O ano era 1993 quando a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) estava grávida de sua filha mais velha, Helena, e recebeu uma proposta da Câmara para se afastar por doença. Com a negativa, tornou-se a primeira parlamentar do país a conquistar o direito da licença-maternidade. Passados 31 anos, a mesma proposta de afastamento genérico ainda é oferecida a deputadas no âmbito estadual. Um levantamento do jornal O Globo identificou que sete das 27 assembleias legislativas ainda não possuem previsão de regulamentação do benefício.
Apesar da licença após a gravidez estar prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) desde 1943, as deputadas dependem de regras internas. Na maioria das Casas, as equipes das parlamentares seguem trabalhando durante a licença e projetos podem ser apresentados, mesmo durante o afastamento. Esse processo, contudo, não foi definido como licença-maternidade no Rio, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rondônia e Sergipe.
Em 2019, a deputada fluminense Renata Souza (PSOL) apresentou um projeto de resolução para a licença. A proposta ficou parada até este ano, quando ela anunciou uma gestação. O texto visa regulamentar o período de licença na Assembleia do Rio (Alerj) em 180 dias no caso das mulheres e 30 para os homens. Atualmente, as deputadas podem se afastar por quatro meses e meio em uma licença genérica.
Primeira deputada na Alerj a engravidar durante o mandato, Renata tem a expectativa de aprovar o projeto antes de seu parto.:
— Não é possível que parlamentares que constroem leis não tenham acesso às leis, isso nos coloca em desigualdade perante à sociedade brasileira. Medidas como esta são importantes para que as mulheres possam ocupar a política.
Reeleição questionada
Já Marina Helou (Rede), engravidou pela segunda vez quando a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) não tinha regulamentação. A legislação vigente só foi aprovada em 2020, ano em que a parlamentar havia se afastado, por “doença”, para ter a segunda filha, Lara. Marina lembra como foi tratada à época:
— Quando engravidei, outros três homens da legislatura tiveram filhos. Para eles davam parabéns, mas para mim me perguntavam como eu ia fazer para conciliar com o mandato. Me falaram que não iria ser reeleita.
Hoje com quatro anos, Lara nasceu em 27 de dezembro de 2019. No começo de março do ano seguinte, sua mãe já havia retornado ao trabalho, à época remoto devido à pandemia da Covid. Helou conseguiu outras mudanças. Até 2021, os deputados só podiam abrir sessões ordinárias após as 19h30m, um horário que, segundo ela, era incompatível com a rotina de pais de crianças pequenas e foi antecipado
“Trabalho aqui há 30 anos e não lembro de ter visto uma deputada grávida”. Essa é a frase que a deputada de Pernambuco Dani Portela (PSOL) escutou no final de 2023, quando estava com oito meses de gestação e descobriu que na Assembleia não havia licença-maternidade. Nascido em 12 de janeiro, Jorge não tem tido a mãe presente durante todo o dia. Dani se afastou por apenas 15 dias e, desde então, comparece às audiências públicas e justifica as faltas de plenário:
— Tem sido uma experiência muito difícil. No dia 8 de março (Dia Internacional da Mulher), fui à Assembleia pela manhã e emendei um ato à tarde, sem conseguir passar em casa para amamentar.
Para a especialista em gênero Lígia Fabris, da Universidade de Yale, o atraso na regulamentação da licença é um reflexo do machismo estrutural:
— Além de não pensarem que uma mulher pudesse chegar a este espaço de poder, há uma lógica de que os homens não são responsáveis pelo cuidado, logo também não era preciso criar regras.
Em 1990, quando era vereadora de Rio Branco, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, quase perdeu seu mandato por faltas e precisou ir às pressas ao plenário, 16 dias após ter tido sua filha, Moara.