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sexta-feira 15 de março de 2024 às 16:09h

Estudo analisa hesitação vacinal infantil e Covid-19 pelo olhar dos profissionais de saúde

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A hesitação vacinal infantil em sua relação com a pandemia de Covid-19 é tema de artigo produzido por pesquisadores do Núcleo Interdisciplinar sobre Emergências em Saúde Pública (Niesp) – um dos dez projetos integrados do Centro de Estudos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) –, publicado na edição de março dos Cadernos de Saúde Pública . O artigo apresenta os resultados de uma pesquisa qualitativa de percepção realizada com profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), levando considerando “a descoordenação entre os entes federativos durante a pandemia, a desinformação e as ações do Governo Federal, que descredibilizaram os imunizantes infantis”, conforme escrevem.

Foram ouvidos 86 trabalhadores da APS, de quatro municípios, Rio de Janeiro (RJ), Rondonópolis (MT), Feira de Santana (BA) e São Paulo (SP), e do Distrito Federal. O cenário político e social, as opiniões divergentes sobre a importância da vacinação infantil e a grande circulação de informações falsas foram associados à palavra medo nas respostas dos participantes, apontam os autores, para quem esse foi um dos aspectos em destaque.

“Os resultados que mais chamaram a atenção foram os relatos de medo da população em relação ao imunizante, apesar de o Brasil ter uma das maiores taxas de mortalidade por Covid do mundo”, observa, em entrevista ao blog do CEE, a pesquisadora Ester Paiva Souto, à frente do grupo de pesquisa, que assina o artigo ao lado de Michelle Vieira Fernandez, Celita Almeida Rosário, Priscila Cardia Petra e Gustavo Correa Matta. “Isso nos fez pensar sobre os afetos movidos na campanha de vacinação. O medo, em geral, veio associado à desinformação sobre possíveis efeitos adversos da vacina, ou inexistentes, ou raros”, analisa.

As respostas dos profissionais da APS foram organizadas em três categorias: medo, desinformação em vacina e papel dos profissionais de saúde. O medo, explica o artigo, relacionou-se ao fato de a vacina ainda ser percebida como experimental, à ausência de estudos de longo prazo, à falsa percepção de risco reduzido da Covid-19 em crianças e às condutas do Governo Federal “geradoras de insegurança nos efeitos da vacina”.

No que diz respeito à desinformação sobre a vacina e suas reações, foram destacadas as fake news , o fenômeno da infodemia e a ausência de orientação e conhecimento sobre os imunizantes. Os autores abordam a infodemia como um fenômeno catalisado na pandemia “pelo processo de politização do tema, resultando no exagero ou na subestimação da doença” e interferindo na confiança e na aceitação à vacina contra a Covid-19.

O estudo constatou também a “percepção de discursos divergentes entre os entes federativos”, União, estados e municípios, quanto à gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), o que “culminou em maior incerteza entre os pais e responsáveis, observada pela baixa adesão à vacina nos municípios”. Diante dessa desarticulação, aponta ainda o artigo, as secretarias municipais foram elencadas pelos profissionais como referências e fontes seguras.

Quanto aos profissionais de saúde da APS, seu papel foi considerado “central” no aumento da cobertura vacinal, devido à confiabilidade perante a população e à proximidade com os territórios, “fatores que possibilitam reverter o medo e a desinformação diante das vacinas”. De acordo com os autores, “conhecer as experiências e entender a percepção dos profissionais de saúde é de grande utilidade para compreender a hesitação vacinal infantil, principalmente no determinante da confiança”.

Conforme assinala Ester, o estudo evidenciou a importância dos profissionais da saúde como referências para a população. “A relação de proximidade desses profissionais com a população foi determinante para a vacinação e por isso devem ser valorizados”, aponta a pesquisadora. “Os profissionais consideraram que fornecer informações sobre a eficácia e a segurança da vacina contra a Covid-19 aos pais/responsáveis influenciou positivamente na aceitação da vacinação infantil”, sobretudo, “quando se dispõem a sanar dúvidas sobre as possíveis reações adversas das vacinas, motivo recorrente de insegurança segundo os entrevistados”, diz o texto. Os autores acrescentam, no entanto, que, assim como os profissionais, sobretudo os médicos, são sujeitos capazes de influenciar e gerar confiança, também podem causar incerteza quando adotam posturas contrárias às vacinas, tendo em vista a posição de poder que ocupam.

Sobre a hesitação vacinal

O termo hesitação vacinal foi proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), referindo-se ao atraso na aceitação ou recusa da vacinação, apesar da disponibilidade dos imunizantes nos serviços de saúde. De acordo com Ester Paiva Souto, alguns aspectos da hesitação vacinal já vêm sendo estudados há muitos anos no Brasil, mas a queda da cobertura vacinal desde 2016, as políticas de austeridade fiscal e o cenário político da pandemia deram a esse um campo de estudo maior relevância. “Dessa forma, situamos nossa pesquisa nesse cenário de novos desafios para políticas de vacinação, uma vez que percebemos que estratégias campanhistas tradicionais, que foram bem-sucedidas na década de 90 e anos 2000, não são mais tão eficientes”.

Para medir a hesitação, explica o artigo, são observadas nuances definidas pelo Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização (Sage, na sigla em inglês – Strategic Advisory Group of Experts on Immunization ) da OMS, tendo-se em um dos extremos aqueles que aceitam todas as vacinas sem dúvidas, e, em outro, os que as recusam de forma inquestionável.

A pesquisa cita estudos realizados no país com aplicação dessa escala, um deles, de 2021, demonstrando que 11,9% dos pais apresentaram hesitação vacinal no Brasil. “O medo da reação adversa aparece como principal causa da insegurança nesse grupo, mesmo entre aqueles que se declararam a favor das vacinas tradicionalmente aplicadas”. Outra pesquisa, realizada em 23 países, com mil participantes em cada, demonstrou que a hesitação vacinal infantil aumentou 56,3% no Brasil, em 2021.

Pela primeira vez na história do Programa Nacional de Imunizações (PNI), sublinham os pesquisadores, órgãos públicos de comunicação foram responsáveis pela disseminação de desinformação e desincentivo a uma vacina. “As disputas discursivas construídas em torno da Covid-19 e as falas que minimizaram a enfermidade, caracterizando-a como uma gripezinha ou como doença preocupante apenas para os grupos de risco, ajudaram a menosprezar a importância da imunidade coletiva pela vacina”, analisam, destacando a necessidade de instituições científicas e formuladores de políticas públicas “retomarem a pauta da vacinação no intuito de ser objetiva na comunicação em saúde, e não meramente responsiva à desinformação”.

Ester ressalta que, apesar de o estudo ter sido realizado durante a pandemia de Covid-19, as descobertas permanecem relevantes e atuais. “Observamos uma grande hesitação em relação à vacina da dengue em crianças, mesmo diante da epidemia. A hesitação vacinal no país deve ser tratada de uma forma mais ampla, não apenas como política restrita à pasta da Saúde”, defende. “É necessário considerar o papel das tecnologias de informação na disseminação de desinformação em saúde, bem como democratizar o acesso a informações confiáveis e fortalecer a atenção básica e os agentes comunitários de saúde, proporcionando melhores condições de salário e trabalho. Essas são algumas das necessárias medidas para a diminuição da hesitação, que caso não sejam seriamente trabalhadas, não nos mostram um cenário de reversão”, alerta.

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