O governo já diagnosticou o movimento. Por isso, a tendência é que as decisões mais complexas sobre a validade de provas sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal (STF), afirmam negociadores.
O movimento de trazer as empreiteiras à mesa de negociação ocorre após decisão do ministro André Mendonça, do STF, que suspendeu por 60 dias o pagamento das multas para que elas tentem chegar a um novo acordo com governo e Ministério Público. Das nove empresas da Lava- Jato que fecharam leniência com a CGU entre 2017 e 2019, somente duas já pagaram tudo que deviam (a Samsung Heavy Industries e a empreiteira Coesa, desdobramento da ex-OAS).
As sete restantes se comprometeram a pagar R$ 11,5 bilhões, mas liquidaram menos de um terço do combinado, segundo levantamento feito pelo GLOBO. O governo, portanto, ainda teria a receber R$ 8,2 bilhões. É este estoque que agora está sob debate. As empreiteiras argumentam que não conseguiram se reerguer e não têm como pagar o prometido.
Crítico da Lava-Jato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a afirmar em março do ano passado que se as empresas “fizeram bobagem, elas têm que pagar o preço”, mas que “não pode quebrar empresa como quebrou”.
Neste primeiro encontro, o governo vai explicar como as conversas vão transcorrer. O ministro Vinicius Carvalho, da CGU, deve abrir a reunião. A ideia é que, nas próximas semanas, sejam conduzidas conversas individuais, nas quais cada empresa tratará de seu caso em profundidade.
O acordo de leniência é uma espécie de delação premiada das pessoas jurídicas. Por meio dele, empreiteiras como Odebrecht (atual Novonor) e Camargo Corrêa (hoje CCCC) reconheceram que pagaram propina a políticos e fraudaram licitações e, em troca, receberam benefícios como descontos na multa devida e facilidades para voltarem a contratar com o poder público.
Procuradas, Novonor, CCCC, Andrade Gutierrez e Braskem não quiseram comentar. UTC, Methae Nova Participações não retornaram.
Além da renegociação, Mendonça também determinou que, durante este prazo de 60 dias, MP, CGU e AGU debatam os termos de um novo protocolo para acordos de leniência. Há o desejo de que se construa um “balcão único” de negociação, com regras comuns para atuação de todos esses órgãos.
Governo e MP divergem
As empreiteiras atingidas pela Lava-Jato firmaram inicialmente acertos com o Ministério Público, que tocava as investigações. Havia interesse por parte delas de livrar da cadeia os executivos, que se tornaram delatores. Mas o acerto com o MP não protegia as companhias de questionamentos de outros órgãos, como CGU e Tribunal de Contas da União (TCU), e de ações oferecidas pela AGU. Por isso, novos acordos — com valores ainda maiores — tiveram de ser assinados para cobrir todos os prejuízos causados ao poder público. Boa parte do valor acertado nesses acordos ainda não foi quitado, e há parcelas em atraso.
As conversas com as empreiteiras começam formalmente agora, mas o debate entre governo e Ministério Público em busca de um protocolo para os acordos já está em andamento. Uma primeira reunião ocorreu na semana passada e há previsão de nova rodada de conversas nos próximos dias.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) sugeriu que, no “balcão único” a ser criado, os casos comecem pela avaliação do Ministério Público, por ser o único capaz de abrir mão dos processos criminais num acordo. A CGU faria sua análise após o aval dos procuradores e calcularia então o valor da multa a ser pago pela empresa. A partir disso, a AGU entraria para firmar os acordos e acompanhar a execução, juntamente com o Tribunal de Contas da União.
A proposta do MP encontrou resistências no governo. O diagnóstico é que isso poderia abalar a capacidade dos órgãos de conduzir suas próprias investigações, já que eles teriam de aguardar as bênçãos do MP para prosseguir.
As primeiras interações indicam caminho difícil até um acordo. Há clima de colaboração quando todos sentam à mesa, mas de grande desconfiança nos bastidores. Integrantes do governo não poupam o MP de críticas ao apontar os muitos problemas nos processos da Lava-Jato. Na PGR, há desconforto com o movimento de renegociação dos acordos já firmados e defesa da necessidade de os procuradores terem palavra decisiva no andamento da negociação com empresas, o que é rechaçado por CGU e AGU.