Encarregado de capitanear os esforços de aproximação de Lula com o agronegócio, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, rebate a ideia de que o presidente não gosta dos ruralistas e afirma que o movimento só não foi feito antes porque o setor não queria conversa. “Para nós, a eleição acabou”, diz em entrevista ao jornal O Globo.
Há uma tentativa do presidente Lula de se aproximar do agronegócio, o que inclui até churrascos com representantes do setor no Palácio da Alvorada. Por que só agora, após mais de um ano de governo?
Saímos da eleição com animosidades muito afloradas, uma intolerância nunca vista. (Jair) Bolsonaro (ex-presidente) conseguiu fazer com que o setor esquecesse como foi o período de Lula. Falavam de insegurança jurídica, invasão de terra, direito de propriedade. Lula foi presidente por oito anos e nada disso foi precarizado. Mas não adiantava dizermos que seríamos bons. Não queriam ouvir. Como um governo que não gosta do agro faz o maior Plano Safra da história?
Ainda há muitas reclamações.
Já vemos notícias de que o agro está dividido, que o pessoal do biocombustível está do lado do governo. É questão de tempo. A gente vai trabalhando. Faremos o embarque da primeira carga de uma planta frigorífica que estava desde 2015 esperando para exportar para a China. No ano passado, numa única vez, 38 plantas foram habilitadas.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion, disse ao GLOBO que não adianta fazer jantar ou churrasco se o governo não entrega, se não segura as invasões de terra do Movimento dos Sem Terra (MST). A postura do governo é contraditória?
É um governo democrático, que entende a manifestação. Claro que, se alguém invadir terra produtiva, tem que ser coibido. Agora, querer ter um pedaço de chão é legítimo. Defendo o direito de propriedade para todos, para quem tem e para quem não tem. Não precisa ser tirando de A em detrimento de B. O presidente da FPA faz isso porque tem de ter o discurso de oposição. Talvez ele ainda esteja no palanque.
O discurso da bancada do agro foi cooptado pelo bolsonarismo?
Foi cooptado pelo palanque que os elegeu. A FPA se retroalimenta com o discurso de que o governo não gosta do agro. Para nós, a eleição acabou. A próxima é em 2026. Não é para fazer churrasco e fazer espuma, é para debater. Minha porta está aberta.
O senhor fala sobre a bancada do agro ainda estar no palanque. Mas Lula deu declarações no ano passado com críticas ao agro. Ele desceu do palanque?
O presidente tem legitimidade para falar o que quiser, óbvio. Mas as ações dele dizem mais do que qualquer palavra.
O setor diz que fecha um acordo com o governo no Congresso, e Lula em seguida veta. Foi o que aconteceu na lei dos agrotóxicos…
O governo é plural e do debate. É óbvio que nenhum tema é unanimidade. Então, se alguns setores do governo acham que ficou exacerbado (o que saiu do Congresso), o presidente faz o papel dele de equilíbrio. Ele vetou (no caso da lei dos agrotóxicos), mas ninguém vai ficar magoado se o Congresso fizer sua parte e derrubar os vetos. Ele vai respeitar o que a Casa decidir. E vida que segue.
O próprio presidente cobrou que os ministros mostrem mais o que tem sido feito. Há um problema de comunicação e dificuldade de apresentar as realizações e combater as fake news?
Concordo. Mas que isso não seja pejorativo ao ministro Paulo Pimenta (titular da Secretaria de Comunicação Social), que está fazendo um grande trabalho. O jeito de se comunicar no mundo mudou, e a gente tem que aprender, inclusive o governo.
Produtores rurais estão pedindo ajuda, com refinanciamento e suspensão de pagamentos. O governo já dimensionou o tamanho dessa crise?
Sim. Antes mesmo do final da safra, o Conselho Monetário Nacional (CMN) já autorizou a prorrogação das dívidas dos produtores de soja, milho, pecuária de corte e pecuária bovina. Não indiscriminadamente, claro. Onde tem problema, já foi autorizada a prorrogação. E novas medidas de apoio virão, com taxas de juros competitivas para restabelecer o capital de giro. O governo precisa equacionar algo em torno de um R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão para prorrogar o que entendemos emergencial.
O setor diz que é pouco.
Vamos saber à medida que a demanda aparecer. Estamos tendo sinais de que muitos já estão pagando. Há um compromisso de que o dinheiro necessário para a prorrogação será diminuído do novo Plano Safra.
Por isso, existe a reclamação. Eles dizem que é como se fosse o mesmo dinheiro e não um reforço ao setor.
Eles nem sabem o que vai ser o novo Plano Safra. Dizer que será menor? O Plano Safra não pode ser exclusivamente dependente do Tesouro Nacional. Ele pode e deve ter taxas de juros mais baratas, tem como fazer. Medidas que foram tomadas há poucos dias pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) vão ter reflexos no programa.
A inflação de alimentos passou a preocupar Lula, que convocou o senhor e outros ministros para avaliar o que poderia ser feito. Haverá alguma medida?
Falei para o presidente: “Não se assuste com preço de alimentos porque, com o caminhar da safra, os preços vão cair”. Antes do final do primeiro semestre, teremos deflação de alimentos.
Não selar o acordo de livre comércio com a União Europeia seria uma derrota para o governo?
Queremos muito o acordo. É muito importante, mas não vamos ficar desesperados e chorando se eles não quiserem ter uma ampliação da relação comercial com o Brasil. Por isso, o fortalecimento das relações com o sul global, países asiáticos, Oriente Médio e África. Veja quantos mercados abrimos em um ano e três meses. Queremos ampliar as relações comerciais com a UE e vamos continuar insistindo. Mas não vamos ficar parados.