Movimento que acabou com a ditadura salazarista foi ponto de virada não só na história de Portugal, mas também para países como Angola e Moçambique, então colônias de um “império anacrônico”. A Revolução dos Cravos, liderada por um movimento militar de esquerda, o Movimento das Forças Armadas, e apoiada pela maioria da população de Portugal, foi um ponto de virada em muitos aspectos. Ela não só pôs fim à ditadura de quase 50 anos dos governantes Salazar e Caetano, como também abriu caminho para o fim das guerras coloniais portuguesas e a independência de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Em 2024, esses cinco países africanos estão olhando com especial interesse para Lisboa, onde o 50º aniversário da Revolução dos Cravos será comemorado de forma conjunta nesta quinta-feira (25/04).
Em Angola, revolução tornou negociações possíveis
“Em Angola, a Revolução dos Cravos evoca sentimentos positivos”, diz o analista Nkikinamo Tussamba, que nasceu 13 anos depois na província do Zaire, no norte de Angola. Ele avalia que a revolução portuguesa teve uma influência decisiva no processo de independência do país. “Graças a ela, a independência do nosso país foi proclamada apenas um ano e meio depois, em 11 de novembro de 1975.”
De fato, com a mudança de regime em Lisboa, negociações diretas entre o governo português e os movimentos de independência em Angola foram iniciadas. Em janeiro de 1975, o governo português assinou acordos de independência com as três organizações de libertação angolanas – MPLA, Unita e FNLA – na cidade de Alvor, no sul de Portugal.
Em Moçambique, acordo com Portugal logo após a revolução
O 25 de abril também foi um marco para Moçambique, confirma o jornalista moçambicano Fernando Lima. “A Revolução dos Cravos foi decisiva para que a frente de libertação Frelimo assinasse um acordo de independência com Portugal em Lusaka, em setembro de 1974”, diz.
Nascido em Moçambique, filho de colonos portugueses, Lima decidiu-se pela cidadania moçambicana após a independência, ou seja, por permanecer “como um africano na África”.
O caso do professor de relações internacionais e geopolítica Fernando Cardoso, da Universidade Autônoma de Lisboa, é diferente: ele também cresceu em Moçambique durante o período colonial, mas mudou-se para Lisboa com seus pais logo após a independência. Já adulto, viajou para Moçambique, Angola e Cabo Verde como professor e chefe de vários projetos de pesquisa.
Aumento da pressão sobre Portugal
Para Cardoso, a Revolução dos Cravos “sem dúvida” acelerou a descolonização, mas ele avalia que a independência das colônias portuguesas teria se concretizado mais cedo ou mais tarde, mesmo sem a revolução em Portugal. Na década de 1970, o império colonial português era visto internacionalmente como um “grande anacronismo”.
Naquela época, a comunidade internacional exercia enorme pressão diplomática sobre Portugal, a “primeira e última potência colonial na África”: praticamente toda a ONU havia solicitado a Portugal, em várias resoluções, que concedesse a independência a suas colônias, lembra o cientista político.
A pressão militar sobre Portugal também aumentou: em Angola, as organizações de libertação MPLA, Unita e FNLA receberam suprimentos cada vez maiores de armas e treinamento militar da União Soviética e de outros países do bloco comunista, bem como da China. Isso permitiu que elas exercessem pressão sobre o poder colonial, principalmente nas áreas rurais.
Em Moçambique, os combatentes do movimento de libertação Frelimo avançavam cada vez mais do norte em direção ao centro do país. Era apenas uma questão de tempo até que o exército colonial português perdesse o controle de grandes áreas do país.
Na opinião de Cardoso, não está totalmente claro o que teria acontecido em São Tomé e Príncipe e nas ilhas de Cabo Verde se não houvesse a Revolução dos Cravos. “Não houve movimentos de libertação armados em nenhum dos arquipélagos, mas havia vozes elevadas pedindo autonomia abrangente ou até mesmo independência completa para as ilhas.”
Independência já estava avançada na Guiné-Bissau
Era na Guiné-Bissau que o processo de independência estava mais avançado. Nesse país da África Ocidental, o movimento liderado por Amílcar Cabral já havia declarado unilateralmente a independência de Portugal em 25 de setembro de 1973, exatamente sete meses antes da Revolução dos Cravos.
Quando a ditadura portuguesa e com ela o regime colonial entraram em colapso, a Guiné-Bissau já havia sido reconhecida como um Estado independente por 34 países-membros da ONU. Militarmente, o Exército português já havia perdido o controle de grande parte do país há muito tempo.
“Nós, guineenses, não queremos ser imodestos, mas ouso dizer que fizemos uma contribuição não desprezível para o sucesso da Revolução dos Cravos”, diz a ex-ministra da Justiça da Guiné-Bissau Carmelita Pires, em entrevista à DW. “Por meio de nossa bem-sucedida guerra de libertação, apoiamos indiretamente as demandas do povo português pelo fim da era colonial e da guerra e pela liberdade.”
“Ao mesmo tempo, ajudamos a garantir que os outros países colonizados pelos portugueses seguissem nosso exemplo. Naquela época, éramos verdadeiros modelos para nossos países irmãos, que também estavam lutando contra o colonialismo”, acrescenta.
Relações após a independência
Nos primeiros anos após a independência, as relações entre os novos países e a antiga potência colonial eram consideradas difíceis. Ideologicamente, eles seguiram caminhos diferentes: enquanto Portugal se voltava para a União Europeia, os cinco estados africanos embarcaram no caminho do socialismo e estabeleceram sistemas marxistas de partido único com a ajuda do bloco oriental.
No início, esses novos regimes acusaram repetidamente Lisboa de hospedar e apoiar diplomaticamente representantes de organizações rebeldes, especialmente a Renamo, de Moçambique, e a Unita, de Angola, que lutavam contra os regimes marxistas em seus países.
Mas a discórdia entre Portugal e as antigas colônias não durou muito. Portugal conseguiu estabelecer uma cooperação estreita com os demais países lusófonos muito rapidamente. Todas as ex-colônias adotaram o português como língua oficial e, para muitos jovens e empresários africanos, Portugal se tornou a porta de entrada mais importante para a Europa.
Todas as antigas colônias africanas estão intimamente ligadas a Portugal do ponto de vista econômico e, em 1996, foi fundada a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que compreende todos os nove países do mundo nos quais o português é uma língua oficial.