sexta-feira 22 de novembro de 2024
Fernando Antonio Torres Garcia, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) até 2026 — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo
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quarta-feira 1 de maio de 2024 às 15:18h

Entrevista: ‘Acréscimo de 5% a cada 5 anos não é para tornar ninguém milionário’, diz presidente do TJ-SP sobre quinquênio

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Empossado em fevereiro como presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para os próximos dois anos, Fernando Antonio Torres Garcia vê com “muita satisfação” a proposta em discussão no Senado Federal que cria a parcela mensal compensatória por tempo de exercício para o Judiciário e Ministério Público, chamada de PEC do quinquênio. “Esse acréscimo de 5% a cada cinco anos não é pra tornar ninguém milionário, vai só valorizar o tempo de magistratura”, afirma em entrevista a Hyndara Freitas, do jornal O Globo.

O desembargador, que antes era corregedor-geral da Justiça e também já presidiu a seção criminal do maior tribunal do país em número de processos, é categórico ao negar que a corte paulista desrespeite precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme apontado pelos ministros Gilmar Mendes e Rogerio Schietti nos últimos anos, e diz que “felizmente” o TJSP é mais “conservador” em matéria criminal.

“Se não fosse, talvez a criminalidade tivesse mais recrudescente no estado”, diz ele, exaltando que o Judiciário paulista se esforça cada vez mais para combater o crime organizado, com duas varas especializadas no tema. Torres Garcia ainda diz que vê com bons olhos alguma baliza para diferenciar o tráfico e a posse de drogas, tema discutido no Supremo, mas afirma que a decisão final sempre virá do juiz, levando em conta “todos os fatos”.

Ao comentar sobre a recente polêmica no tribunal que foi o primeiro do país a promover uma mulher para o cargo de desembargadora por meio de lista exclusiva para o gênero, seguindo resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2023, o presidente afirmou ser “compreensível” a oposição dos juízes que foram prejudicados, mas afirma que os ânimos já estão mais calmos. Em entrevista ao GLOBO em seu gabinete no Palácio de Justiça, na Praça da Sé, Torres Garcia ainda falou sobre juiz de garantias, banca de heteroidentificação para o concurso da magistratura, tecnologia no Judiciário e revitalização do Centro de São Paulo.

O Senado está analisando a PEC do quinquênio que prevê um aumento salarial de 5% a cada cinco anos de serviço para membros do Judiciário e do Ministério Público. Como o senhor vê essa proposta?

Eu vejo com muita satisfação. Não se diz mais quinquênio, é valorização de tempo de magistratura (VTM). Você acha correto que um juiz que entre hoje na na magistratura ganhe exatamente igual a mim, ou praticamente igual a mim, que tenho 40 anos de magistratura? É até um destino à carreira. Quando eu entrei na magistratura, havia os quinquênios, então a gente sabia que, com o passar do tempo, o tempo de dedicação seria valorizado. E não tenho dúvida que uma maneira de se valorizar qualquer profissão é pagando bem. Esse acréscimo de 5% a cada cinco anos não é para tornar ninguém milionário, ele vai só valorizar o tempo de magistratura. E isso é importante porque juiz não pode ser mais nada além de juiz, a única exceção que existe é de professor universitário, e há uma limitação de carga horária. Então eu sou muito a favor e defendo a aprovação do VTM, que é uma maneira de valorizar o tempo de serviço.

O senhor não acredita que há uma discrepância muito grande entre os salários que são pagos no Judiciário e os salários que a maior parte da população recebe?

Nós não podemos comparar o salário de um magistrado com um salário de um trabalhador desqualificado. E a magistratura está aberta a todos, nós temos um concurso aberto, basta prestar o concurso e ser aprovado. Mas a magistratura exige uma qualificação extremamente diferente de um trabalhador comum. É a mesma coisa que comparar um jogador de futebol que recebe bilhões, com um operário de fábrica. Eu não estou dizendo pelo valor de vencimento, mas pela qualidade, especificação e dedicação ao trabalho que tem que ter um magistrado. E a responsabilidade de um magistrado ao decidir sobre a vida, a liberdade, o patrimônio de uma pessoa, é uma garantia para a sociedade o magistrado ser bem remunerado. O magistrado mal remunerado poderá estar sujeito a corrupção.

Como e quando será implementado o juiz de garantias, quais serão os critérios?

Estamos em uma fase adiantada de entendimentos para estabelecer os juízos de garantias nas sedes das dez regiões administrativas. Não sei se será um juiz, dois ou três, é o movimento da região que vai determinar quantos juízes trabalharão no juizado de garantias. Pela determinação do Supremo, cada juiz de garantia tem que ter um juiz titular. Abriremos concursos para juiz titular, depois juízes auxiliares serão designados pela presidência.

O senhor é a favor do juiz de garantias?

Inicialmente eu era contra, como juiz criminal que fui a vida inteira. Mas hoje, é importante que exista o juízo de garantias. O juiz de garantias não tem a finalidade de soltar preso. A finalidade é que, no momento que um cidadão é preso, tem que ser levado à frente do juiz para ver se aquela prisão foi legalmente formalizada, se teve respeitada a integridade física, não se entra no mérito se ele é inocente ou culpado, nada disso. Não foi criado com o objetivo de soltar preso.

O Tribunal de Justiça de São Paulo foi o primeiro do país a promover uma magistrada ao cargo uma desembargadora com base na resolução 525 do CNJ. Mas houve protestos de magistrados. Como o senhor vê essa resistência? O assunto agora está pacificado?

Hoje dei posse para a segunda magistrada aprovada pela lista preferencial. Houve uma compreensível oposição dos magistrados que vão acabar sendo prejudicados. Não tem como não ser. Se você tem uma lista de antiguidade, algumas vão sair dessa lista para ir para uma lista paralela, os homens que ficam naquela lista serão prejudicados, né? Vão demorar mais a ser promovidos. Mas toda inovação é traumática. Só que eu já percebi que, da primeira (promoção) para hoje, a resistência vem diminuindo. Eu acho que se eu fosse um prejudicado, eu procuraria os meios judiciais de tentar demonstrar que isso não é correto. Mas que se busque o local competente para essa discussão. Neste caso a competência é do Supremo Tribunal Federal. Mas eu acho que a resistência está sendo amenizada já.

Segundo diagnóstico étnico-racial do Poder Judiciário elaborado pelo CNJ 2023, apenas 1,7% dos magistrados se declara pretos, e 12,8% pardos. O senhor considera importante aumentar essa representatividade de pessoas negras no Judiciário? E como fazer isso?

Para aquilo que determinam os regulamentos e a legislação, nós temos tomado todas as providências para que essa paridade se acelere. Recentemente, criei uma comissão de heteroidentificação para o Exame Nacional da magistratura e o Tribunal de Justiça vai passar a ter essa comissão regular, e uma comissão recursal, porque a pessoa que não for reconhecida negra vai ter o direito de recorrer. E há duas semanas passamos no Órgão Especial uma cota para indígenas também, de 2%. Nós temos casos absurdos, de loiro de olho azul que vem se declarar negro, a falsa negritude. Então tem que ter alguém para dizer se é negro ou não, então cria-se essa comissão.

O crime organizado cresceu no Brasil nos últimos anos, e a maior facção criminosa do país nasceu e se expandiu aqui em São Paulo. Qual o papel do Judiciário no combate ao crime organizado?

Temos estudado e criado varas especializadas na criminalidade organizada, temos duas varas no Fórum Criminal da Barra Funda. Sempre tivemos preocupação com o crescimento da organização da criminalidade, que está atingindo níveis insuportáveis. Se diz que cracolândia não é crime organizado, é sim. Tudo aquilo que orbita em torno da cracolândia vem da organização criminosa. Então temos uma parceria com o governo do estado tentando identificar quem está ali.

No ano passado, o ministro Rogério Schietti, do STJ, disse que há um ‘descumprimento deliberado’ do tribunal em casos criminais, e o ministro Gilmar Mendes, em 2022, chamou o tribunal de ‘anarquista institucional’ por uma decisão sobre progressão de regime. Como o senhor avalia essas críticas? Até que ponto o tribunal tem que seguir todos os precedentes do STJ e STF?

Não há descumprimento de decisão dos tribunais superiores em hipótese alguma, o que existe são entendimentos diversos. O Tribunal de Justiça ou qualquer tribunal do país não está obrigado a seguir decisões superiores que não sejam vinculantes. Isso é o sistema recursal brasileiro. Naquilo que envolve formação de jurisprudência e de interpretação legal, não podemos ficar adstritos ao que pensa um ou outro ministro. Existem algumas variações nacionais de comportamentos sociais. Por exemplo, a criminalidade em São Paulo não é a mesma que existe em Sergipe ou em Santa Catarina. O Tribunal de Justiça de São Paulo é mais conservador? É mais conservador. Felizmente. Porque se não fosse conservador como é, a criminalidade, talvez estivesse ainda mais recrudescida no estado. Mas não aceito essa pecha, quando se determina de maneira vinculante, nós cumprimos.

O STF está discutindo o artigo 28 da Lei de Drogas, para definir parâmetros mais específicos que a lei não prevê para diferenciar tráfico de uso de drogas. O senhor acredita que é positivo, ou acha que tem que ficar a cargo do juiz definir?

Algumas balizas podem vir a ser fixadas, como uma quantidade mínima, sou favorável. Mas o que vai dizer se determinada conduta é tráfico ou porte são os fatos, não é só a quantidade. Sobretudo porque a gente sabe que, hoje, o grande traficante não fica mais com uma quantidade grande de entorpecente, divide em porções menores, porque se ele for preso sozinho vai ser encarado como possuidor e não traficante. Continuo achando que a melhor maneira é a análise do fato pelo juiz. Agora uma quantificação mínima, aspectos objetivos, talvez seja até saudável.

Acredita que seria interessante definir uma quantidade mínima para maconha ou todas as drogas?

Para todas as drogas, em quantidades diferentes. Na minha câmara, temos internamente um acordo de que seria porte até um tanto de maconha, de cocaína. Mas isso é um acordo interno entre os cinco desembargadores.

Como avalia a política de câmeras corporais em policiais militares. Isso ajuda a Justiça?

Eu avalio positivamente, e numa conversa com o secretário de segurança, eu já externei a minha posição. O bom policial tem a garantia que o trabalho dele será reconhecido, e a instrução criminal fica extremamente facilitada e valorizada é com a utilização desse meio eletrônico, não só para a acusação, como também para a defesa. Nós sabemos que, muitas vezes, o policial está falando a verdade, mas se forma um círculo contra a polícia e sobretudo em determinados ambientes onde o crime prevalece, então é uma garantia para o bom policial ter ratificada a correção da conduta, eu avalio muito positivamente. O que não se pode é exigir que o governo, de um dia para outro, coloque câmeras em todo o contingente, que é o maior do país. Mas me parece que a política é ampliar a utilização das câmeras.

Qual será a prioridade da sua gestão nesse biênio?

A prioridade de gestor do Judiciário é uma só: prestar uma jurisdição de maneira eficiente, clara e rápida. Estamos reformulando várias unidades jurisdicionais, varas de execução fiscal, ampliando várias pelo interior do estado, reestruturando os cartórios. E tem algumas prioridades junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Uma delas diz respeito à execução fiscal. Isso é de suma importância para São Paulo, temos perto de 21 milhões de processos, e 12,7 milhões são execuções fiscais, e perto de 80% são execuções fiscais com valor inferior a R$ 10 mil e paralisada há mais de um ano. Essas execuções de valor inferior a R$ 10 mil e sem andamento há mais de ano poderão ser extintas. O crédito tributário não vai ser extinto, mas vai matar o processo. Se uma prefeitura descobrir que o devedor tem um imóvel agora, eles podem propor novamente a execução fiscal. Não podemos permanecer com esse acervo parado.

O TJSP fica na Praça da Sé, coração do centro de São Paulo. Como o senhor avalia a situação da região central hoje?

Eu trabalhei aqui entre 2018 e 2019 presidindo a seção criminal, em 2022 e 2023 como corregedor-geral e agora como presidente, e nestes anos vimos várias mudanças no entorno do Palácio da Justiça. Do ano passado para cá, eu posso garantir que melhorou muito. A política da prefeitura e do governo do estado para essa área tem permitido uma sensação de segurança e uma segurança efetiva muito melhor do que assistirmos nos anos anteriores. Está longe do ideal ainda, mas eu tenho ficado muito satisfeito, posso atravessar a Praça da Sé hoje para almoçar hoje, coisa que no ano passado, retrasado, não podia.

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