Já pontuamos aqui: se o futuro é verde e sustentável, ele passa necessariamente pela mineração.
A mudança para uma economia verde, neutra em carbono, exige a migração das fontes de energia fóssil para as fontes renováveis e uso de novas tecnologias, como as usinas solares, os parques eólicos e as baterias dos veículos elétricos. Essa transformação da matriz econômica e energética aumenta a necessidade de suprimento de recursos minerais.
O aumento significativo da demanda para a atividade mineral requer um esforço regulatório para promoção da segurança jurídica e para a criação de mecanismos de financiamento.
Nesse contexto, e diante do potencial mineral do Brasil para o suprimento das cadeias nacional e internacional, o governo vem editando diversos regulamentos e planos, cujas ações, aos poucos, estão sendo colocadas em prática. Um desses exemplos é o Decreto nº 11.964/2024, publicado em 27.03.2024, que trata, entre outros pontos, das debêntures incentivadas, que é um mecanismo de financiamento que até então não estava disponível para o setor mineral.
O objetivo do Decreto é regulamentar os critérios e as condições para projetos de investimento serem considerados como prioritários, para fins de emissão de valores mobiliários, tais como as debêntures incentivadas, as debêntures de infraestrutura, as cotas de emissão de fundo de investimento, entre outras.
O Decreto vem para regulamentar o artigo 2º da Lei nº 12.431/2011, que trata da incidência diferenciada do Imposto de Renda sobre debêntures emitidas com a finalidade de implementar projetos de investimento na área de infraestrutura, ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação, considerados como prioritários.
No contexto do Decreto nº 11.964/2024, só serão enquadrados como prioritários os projetos de investimento em infraestrutura que simultaneamente atendam a dois requisitos: (1) os projetos devem ser objeto de instrumento de concessão, permissão, autorização, arrendamento; e (2) os projetos devem prever ações de implantação, ampliação, recuperação, adequação ou modernização.
Além disso, os projetos devem ser ligados a setores como o (i) de mineração, voltado para a transformação de minerais estratégicos para a transição energética; (ii) de logística e transportes; (iii) de mobilidade urbana; (iv) de energia, entre outros.
Vale destacar que o novo normativo beneficia empreendimentos que promovam ações e intervenções que visem a redução e a mitigação das emissões dos gases de efeito estufa nas suas atividades, uma vez que permite que tais iniciativas também sejam consideradas como parte do projeto de investimento. Assim, elas podem ser incluídas no montante de despesas de capital e, consequentemente, consideradas para as emissões de valores mobiliários com benefícios fiscais.
Outro ponto de destaque do Decreto é que ele permite, para os empreendimentos de mineração voltados para a transição energética, que as despesas relativas às fases de lavra e desenvolvimento de mina sejam consideradas como parte do projeto de investimento. Neste caso, tais despesas podem ser incluídas no projeto com a finalidade de aumentar a emissão de valores mobiliários com benefícios fiscais.
Com essas medidas, a mineração alcança possibilidades de financiamento até então restritas a setores como energia, infraestrutura etc. O reconhecimento da mineração como parte essencial da transição energética coloca o setor mineral no centro das políticas públicas nacionais, não se limitando ao suprimento, mas também destacando a agregação de valor ao longo da cadeia, por meio de incentivos para a transformação mineral.
Para efetivar o novo mecanismo, a fiscalização e acompanhamento da implementação dos projetos ficará a cargo do Ministério de Minas e Energia, o MME, que deverá informar à Secretaria Especial da Receita Federal e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a ocorrência de situações que evidenciem a não implementação do projeto ou a sua implantação em desacordo com o disposto no Decreto.
Dessa forma, antes de requerer o registro da oferta pública dos valores mobiliários com benefícios fiscais, o empreendedor precisará, independentemente da necessidade ou não de aprovação prévia ministerial, apresentar para o MME documento com descrição detalhada do projeto de investimento. Ressalta-se que os procedimentos para aprovação ministerial prévia e para acompanhamento dos projetos serão regulamentados por meio de Portaria de cada Ministério. Assim, o caminho está aberto, aguardemos a regulamentação do MME.
Com relação à cumulação de benefícios, o normativo, por um lado, veda a cumulação, para uma mesma debênture, dos benefícios tributários previstos na Lei que institui a incidência do Imposto de Renda e os previstos na Lei de debêntures de infraestrutura. Por outro lado, o Decreto permite que sejam emitidas cumulativamente, para um mesmo projeto, debêntures incentivadas e debêntures de infraestrutura. A ressalva, neste caso, é que a soma dos valores captados não pode superar o montante equivalente às despesas de capital dos projetos de investimento.
Nesse sentido, a publicação do Decreto é um passo promissor rumo ao incentivo ao financiamento de projetos relevantes para o desenvolvimento do País. Além disso, o decreto incentiva os empreendimentos a incluírem em seus planos de investimentos medidas de mitigação das emissões de gás carbônico e benefícios ambientais e sociais como elementos de diferenciação e vantagem competitiva no número de valores mobiliários que podem ser emitidos com benefícios fiscais.
Somado a isso, o decreto avança no sentido de priorizar os empreendimentos de mineração voltados para a extração de minerais estratégicos para a transição energética. Esses empreendimentos são essenciais para alavancar o País rumo a uma economia de menos carbono e para expandir a industrialização voltada para a transição para fontes renováveis de energia.
Depois da listagem de empresas de mineração na bolsa brasileira e do lançamento do fundo de Minerais Estratégicos pelo BNDES, o uso das debêntures incentivadas poderá ser considerado a medida de maior relevância para ampliação do financiamento e mudança na cultura de investimento do setor. Será um marco para a relação da mineração com o mercado financeiro nacional.
Por fim, percebe-se que mineração, transição energética e investimento são pontos que se tornam, cada dia mais, interligados. Nesse sentido, será realizado workshop “Minerais da Transição – Energias Limpas, Mobilidade e Novas Tecnologias” que acontecerá na tarde do dia 03 de abril, em São Paulo, momento em que estarão reunidos, em um formato inovador, mineradores e representantes da indústria automotiva e de produção de energia renovável, para discutir e reforçar a sinergia entre os elos das cadeias relacionadas à transição energética.
Por Mariana Botelho e Frederico Bedran (*)
(*) Sócios do Caputo, Bastos e Serra Advogados