Bombardeio israelense que matou sete voluntários deixa entidades que atuam no enclave palestino receosas e ameaça assistência a civis acossados pelo conflito. Grupos cobram de Israel garantias de segurança.Um navio carregando 240 toneladas de alimentos originalmente destinados à Faixa de Gazaretornou ao Chipre nesta quarta-feira (03/04), dois dias após um bombardeio israelense matar sete voluntários da ONG World Central Kitchen (WCK), que fornece refeições em áreas de catástrofe.
A carga não entregue era parte de um total de cerca de 340 toneladas de alimentos enviados em 30 de março pelo WCK a Gaza usando o corredor marítimo do Chipre – uma iniciativa que prevê a inspeção prévia, por parte de Israel, de toda a carga despachada. Cem toneladas chegaram a ser descarregadas pelos voluntários, que acabariam sendo mortos mais tarde.
A tragédia, que o premiê israelense Benjamin Netanyahu chamou de “não intencional”, levou a WCK a interromper suas operações na região, com o retorno da frota de navios ao Chipre.
Também nesta quarta, o ministério alemão do Exterior alertou que a morte dos voluntários pode significar a piora da situação dos civis em Gaza. O risco, segundo um porta-voz da pasta, é de que o episódio motive outras entidades de ajuda humanitária, cujo trabalho é “urgentemente necessário”, a reconsiderar e encerrar suas atividades na região.
A Alemanha é um dos aliados de Israel que tem dirigido apelos ao país para que permita a entrada de mais ajuda humanitária em Gaza.
Críticas também vieram dos Estados Unidos, onde o presidente Joe Biden se referiu à morte dos voluntários da WCK como não sendo um caso isolado; da Espanha, que cobrou o “esclarecimento detalhado das causas” da ação israelense; e da Polônia, que anunciou a convocação do embaixador israelense – uma das vítimas do bombardeio era um polonês.
Entidades apontam más condições de trabalho
Fundador do WCK, José Andrés disse que o bombardeio não foi “apenas um erro lamentável qualquer em meio à guerra”, mas sim um ataque direto a veículos claramente identificados, cuja movimentação era conhecida e havia sido coordenada com os militares israelenses. Andrés acusou o governo israelense ainda de provocar propositalmente a escassez na assistência humanitária à região.
A WCK, que enviava ajuda humanitária desde outubro a Gaza, era segundo fontes do governo israelense responsável por 60% do apoio não-governamental que chegava até o enclave. Após o bombardeio, a entidade anunciou a paralisação de suas atividades – no que foi seguida por uma outra entidade parceira, a American Near East Refugee Aid (Anera).
As Nações Unidas, por sua vez, suspenderam suas operações noturnas por ao menos 48 horas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que manterá seu trabalho em Gaza. “Estamos aqui para ficar e fazer nosso trabalho”, disse Rik Peeperkorn, representante do órgão para os territórios palestinos. Ele citou outros ataques a veículos da ONU e empecilhos do lado israelense como um sinal de que acordos para a prestação de ajuda humanitária “não funcionam” nesse conflito.
Porta-voz da Caritas na Alemanha, que atua na região indiretamente, por meio de pessoas recrutadas em Gaza, Achim Reinke afirma que o fato de o Exército alemão participar de uma operação para lançar mantimentos pelo ar em Gaza é um sinal de “impotência” diante do alto risco associado a operações humanitárias por terra ou mar, que fariam mais sentido.
“Esses pacotes aéreos só chegam aos mais fortes dentre os fortes, se é que alcançam alguém. Aos mais velhos ou às pessoas com deficiência não chega nada”, afirma Reinke.
Na terça, ao lamentar a morte dos voluntários da WCK, a ONG espanhola Open Arms, que havia oferecido um veleiro para a missão, criticou a falta de segurança a que estão expostos trabalhadores humanitários em Gaza. “Sentimos saudades de Saifeddin, Zomi, Damian, Jacob, John, Jim e James, mas eles permanecerão para sempre em nossa memória, e continuaremos a falar por eles, pelos mais de 32,5 mil mortos em Gaza, as centenas de trabalhadores humanitários, os hospitais destruídos, jornalistas e todos os ‘casos isolados’ que não são um acidente, mas sim parte de uma estrutura de morte e destruição”, escreveu a entidade na rede social X.
Segundo a ONU, desde o início da guerra – deflagrada após um atentado terrorista do Hamas contra Israel em 7 de outubro que deixou mais de 1.200 mortos e terminou com mais de 240 sequestrados –, cerca de 180 trabalhadores humanitários perderam a vida em Gaza.