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O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, em 24 de novembro de 2022, em Londres - Foto: AFP/Arquivo
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sábado 27 de abril de 2024 às 12:37h

África do Sul: 30 anos de democracia sob signo da divisão

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Três décadas após o fim do apartheid, país tem uma sociedade democrática, mas profundamente dividida. Escândalos de corrupção alimentam crescente decepção com o partido de libertação de Nelson Mandela, o ANC.A África do Sul, um país recém-democrático, teve um início eufórico com suas primeiras eleições livres em 27 de abril de 1994.

A população fez fila por horas para votar, cheia de esperança, otimismo e alegria. Esse espírito positivo continuou quando Nelson Mandela foi eleito presidente, depois de ter passado 27 anos na prisão.

O Congresso Nacional Africano (ANC), partido político de Mandela e o antigo movimento antiapartheid, chegou ao poder, acabando não apenas com o domínio da minoria branca, mas com séculos de mentalidade colonialista. Ele continua no poder até hoje.

Entretanto, olhando para os últimos 30 anos, a avaliação geral sobre a situação da “nação arco-íris” de Mandela deixa a desejar. A economia está debilitada, a sociedade ainda está dividida em linhas raciais, e a população não se sente compreendida por seus políticos.

Enquanto isso, a diferença entre ricos e pobres continua a crescer, apesar de o ANC ter prometido combatê-la, quando assumiu o poder. A frustração em relação a esses sonhos destruídos é profunda.

Progresso só no papel

No entanto, também houve algumas conquistas importantes, pelo menos no papel.

Fredson Guilengue, diretor de programas para o Sul da África da Fundação Rosa Luxemburgo, em Joanesburgo, enfatiza que o país pelo menos “conseguiu introduzir uma das Constituições mais progressistas do mundo, estabelecendo um Judiciário independente, uma imprensa livre, eleições livres e justas”.

Ele enumera os direitos LGBTQ, um sistema educacional ampliado e maior acesso aos pobres a eletricidade, habitação social e serviços sociais entre as principais conquistas alcançadas nas últimas três décadas. E destaca que a Constituição sul-africana foi a primeira do mundo a proibir a discriminação com base na orientação sexual, e que o país se tornou a quinta nação do mundo – e a primeira da África – a permitir o casamento entre parceiros do mesmo sexo.

Corrupção em níveis altos

Além dessas grandes conquistas, a África do Sul também construiu uma sociedade civil robusta e ativa nos últimos 30 anos, que defende seus direitos com veemência diante das adversidades.

Nos últimos anos, entretanto, essa adversidade parece se originar, em grande parte, nos níveis mais altos do governo. As disputas pelo poder e as denúncias de interesses corruptos dentro do governista ANC fizeram o país retroceder repetidas vezes.

De acordo com Guilengue, o desemprego entre os jovens – que afeta quase a metade dos cidadãos com menos de 34 anos de idade – alimentou ainda mais a sensação de instabilidade social em vários estratos, reforçando os sentimentos xenófobos no país, que resultaram em dezenas de mortes no decorrer dos anos.

Enquanto isso, a maioria dos habitantes da África do Sul agora tem acesso a água corrente e eletricidade em casa. Mas os cortes de energia – consequência de casos de corrupção na operadora estatal Eskom – mantiveram na última década as luzes apagadas para muitos, em todo o país, durante horas por dia.

Frustração com políticos

O governista ANC tem sistematicamente perdido confiabilidade ao longo dos anos, devido a todas essas queixas sociais e muito mais. Nas próximas eleições, em maio – nas quais o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, estará concorrendo a um segundo mandato – o partido pode ficar pela primeira vez abaixo de 50% de maioria, forçando-o a entrar em um acordo com um parceiro da oposição.

De acordo com o analista econômico Daniel Silke, há profunda decepção com a aparente incapacidade do principal partido de libertação de gerir o país. Para ele, o ANC parece “incapaz de manter os padrões éticos estabelecidos por Nelson Mandela em particular”: “Os esforços para unir o povo numa só nação, que eram realmente palpáveis nos primeiros anos de Mandela, se evaporaram.”

Colapso sob Jacob Zuma

A África do Sul entrou em sua crise mais grave nas últimas três décadas sob a liderança do ex-presidente Jacob Zuma, que ficou no cargo de 2009 até a renúncia em 2018.

Durante esse período, Zuma saqueou os cofres do Estado, levando a nação à beira da falência, com a ajuda de sua extensa rede de conexões dentro e fora do ANC.

Sob esse presidente, criou-se o neologismo “tenderpreneurship”, que descreve os contratos do governo – tenders – sendo entregues a ávidos empresários que raramente fingiam não ter laços familiares ou de amizade com os detentores do poder.

A África do Sul não se recuperou dessa experiência: “Pelo contrário, o clientelismo e o nepotismo parecem estar agora consagrados na cultura do país”, diz Silke. “Há uma grande inquietação entre a população”, e o colapso subsequente da infraestrutura e logística com uma economia estagnada devido a essas transações irregulares é um lembrete diário do declínio daquele que já foi o país industrializado mais rico da África.

Feridas profundas da era do apartheid

Observadores críticos, no entanto, também enfatizam que nem todas as doenças sociais podem ser atribuídas à má administração do país pelo ANC.

Verne Harris, diretor executivo da Fundação Nelson Mandela, se pergunta “por que não fizemos melhor” após o advento da democracia, questionando se três décadas são tempo suficiente para apagar o trauma e o legado dos longos e profundos processos do colonialismo e do apartheid.

“Alguns jovens dizem que Mandela foi um traidor”, conta Harris, referindo-se às promessas de uma vida melhor num país unido. “Temos que lidar com esses discursos e repensar algumas das concessões que fizemos.”

“Fomos rápidos em acreditar que poderíamos consertar as coisas num curto espaço de tempo. Em alguns casos, isso resultou em soluções rápidas que não nos serviram bem.”

Pacificadora internacional

Além de suas muitas questões domésticas, a África do Sul quer se posicionar como defensora contra a opressão em nível global, “especialmente depois de sua experiência de décadas de apartheid”, diz Guilengue.

Ela está liderando iniciativas de pacificação, enviando tropas a países da região para reprimir distúrbios e levando casos de alto nível a tribunais internacionais; no fim de dezembro de 2023, a África do Sul acusou Israel de violar tratados internacionais – principalmente a Convenção de Genocídio das Nações Unidas – durante a guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza, defendendo seu caso na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia.

Guilengue acredita que, apesar de seus muitos problemas, a África do Sul fez progressos no cenário da diplomacia global, entendendo que as parcerias tradicionais da África com o Ocidente, construídas com base em séculos de colonialismo, não eram equilibradas, além de não atender aos melhores interesses do país, e portanto precisavam mudar.

“Por esse motivo, a África do Sul está pressionando por reformas no Conselho de Segurança da ONU e é membro do bloco Brics, que afirma lutar por regras justas e parcerias econômicas. Talvez vejamos uma África do Sul mais ativa no futuro, tanto na África quanto no mundo todo”, torce o especialista.

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