Um grupo de indígenas foi ao Congresso Nacional nesta terça-feira (23) conforme reportagem de Eduardo Gonçalves, do O Globo, para protestar contra a lei que estabelece um marco temporal para demarcações de terras e pedir que o governo acelere a homologação de novas áreas no país. Os manifestantes saíram em marcha do Acampamento Terra Livre (ATL), que é organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), até a sede do Legislativo, onde participaram de sessão solene no plenário da Câmara.
Principal foco dos indígenas, a lei do marco temporal foi aprovada pelo Congresso no ano passado. Segundo a tese da nova legislação, os indígenas só podem pleitear terras que eles ocupavam na data de promulgação da Constituição de 1988. O Supremo Tribunal Federal (STF) já havia declarado a tese inconstitucional, mas a mudança aprovada pelos parlamentares fez com que a medida fosse validada até uma nova análise da Corte.
O protesto conta com a presença de deputados da bancada do PT e PSOL, da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, da presidente da Funai, Joenia Wapichana e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
— Nós temos pouquíssimos aliados aqui (no Congresso). Em um ano e quatro meses, nós conseguimos demarcar dez territórios indígenas. É pouco para o tamanho do passivo que o Brasil tem. Não pensem que isso é fácil. (…) É uma grande conquista, porque se dependesse da decisão e vontade do Estado brasileiro, nem essas (dez) teriam saído — disse Sonia Guajajara, referindo-se ao total de áreas demarcadas no terceiro mandato do governo Lula.
— Nós viemos aqui para dizer não às negociações dos nossos direitos — acrescentou Joenia.
Apesar de ver as ministras Sonia Guajajara e Marina Silva como aliadas, as lideranças do movimento indígena têm feito críticas diretas aos ministros da Casa Civil, Rui Costa, e da Justiça, Ricardo Lewandowski, pela demora no processo de homologação de terras indígenas.
— O Rui Costa está parando as demarcações de terras indígenas (…) Demarquem as terras indígenas guarani, pois resistiremos até oque o nosso território seja demarcado. É obrigação desse governo, não quremos mais desculpa, o Estado está sendo covarde, o minsitério da Justiça está sendo omisso com o nosso povo — disse na tribuna Thiago Henrique Karai Jekupe, liderança da terra indígena Jaraguá, em São Paulo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto da demarcação de 2 das 6 terras que eram esperadas pela Apib, na última semana. O recuo irritou as lideranças indígenas, que lembraram que o petista prometeu a demarcação de 14 territórios até o fim do ano passado – até agora saíram 10 do papel.
Diferente da edição de 2023, Lula não foi convidado para ir ao acampamento neste ano em um gesto que demonstra a insatisfação dos grupos indígenas com a gestão federal. O ATL chega à sua 20ª edição em 2024 com o slogan “o nosso marco temporal é ancestral”.
Nos próximos dias, a Apib planeja fazer atos no Supremo Tribunal Federal e no Palácio do Planalto.
Suspensão de decisões sobre marco temporal
Nesta segunda-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes decidiu suspender todos os processos na Justiça que discutem a validade da lei que instituiu o marco temporal e iniciou um processo de conciliação para debater a demarcação de terras indígenas.
No plenário da Câmara, o coordenador da Apib Kretã Kaingang atacou o que ele chamou de “bancada BBB (do boi, bala e Bíblia)” pela retirada dos direitos dos povos ancestrais.
— Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de resistir e sobreviver. Esse mesmo Congresso retira os nossos direitos, ele faz as leis em cima do judiciário brasileiro para atender os seus interesses e não o interesse da nação brasileira — criticou o indígena.
O Acampamento Terra Livre iniciou a sua programação, apresentando uma carta que relaciona a lei do marco temporal a atos de violência cometidos contra os indígenas. O documento cita o assassinato a tiros da pajé Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe, na terra indígena Caramuru Paraguaçu, na Bahia, ocorrido em janeiro.
“Apenas no primeiro mês da lei nº 14.701/2023 (lei do marco temporal), a expansão do agronegócio e o arrendamento de terras para monoculturas e garimpo causaram nove assassinatos de indígenas e 23 conflitos em territórios localizados em sete estados e cinco biomas”, diz trecho da carta.