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quarta-feira 20 de março de 2024 às 19:16h

Entenda por que a exportação brasileira para Argentina desabou

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Com a queda na demanda interna da Argentina, as exportações do Brasil para o país vizinho estão em forte baixa neste ano. No primeiro bimestre de 2024, o volume total embarcado para a Argentina ficou em US$ 1,71 bilhão, 28,7% abaixo dos US$ 2,37 bilhões do mesmo período do ano passado. Os dados são do Indicador de Comércio Exterior (Icomex), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), e da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic).

Economistas atribuem a queda principalmente aos efeitos do choque de preços que vem sendo feito pelo presidente Javier Milei, prevendo que a baixa demanda por bens brasileiros comece a se recuperar somente no fim do ano. Está em curso uma reacomodação da economia argentina, com recuo da demanda e uma inflação ainda elevada, o que leva a um menor consumo e a menos importações. Além disso, a economia argentina já vinha perdendo força antes de Milei assumir o governo, em 10 de dezembro de 2023.

No primeiro bimestre as importações brasileiras com origem na Argentina também caíram, de US$ 1,77 bilhão no primeiro bimestre de 2023 para US$ 1,51 bilhão neste ano. O saldo comercial para o Brasil também recuou nesse período – de US$ 604 milhões em 2023 para US$ 192 milhões em 2024.

 Dezembro e janeiro foram atípicos para o comércio bilateral, com superávit comercial para a Argentina por dois meses consecutivos. Mas o saldo positivo não é boa notícia para a Argentina, que tem comprado menos do exterior, e muito menos para o Brasil.

A balança de dezembro mostra que a economia argentina já vinha fraca antes de Milei assumir o governo. Em novembro de 2023, a atividade econômica medida pelo Emae, indicador do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina (Indec), caiu 1,4% ante outubro, com ajuste sazonal.

Em fevereiro o saldo da balança bilateral voltou a ser superavitário para o Brasil e compensou o déficit de janeiro, com saldo positivo no acumulado do primeiro bimestre. Alguns dados mostram, porém, deterioração na relação comercial.

Segundo o Icomex, a queda do valor exportado aos argentinos nos dois primeiros meses do ano foi comandada por redução de quantidade. A queda foi puxada por bens intermediários (insumos e matérias-primas), que recuaram 34,2% contra iguais meses de 2023. Bens de consumo duráveis, categoria na qual entram veículos, encolheram 20,8%. Já os preços médios do total exportado subiu 2,2%. Nas importações brasileiras de produtos argentinos, houve redução média de preços de 5,1%, mas as quantidades caíram mais, em 9,7%.

“A Argentina passa por reacomodação de sua macroeconomia. Começamos um processo de mudança em que há queda de demanda, processo inflacionário persistente, mas que decresce, e queda do consumo, o que se traduz em menos importações”, afirma Fernando Furci, gerente geral da Câmara de Importadores da República Argentina (Cira). “Esse é um processo que vai durar de seis meses a um ano e terá reflexos em todos os tipos de importação que a Argentina faz.”

A Cira prevê que as importações feitas pela Argentina passem de US$ 81,5 bilhões em 2022 para US$ 73,7 bilhões em 2023 e US$ 66,8 bilhões neste ano. O governo argentino eliminou neste ano restrições administrativas às importações, incluindo cotas e proibições parciais, mas manteve alguns impostos específicos a compras e vendas da Argentina para o exterior, mostra relatório recente da Cira.

O documento afirma que, enquanto as exportações argentinas tendem a crescer rapidamente neste ano com a recuperação da safra de soja, as importações terão recuperação gradual, após mudança, em dezembro, do sistema de licenças prévias para importação, além da regularização da taxa de câmbio. “O comércio iniciou um caminho de desregulação e facilitação que permite às empresas terem maior previsibilidade e serem mais eficiente em custos. Mas é um processo longo de simplificação dos trâmites e eliminação das normas não escritas”, diz. Furci frisa a importância de se importar a custos razoáveis, uma vez que 80% do que a Argentina compra de outros países vai para indústria e produção, e não para o consumidor final.

Dados do Indec da Argentina mostram que produção industrial vem caindo, em meio à contração da demanda. Em janeiro, o índice de produção industrial manufatureiro (IPI) caiu 12,4%, ante janeiro de 2023. Destacam-se a queda de 33,5% em máquinas e equipamentos e de 12,4% em veículos automotores, carrocerias e autopeças. A redução de produção foi generalizada em janeiro, atingindo 14 das 16 atividades industriais acompanhadas pelo Indec.

O cenário de encolhimento da economia argentina atual está levando bancos a rebaixar projeções para demanda doméstica da Argentina, observa Bráulio Borges, pesquisador do FGV Ibre e consultor da LCA. O comportamento da demanda doméstica, mais que o do PIB como um todo, reflete o quanto se espera que os argentinos irão consumir e investir dentro do país e o quanto importarão em bens brasileiros, diz Borges.

Argentina passa por reacomodação de sua macroeconomia”

— Fernando Furci

Os dados dos componentes do PIB da Argentina em 2023 ainda não foram divulgados, mas a consultoria FocusEconomics estima que o consumo privado tenha crescido 0,9% no ano passado e recue 4,8% neste ano. O investimento, medido pela formação bruta de capital fixo (FBCF), pode ter encolhido 1,2% no ano passado, e cair mais 5,7% em 2024.

“Existe uma situação cronicamente ruim há cerca de 20 anos na Argentina, mas os dados de consenso e os indicadores conjunturais que começamos a ver mostram uma piora muito grande nas leituras mensais. Isso é relevante no que diz respeito ao impacto sobre a nossa economia”, diz Borges.

A Pesquisa de Expectativas de Mercado do Banco Central da Argentina (REM, na sigla em espanhol), equivalente ao boletim Focus do BC brasileiro, projeta queda de 1,4% do PIB para 2023 e contração de 3,5% neste ano.

Os dados foram divulgados em março e dizem respeito a medianas de projeções de mercado feitas em fevereiro, que vêm caindo.

As importações, por exemplo, devem diminuir para US$ 66,8 bilhões neste ano, US$ 90 milhões a menos do que na consulta do mês anterior.

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que sua estimativa preliminar é de queda neste ano de 35% nas exportações brasileiras para a Argentina, o que reduziria o embarque em 2024 para US$ 11 bilhões.

Também é projetada queda de 13% nas importações, para US$ 10,5 bilhões. O superávit brasileiro nas relações bilaterais, de US$ 4,7 bilhões no ano passado, deve cair para US$ 500 milhões neste ano.

A estimativa de queda nos embarques deste ano é explicada em boa parte pela base de comparação de 2023, quando o Brasil vendeu soja à Argentina, por causa da quebra de safra no país vizinho. Segundo a Secex, a soja foi o produto brasileiro mais embarcado à Argentina em 2023, alcançando US$ 2 bilhões, pouco acima dos US$ 1,93 bilhão em partes e acessórios de veículos. Os automóveis ficaram em US$ 1,4 bilhão. Sem a soja, as vendas do Brasil aos argentinos em 2023 somaram US$ 14,68 bilhões, 3,2% a menos que em 2022. Os dados do primeiro bimestres já mostram parte do efeito soja. Os embarques do grão ao país vizinho caíram de US$ 124,6 milhões no primeiro bimestre de 2023 para US$ 4,23 milhões em iguais meses deste ano.

A exportação de soja e energia elétrica fez o Brasil voltar a ser o primeiro fornecedor externo da Argentina em 2023, posição que havia perdido em 2021 para a China, segundo dados do Indec. Neste ano, porém, diz Castro, não haverá frustração na safra de grãos argentina e a demanda do país vizinho por bens manufaturados brasileiros deve cair.

“As importações estão caindo e cairão porque as políticas econômicas do governo Milei têm levado à retração da atividade”, afirma Natacha Izquierdo, economista da consultoria Abeceb, em Buenos Aires. Para ela, os dados do primeiro bimestre marcam tendência de menos importações nos próximos meses. Com menos importações, a Argentina deve ter superávit comercial ou, ao menos, um déficit bem menor do que o habitual.

Em meio à contração da demanda doméstica, a Abeceb prevê consumo das famílias 30% menor neste ano na Argentina, embalado por queda real (descontada a inflação) entre 6% e 8% do salário. “Com isso, teremos queda do PIB de 4,7% neste ano. A desaceleração só não será maior graças ao setor agropecuário e à agroindústria. Sem isso, teríamos contração de 7% da economia argentina neste ano.” Izquierdo espera que, depois de um primeiro semestre caindo, a atividade comece a se recuperar na segunda metade do ano, especialmente no último trimestre. Para 2025, ela projeta alta do PIB entre 5% e 5,5%, em parte pelo efeito rebote em relação a 2024.

“O ajuste de preços relativos na Argentina tem levado a forte desaceleração da demanda, e o país está empobrecendo. Os intercâmbios comerciais, então, vão diminuir”, diz Livio Ribeiro, economista da BRCG e pesquisador do FGV Ibre, ao estimar queda das importações diante da fraca demanda, e certa blindagem das exportações argentinas. Para Ribeiro, com o ajuste em curso, a economia argentina encolhe e o país adquire o tamanho que, de fato, vinha tendo. “Agora é o momento em que o barco bateu no iceberg. Na verdade, o iceberg já estava dentro do barco, mas ninguém havia se dado conta”, diz. “O que sairá disso é uma economia mais fraca, depois de choque de curto prazo brutal. É uma terapia de choque, que está esturricando o paciente. É difícil entender se essa é a estratégia mais adequada e se no fim das contas o paciente estará vivo ou não.”

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