Pelo rumo que tomam as negociações no Congresso, é muito possível que a vontade do presidente Jair Bolsonaro de aprovar uma reforma da Previdência “sem tantas modificações” seja frustrada. Ainda que os pontos atacados com mais afinco tenham pouco impacto fiscal — e a retirada deles mantenha a estimativa de economia na casa de R$ 1 trilhão em 10 anos —, há outros igualmente delicados e mais “caros” com chances reais de aprovação na Câmara.
Conforme o jornal Correio Braziliense, as preocupações dos deputados não se resumem ao valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC) pago a idosos e às regras para aposentadoria rural, embora a revisão desses pontos seja crucial para que a reforma avance. Regra de transição para servidores públicos, mudança nos cálculos de aposentadoria e pensão, equiparação de regras para policiais e regime de capitalização são alguns dos assuntos que também serão alvo de emendas na Comissão Especial.
Até agora, os deputados apresentaram sete sugestões de mudança na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 6, mas há outras dezenas prontas, com as 171 assinaturas exigidas, e devem ser protocoladas nas próximas semanas. As emendas podem ser propostas nas primeiras 10 sessões do plenário, a partir da instalação do colegiado, prazo que pode ser estendido por acordo entre as lideranças. Por enquanto, já se passaram quatro.
As emendas apresentadas até agora tratam de temas como regra de transição, aposentadoria especial e de policiais (ver quadro). Todas vieram de legendas de centro: Patriota, Podemos, PSD, Solidariedade, PTB e DEM. Parte da oposição insiste que o objetivo continua ser barrar a reforma por completo, mas, nos bastidores, tem sugestões consolidadas. É importante ter emendas sobre todos os assuntos, em várias versões, porque, caso o texto passe pela comissão sem nenhuma mudança, elas poderão ser retomadas no plenário e aprovadas como destaque ao texto-base.
Plenário
A perspectiva de recolocar todos os pontos em discussão no plenário fará com que a comissão receba emendas diferentes sobre os mesmos temas. O BPC é um deles. O mais provável é que qualquer menção ao benefício seja retirada do texto, como pedem os integrantes da maioria do Centrão e da oposição. Se for acolhida alguma sugestão com esse teor, ele continuará sendo pago aos 65 anos, no valor de um salário mínimo mensal. O governo propõe que seja pago aos 60 anos, mas, até os 70, o idoso só terá direito a R$ 400 por mês. Porém, o governo tentará ganhar alguma mudança aí com emendas de plenário.
Com a repercussão negativa do texto em relação ao BPC, a equipe econômica passou a dizer que a mudança representaria apenas uma antecipação, de forma opcional: o idoso que preferir receber um salário mínimo, mas só aos 65 anos, pode escolher recusar os R$ 400 a partir dos 60. Como essa opção não está clara no texto, alguns deputados querem garantir que ela seja respeitada. “Eu acho que nós poderíamos construir essa emenda, aqui. É lógico que com o apoio da maioria desta comissão”, disse o deputado Giovani Cherini (PR-RS), em audiência pública com Guedes, na última quarta-feira.
Também quanto ao BPC, parlamentares preparam emendas para acabar com exigências que restringem o acesso ao benefício, mas que não têm tido tanta atenção, como o critério de patrimônio. A reforma de Bolsonaro não permite que idosos e deficientes cujas famílias tenham patrimônio de pelo menos R$ 98 mil recebam o benefício, mesmo que vivam em condição de miserabilidade. Outra emenda deve tratar da proibição de que duas pessoas da mesma família recebam BPC, sejam idosos ou deficientes.
O regime de capitalização também será contestado por mais de uma emenda. Até deputados favoráveis à reforma pedem que a criação do regime de contas individuais seja retirada do texto, porque, além de exigir muito debate, é impopular e pode contaminar o resto da discussão. “Nós não podemos pensar em capitalização agora, até porque é um tema muito complexo”, disse Arthur Maia (DEM-BA), que relatou a reforma do ex-presidente Michel Temer. Ele considera a ideia “algo tão aberto e etéreo que não dá para embarcarmos nisso sem ter algum tipo de noção do que vai de fato acontecer”.
Outro ponto com o mesmo potencial de polêmica é a retirada das regras previdenciárias da Constituição. O governo propõe que os parâmetros da Previdência, como idade mínima e tempo de contribuição, hoje constitucionalizados, possam ser alterados por lei complementar, mais fácil de passar no Congresso. Vários deputados têm questionado essa possibilidade. “Não ajuda em nada, neste momento. Isso vai causar uma polêmica gigantesca e só vai ajudar quando houver uma nova reforma”, comentou Arthur Maia.
O deputado também adiantou que vai apresentar uma emenda para que as regras dos servidores públicos federais não sejam automaticamente estendidas aos estaduais e municipais, como prevê a PEC. Ele acredita que cada estado deve ter autonomia para decidir o valor das alíquotas e atuar de acordo com as próprias necessidades fiscais. O presidente da comissão, Marcelo Ramos (PR-AM), também é um grande defensor dessa mudança, assim como vários outros deputados do Centrão.
Ramos acredita que outro “objeto de tensão” será a limitação do direito ao abono salarial apenas a trabalhadores que ganham até um salário mínimo. Hoje, ele é pago para quem recebe até dois salários mínimos. A ideia tem sido criticada por lideranças partidárias, desde a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas o grande obstáculo é o alto impacto fiscal da medida. Com a redução na base de beneficiários do abono, o governo pretende economizar R$ 169,4 bilhões em 10 anos.
Alterações
» Mudar o cálculo da aposentadoria e da pensão por morte