A ministra da Saúde, Nísia Trindade disse nesta última quarta-feira (10) conforme Andreza Matais, do Uol, que “nenhum deputado vai constrangê-la” com questionamentos sobre a contratação de seu filho como secretário de Cultura de Cabo Frio (RJ), que ocorreu após ela receber a prefeita e liberar verba extraordinária para a cidade.
Em audiência pública na Comissão de Saúde da Câmara, a ministra travou embates duros com deputados da oposição que chamaram sua gestão de “desastrosa” e pediram sua demissão.
Nísia foi cobrada diversas vezes para explicar a relação entre a contratação de seu filho e a liberação da verba para Cabo Frio. A ministra também foi questionada sobre a epidemia de dengue e a situação dos hospitais federais.
O PT blindou a ministra com elogios à sua gestão, usando-a como contraponto ao que chamaram de “desgoverno” de Jair Bolsonaro (PL). Mas nos momentos mais duros coube à Nísia fazer sua defesa sozinha ou com a ajuda de uma claque de agentes comunitários que tentou, sem sucesso, interromper falas mais ríspidas de deputados bolsonaristas.
Diante da pressão sobre Nísia, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), não apareceu. O presidente Lula (PT) tem feito críticas públicas e cobrado resultados da sua ministra.
Dos 94 municípios do Rio de Janeiro, Cabo Frio foi o único beneficiado pela portaria que atendeu a cidade. O ato público foi refeito após o Uol revelar que o documento liberava apenas R$ 4,6 milhões, enquanto o ministério havia repassado R$ 55,6 milhões a mais. O filho da ministra foi contratado dias depois de ela receber a prefeita no gabinete em Brasília e de o dinheiro entrar na conta da prefeitura.
Nenhum deputado me constrangerá trazendo a questão de Cabo Frio e do meu filho. Ele é músico e produtor cultural com atuação na área de cultura, e sua nomeação nada tem a ver com a minha gestão na pasta da Saúde. Cada destinação [de recursos] parte de uma avaliação técnica. Ninguém me constrangerá porque me orgulho dos filhos que tenho e de sua trajetória.
Nísia Trindade, ministra da Saúde, em audiência na Câmara
“Minha irmã é secretária de Cultura do estado do Rio. Qual o problema de o filho da senhora ser secretário? O que existe é hipocrisia. Tem deputado que tem esposa, irmão. Tem 92 cidades do Rio que precisam de dinheiro e se a senhora abrir a porta do ministério eu vou lá também”, disse o deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ).
A oposição reagiu. “Essa questão de Cabo Frio é constrangedora. Ela colocou um recurso grande e 20 dias depois seu filho é secretário. Assumiu cargo de confiança de um município que recebeu um recurso extraordinário. É uma coisa difícil de explicar. Queria ter todos os municípios com padrão Cabo Frio”, rebateu o deputado Osmar Terra (MDB-RS).
A ministra negou ter beneficiado a cidade, disse que outros municípios do Rio também receberam verba extra para atendimentos de alta e média complexidade e sugeriu abrir todos os dados referentes ao repasse para esclarecer sua decisão.
“Há critérios claros que têm a ver com tamanho populacional, rede assistencial. Muitas vezes são feitas visitas técnicas”, afirmou. Nesse ponto, até mesmo deputados aliados pediram a ela que todas as cidades sejam atendidas com o recurso extraordinário.
A reunião teve outros momentos de embate. Nísia foi criticada pela gestão da epidemia de dengue, a maior já enfrentada pelo país.
“Sou médico e vejo o inferno que está. UPAs lotadas, hospitais lotados e qual foi o programa feito por vossa excelência para dengue? Nada. Recorde mais de 3 milhões de casos. A senhora vai conseguir dobrar a meta. É um desastre o que está ocorrendo no Brasil com a dengue. A sorte de vossa excelência é que conta com amplo apoio do Parlamento para passar pano para a senhora. São poucos que têm a coragem de criticar porque ficam sem recurso”, afirmou o deputado Frederico (PRD-RJ).
Deputados falaram abertamente de uma eventual demissão da ministra.
“A senhora está perto de perder o cargo. Não está bem seu ministério, senão a senhora não teria demitido toda sua equipe. Tenho dó dos seus secretários. Para de querer forçar pauta ideológica e trate da saúde do povo”, complementou o parlamentar.
“É tanta coisa ruim que estou surpreso em ver a senhora aqui. Em qualquer lugar já teria sido demitida. Tivemos um recorde de mortes por dengue na sua gestão. A senhora demonstrou total fracasso na proteção do povo Yanomami. Os hospitais federais estão em situação de penúria. A senhora demonstra total incapacidade de resolver a fila do SUS. O que levou até mesmo o ‘presidengue’ a cobrar solução da senhora, que não foi apresentada”, afirmou o deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP). “Quando a senhora vai deixar o cargo para deixar um gestor administrar?”, questionou.
Coube à ministra rebater. “A letalidade da dengue segue o que tem acontecido na epidemia anterior, então só pode ser má-fé falar em recorde de mortes na gestão do presidente Lula. É preciso colocar os pingos nos is”, afirmou.
“E [sobre os Yanomamis] não é verdade que houve mais mortes. Havia subnotificação do governo anterior.”
“Eu refuto a gestão ser ideológica. Não sou membro de partido político, mas teria orgulho de participar de qualquer partido que tenha relação com a minha visão de mundo, que é de defesa da democracia, do SUS e da igualdade. Valorizo a boa política”, continuou.
Como mostrou o Uol, a Saúde foi capturada pelo PT e os principais cargos foram loteados pelo ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais).
Verba demais
O momento mais tenso ocorreu quando Nísia rebateu deputados que disseram que o ministério tinha verba demais. “Não é verdade que o ministério tem orçamento exorbitante. Quem fala isso não conhece a necessidade de um sistema universal para 200 milhões de pessoas. O que o governo fez foi recuperar um orçamento que ainda assim é defasado”, disse.
A Saúde tem orçamento de R$ 200 bilhões, o maior da Esplanada.
O deputado Frederico entendeu que o recado era para ele. “Estava falando do tamanho da sua responsabilidade. O dinheiro precisa ser bem empregado. Seu ministério está doente, a gente não quer que a senhora caia, mas precisa ter mais seriedade”, disse.
Veio a réplica: “Claramente foi dito que não houve um aumento expressivo. Não era do senhor que eu estava falando, mas quem fez esse comentário não conhece a realidade da saúde.”
A ministra também foi cobrada a receber os deputados. Ministros que costumam fechar suas agendas geralmente são os que sofrem mais com as críticas do Parlamento. O deputado Célio Silveira (MDB-GO) afirmou que está há seis meses aguardando ser recebido.
“A realidade não é a que a senhora descreveu para nós. Os hospitais estão lotados, as pessoas estão morrendo. Na gestão da senhora temos pedidos de audiência de seis meses que não foram atendidos. Às vezes, cercada de um tecnocrata, a senhora não sabe o que pode levar de informação para nós. Peço que atenda aos deputados”, disse.