UFRJ) e ex-presidente da Associação de Ciências Sociais das Religiões da América Latina (ACSRAL).

“Quando damos esse passo para o lado, enxergamos uma espécie de aliança entre católicos e evangélicos na pauta conservadora. É uma aliança cristã por uma demanda à cidadania religiosa”, Toniol completa.

Católicos e evangélicos são ampla maioria no Brasil. Embora ainda não tenham saído os dados do Censo 2022 sobre religião, especialistas estimam que metade dos brasileiros sejam católicos e um terço, evangélicos. Essas projeções são calculadas em cima da pesquisa Datafolha de 2022, considerada como a base de dados mais atualizada sobre o tema. De acordo com a sondagem, 51% da população se declara católica, e 26%, evangélica.

Existe hoje um perfil religioso que toma posições na hora de votar”
Rodrigo Toniol

Já em relação a esse eleitorado conservador cristão, não há números exatos de quanto eles representam dentro do universo total de católicos e evangélicos. Em ambos os grupos, há diferentes vertentes que vão das mais progressistas, apoiadoras das liberdades individuais, às mais tradicionalistas, que defendem que a sociedade seja regida às regras estritas da bíblia. É entre este último que o discurso de Michelle encontra eco.

Entre os evangélicos, a parcela mais conservadora costuma se apoiar na chamada teologia do domínio, uma ideologia que ganhou força no Brasil desde a década de 2010 e prega que a escritura sagrada e os valores da religião pautem o debate público e o Estado deixe de ser laico. É, segundo o pastor da Igreja de Deus e teólogo Alexandre Gonçalves, “uma ideia vinda de missionários neopentecostais de que a igreja tem que implantar o reino de Deus e influenciar a política com sua visão e cultura cristã”.

“Dentro desse grupo de conservadores, temos os democratas: respeitam as diferenças da sociedade civil e não querem impor a sua visão de mundo. E existem os conservadores não democráticos, que acreditam que a sociedade deve se reger dentro dos seus valores; por exemplo, são contrários e preferem que não seja permitido o casamento homoafetivo. Só isso já é uma divisão grande que existe entre nós”, Gonçalves.

Entre os católicos, por sua vez, Toniol explica que os conservadores costumam se identificar primeiro com um conservadorismo político. A partir desse pensamento, eles passam a reforçar sua identidade religiosa e a defender o tradicionalismo dentro da religião.

“Diferente dos católicos de IBGE [aqueles não praticantes], que são maioria, os conservadores fazem questão de ostentar um perfil religioso. Outra característica importante é que estão muito preocupados com a retomada litúrgica do catolicismo, com o que é chamado na academia de catolicismo pré-conciliar”, explica o professor. “Eles querem quase que recristianizar o catolicismo, retomá-lo às suas bases mais tradicionais.”

Somados a esses dois fenômenos cristãos há ainda, conforme afirmam especialistas, uma certa antipatia sentida por essa parcela do eleitorado em relação ao PT. Pesquisadores da área concordam que o avanço da teologia do domínio e do conservadorismo se deu no governo de Dilma Rousseff (PT), entre 2010 e 2016, quando as pautas de liberdades individuais se fortaleciam e tentavam se sobrepor às crenças e tradições religiosas.

“O Estado é laico, mas não é ateu. Ele precisa respeitar a diversidade religiosa, então, a partir do momento que o Estado tenta limitar a tradição religiosa e impor regras contrárias a elas dentro da própria igreja, isso gera uma reação. Por exemplo, uma coisa é aprovar a lei que autoriza o casamento homoafetivo, outra é o Estado querer chamar de homofobia aquela igreja que não aceita essa união”, diz Gonçalves.

Um paralelo que o teólogo traça para exemplificar a questão é que as leis contra os maus tratos a animais não podem ser implicadas em casos de sacrifícios praticados por religiões de matrizes africanas. Caso contrário, isso poderia configurar como intolerância religiosa.

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