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quinta-feira 25 de abril de 2024 às 19:28h

Por que educação pública não deve ser privatizada

EDUCAÇÃO, NOTÍCIAS


Narrativa sobre ineficiência de setor público é estratégica para validar a entrada no ensino do setor privado, que possui agenda própria e interesses estratégicos nessa atuação.SP deve lançar em novembro leilão para privatizar gestão de 33 escolas: Esse é o título de uma matéria do UOL, escrita pela Ana Paula Bimbati. Quem me enviou foi um professor do meu mestrado em políticas públicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele havia comentado sobre o assunto e honestamente me pegou de surpresa.

Já deixo bem claro a minha opinião: não vejo com bons olhos essa iniciativa. Não tenho absolutamente nada contra a parceria público-privada (PPP) e acredito que o saldo pode ser positivo em muitas situações, mas tenho enormes ressalvas com esse tipo de parceria na educação.

Qual o objetivo do plano? Segundo a própria secretaria paulista seria “liberar a direção da escola de tarefas burocráticas, permitindo maior dedicação às questões pedagógicas”. Lindo, né? E, de fato, nasceu de uma problemática real que já relatei na coluna. Por que então estou problematizando? Bom, por que a solução precisa obrigatoriamente envolver o setor privado?

No Brasil, há uma narrativa de que o Estado é ineficiente, sempre corrupto e cheio de profissionais “mamando nas tetas do governo”. Não sou ingênuo ou excessivamente idealista: há sim corrupção e profissionais não qualificados – como também ocorre no setor privado. Agora é de uma maldade sem tamanho generalizar e colocar todo o sistema e profissionais na mesma caixa. Temos instituições públicas de referência internacional e profissionais do setor altamente qualificados, éticos e comprometidos.

Morro de vergonha quando ouço os autointitulados liberais dizendo que o melhor dos cenários é Estado zero e que é assim nas maiores nações do mundo. Quem disse isso? A literatura econômica mostra justamente o contrário. Quase todos os maiores países do mundo têm tanta ou ainda mais participação do Estado do que o Brasil, inclusive os Estados Unidos. E outra: até os mais liberais economistas da história sempre sinalizaram que a educação deveria ser responsabilidade do Estado.

Setor privado nem sempre é solução

O problema está na gestão. Meu professor tem nos provocado bastante sobre isso: Por que não se fala sobre capacitar os profissionais do setor público e investir no que já existe? Por que a solução está sempre no setor privado?

Bom, aqui o “buraco é mais embaixo”. A narrativa de que o setor público é ineficiente e de que a solução está no setor privado integra uma estratégia que visa enfraquecer o primeiro e abrir margem para a entrada do segundo – este com agenda própria e quase nunca coesa com a que o Estado deveria assumir.

São Paulo não é o único com esse início de uma possível privatização em vigor. O Paraná começou em 2022, e atualmente testa o modelo de gestão privada em duas escolas. É coincidência? Não. Os dois têm em comum o secretário Renato Feder, que atuou no estado sulista antes de assumir a mesma posição no estado de maior importância econômica do Brasil.

Essa relação das secretarias de educação com o setor privado não é nova. Li um artigo de 2018 da Teise Garcia, professora no curso de pedagogia da Universidade de São Paulo, intitulado A gestão escolar no contexto da privatização da educação básica. Ela já identificava presença de atores privados na gestão educacional no período entre 2005-2015.

Quem está por trás de tudo isso? Bom, no geral, grandes fundações. Há uns dois anos, falei com um professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) que contou que há um evento anual do qual participam todos os secretários de educação do Brasil, cuja organização foi muitas vezes patrocinada por grandes fundações. Quem está por trás de uma delas é simplesmente um dos homens mais ricos do Brasil. Olhem o poder de entrada: simplesmente em todas as secretarias de educação do país e podem, como já acontece, influenciar o currículo e decisões de políticas públicas envolvendo a educação básica.

Cuidado seletivo

Sou fundador de um projeto social nacional de educação que auxilia jovens da rede pública com o ingresso no ensino superior. É 100% sem fins lucrativos e composto integralmente por voluntários universitários. Já visitei colégios de dez estados para divulgar nosso trabalho e em alguns tive uma dificuldade incrivelmente absurda para visitar os colégios, mesmo via secretarias.

Eu ficava meio desapontado, mas no fundo até admirava a proteção para com as escolas e consequentemente para com os estudantes. Mas quando descobri sobre essa estreita ligação do setor privado com as secretarias, eu me senti bastante ingênuo. Essa resistência e bloqueio são bastante seletivos. Há muita resistência quando se trata de projetos sociais e pequenas ONGs, mas os grandes “tubarões” por trás de grandes fundações encontram um caminho totalmente aberto em muitas das secretarias de educação do Brasil.

Temo que, se esse avanço do setor privado nas secretarias continuar, ficaremos diante de um cenário sem volta. O interesse do setor não é apenas no subsídio governamental, mas também no acesso aos alunos – tanto político quanto monetário. Afinal, são milhões de clientes em potencial e milhares de possíveis líderes em potencial que futuramente podem ocupar cargos políticos e votar a favor de agendas das fundações que investiram neles.

Não quero incitar uma teoria da conspiração e não estou dizendo que o setor privado é do mal ou que os profissionais que o integram não têm nenhum tipo de boa intenção. Isso não é verdade, assim como é errado dizer que todos do setor público são profissionais ruins. Meu ponto é: os setores têm objetivos e naturezas diferentes.

Não podemos desejar que o setor público tenha a mesma eficiência do setor privado sem a devida adaptação. Precisamos proteger nossa educação pública, nossas secretarias e sobretudo nossos alunos. Tive a oportunidade de conhecer alguns profissionais de secretarias de educação altamente qualificados, assim como diretores de colégios. O que devemos é investir neles, em valorização e em qualificação.

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