A deputada federal Rosângela Moro (União Brasil-PR), eleita por São Paulo com mais de 217 mil votos, transferiu o seu titulo de eleitor para o Paraná, mesmo domicílio eleitoral do marido, o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR). Em menos de um mês, o parlamentar será julgado pelo Tribunal Regional Eleitoral daquele Estado (TRE-PR) por abuso de poder econômico e caixa dois. O desfecho da votação pode cassar o mandato do parlamentar.
Em reação ao movimento de Rosângela, os diretórios do Partido dos Trabalhadores (PT) no Paraná e em São Paulo apresentaram uma ação judicial para barrar a troca de domicílio eleitoral. Os petistas argumentam que a deputada está vinculada ao Estado pelo qual foi eleita e que, portanto, não poderia alterá-lo durante o exercício do mandato.
Tanto a mudança de Rosângela quanto a ação do PT ocorrem diante de uma disputa pela eventual vaga do ex-juiz Sérgio Moro, alvo de um julgamento que pode cassar seu mandato e abrir o caminho para uma eleição suplementar ao cargo.
O Estadão ouviu especialistas sobre a mudança de domicílio eleitoral de Rosângela e os argumentos apresentados pelo PT para pedir a sua invalidação. É consenso entre advogados eleitoralistas que a legislação temática não apresenta vedações, tampouco punições, para a troca do local do título eleitoral durante o exercício de mandato. Mas alguns deles ponderam que o fato de a lei ser vaga sobre essa questão abre espaço para que os advogados petistas tentem emplacar a sua versão no tribunal.
A advogada e cientista política Carol Clève, presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, explica que as leis eleitorais sobre o assunto se restringem ao período de campanha. Portanto, é preciso ter domicílio eleitoral no Estado ou no município em que se pretende concorrer ao cargo público. Passada a eleição, cai essa obrigação. Ela avalia, contudo, que o caso específico da deputada Rosângela Moro abre espaço para discussões no meio eleitoral que podem ser exploradas pelo PT.
“Embora seja uma condição de elegibilidade, não é exatamente uma condição para o exercício do mandato. Não há nada que proíba, nenhuma regra que diga que isso não é possível de fazer. Mas causa estranheza porque, ao assim admitir, acaba tendo uma quebra do pacto federativo porque, afinal de contas, você continua num mandato por determinada circunscrição só que o seu vínculo é com outra”, afirmou Clève.
“Parece que eles (Moro e Rosângela) pensaram nessa saída porque há uma lacuna legal. Para dizer que isso (troca de domicílio) não é possível, é preciso fazer toda uma construção falando sobre o arranjo constitucional para dizer que isso não é possível. Agora, a lei eleitoral exatamente não proíbe”, completou o argumento.
O advogado e professor de Direito Eleitoral da Escola Paulista de Direito Alberto Rollo enfatiza que não há obrigação de que o indivíduo mantenha o domicílio eleitoral no mesmo Estado em que foi eleito. Essa exigência existe apenas para vereadores, afirmou o professor.
“Apesar de demonstrar falta de compromisso com o eleitor de São Paulo, não há fundamento jurídico para uma consequência como a cassação do mandato, por exemplo”, disse Rollo. Segundo ele, caberá ao juiz designado para o caso definir se vai acolher a representação e, então, abrir um precedente jurídico.
A Justiça Eleitoral examina as condições de elegibilidade, como o domicílio eleitoral, no momento do registro de candidatura. O professor de direito eleitoral Eduardo Damian, da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, avalia que, por este motivo, não deve haver nenhuma consequência imediata para Rosângela por ter feito a mudança.
“Domicílio eleitoral pode ser onde você mora, onde trabalha, lugar onde você tenha algum vínculo social, patrimonial. Apesar de parecer estranho, uma deputada eleita em São Paulo pode mudar o título de eleitor para outro Estado”, disse.
A advogada eleitoral Ezikelly Barros diverge dos demais especialistas e avalia que a mudança do domicílio eleitoral de Rosângela fere princípios eleitorais.
“A transferência de domicílio no curso do mandato eletivo deve ser restrita à circunscrição eleitoral ao qual foi eleito, ou seja, ao espaço territorial no qual foi realizada a eleição do mandatário. No caso da deputada federal Rosângela Moro, por exemplo, essa mudança está restrita a qualquer município dentro do Estado de São Paulo. A transferência do seu domicílio para o Paraná viola a soberania popular e a fidedignidade da representação do eleitorado de São Paulo na Câmara Federal”, afirmou.
Mudança de domicílio permite a Rosângela disputar a possível vaga deixada pelo marido
Com a mudança de seu domicílio eleitoral de São Paulo para o Paraná, Rosângela fica habilitada a concorrer à vaga do marido numa eventual cassação. A deputada teria a possibilidade de recorrer ao capital político de Moro no Estado, onde foi eleito com 1,9 milhão de votos.
Em nota enviada ao Estadão, Rosângela diz que “transferência do domicílio eleitoral é um direito de todo cidadão brasileiro” e afirma que “continuará a representar o Estado de São Paulo e sua população, mantendo, inclusive, seu escritório de representação aberto na capital paulista e a agenda nas demais cidades do Estado”.