domingo 24 de novembro de 2024
Getúlio Vargas foi o único presidente que resistiu a um processo de impeachment no Congresso - Foto: Acervo Estadão
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domingo 10 de março de 2024 às 11:35h

Congresso Nacional já votou o afastamento de cinco presidentes, mas apenas um manteve o cargo

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Na história da política brasileira, o Congresso Nacional já votou o afastamento de cinco presidentes da República, mas conforme reportagem de Gabriel de Sousa, do jornal O Estado de S. Paulo, relembrou que apenas um conseguiu manter o cargo. Os outros quatro perderam o cargo, sendo que dois deles por conta de ação militar no caso que ficou conhecido como o “contra golpe” de Lott. É uma referência ao ex-ministro da Guerra, Henrique Lott, que obteve apoio do Legislativo para tirar do poder dois presidentes que queriam impedir a posse de Juscelino Kubitschek. Isso foi na década de 1950, mas os casos mais notórios são dos processos de impeachment de Dilma Rousseff (PT) e Fernando Collor (PRD).

Instrumento usado com frequência por adversários políticos, o pedido de impeachment foi acionado novamente no último dia 22, quando 139 deputados de oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinaram um requerimento, encabeçado pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), pedindo a cassação do mandato do petista. Lula é acusado pelos parlamentares de ter “comprometido a neutralidade do País” por comparar a incursão de Israel na Faixa de Gaza com o Holocausto.

Em 1954, Getúlio Vargas se tornou o primeiro presidente a se tornar alvo de um processo de cassação. Ele foi acusado de beneficiar o jornal Última Hora, que o apoiava, e de tentar implantar uma “república sindicalista”. O processo foi reprovado ainda na Câmara dos Deputados em junho daquele ano. Dois meses depois, Getúlio se suicidou.

No mês de novembro de 1955, o Brasil vivia sobre uma crise política que quase deflagrou uma guerra civil. Com a morte de Getúlio, seu vice, Café Filho, assumiu o poder. Com a vitória eleitoral do presidente Juscelino Kubitschek, tanto Café Filho quanto o seu sucessor, Carlos Luz, foram removidos a partir dos movimentos do marechal Lott. Na época, os dois presidentes foram acusados de conspirar contra a posse de JK. As duas cassações ocorreram em um prazo de 11 dias e não seguiram a lei brasileira que rege o processo de impeachment, mas foram chanceladas pelo Legislativo.

O próximo processo de cassação de um presidente ocorreria ainda de acordo com a reportagem, 37 anos depois, quando Fernando Collor foi removido da Presidência por conta de um escândalo de corrupção protagonizado pelo seu tesoureiro, Paulo César “PC” Farias. O então presidente foi acusado de receber recursos de correntistas fantasmas. Até mesmo os jardins de sua residência eram bancados pelo chamado Esquema PC.

Em 2016, foi a vez de Dilma ser cassada por conta das pedaladas fiscais que foram reveladas pelo Estadão e a edição de decretos de abertura de crédito sem a autorização do Congresso. O requerimento que possibilitou a cassação da petista foi escrita pelos juristas Janaina Paschoal, Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior. Reale Júnior afirmou a Gabriel de Sousa, do Estadão, que os 139 deputados que assinam o pedido contra Lula não devem poder votar o pedido. Os parlamentares signatários são considerados partes interessadas do processo e, dessa forma, ficam juridicamente impedidos de julgar o presidente da República.

De acordo com o professor de História da Universidade de Brasília (UnB) Mateus Gamba Torres, os cinco casos se diferenciam pelos seus contextos. Por outro lado, uma semelhança é que todos ocorreram diante de crises políticas.

“A questão de 55 foi muito pontual e muito específica, e buscava garantir a posse de Juscelino Kubitschek. Já esses dois impeachments mais atuais (o de Collor e o de Dilma) aconteceram, principalmente, pela falta de apoio desses presidentes em relação ao Congresso. No caso do Vargas, ele tinha apoio do Congresso e a oposição passou longe de conseguir tirar ele”, afirmou o especialista.

Getúlio Vargas foi o primeiro a ter o mandato em risco

No Brasil, o processo de impeachment é regido por uma lei de 1950 que dispõe sobre o processo de cassação do presidente. O pedido começa na Câmara, que vota pela admissibilidade da denúncia e termina no Senado, onde a perda do mandato do chefe do Executivo é julgada.

Quatro anos após a lei entrar em vigor, Getúlio Vargas foi o primeiro a ser alvo de um processo de impedimento. O ex-presidente, que governou ditatorialmente o Brasil entre 1930 e 1945, havia voltado ao poder em 1951 e enfrentava uma sólida oposição representada pelo partido de direita União Democrática Nacional (UDN).

O pedido de impeachment, apoiado pela UDN, acusava Getúlio de tentar implantar uma “república sindicalista” e de conceder apoio financeiro do Banco do Brasil ao jornal Última Hora, que pertencia ao jornalista e aliado Samuel Weiner.

Além disso, o documento criticava Getúlio por ter aumentado em 100% o salário mínimo naquele ano, o que fez o valor do piso salarial se tornar maior do que o soldo pago aos soldados do Exército Brasileiro. A nomeação de João Goulart para o Ministério do Trabalho também foi um dos argumentos utilizados pela oposição. Acusado de ser comunista, Goulart foi o presidente deposto no Golpe de 1964.

O processo contra Getúlio foi barrado pela Câmara em junho de 1954 e não conseguiu ir até o julgamento no Senado. Apenas 35 deputados apoiaram o impeachment, contra 136 que se posicionaram contrariamente ao impedimento. O placar também contou com 40 abstenções.

Apesar de ter resistido ao processo de impeachment, a votação fortaleceu a oposição ao governo e a crise política foi ainda mais agravada posteriormente. No dia 5 de agosto, o jornalista Carlos Lacerda, que era o principal opositor de Getúlio na imprensa, foi alvo de um atentado fracassado. Sem apoio e temendo um golpe militar, Getúlio se suicidou com um tiro no coração no dia 24.

Risco de ‘guerra civil’ levou Congresso a derrubar dois presidentes em 11 dias

Com a morte de Getúlio, quem assumiu o poder foi Café Filho, que teve a responsabilidade de garantir a posse do candidato vitorioso nas eleições de 1955. O vencedor daquele pleito foi o mineiro Juscelino Kubitschek.

Integrantes das Forças Armadas e da UDN eram contrários ao governo de Juscelino por considerar o ex-presidente um seguidor do getulismo e até mesmo uma “ameaça comunista”. Assim que JK foi eleito, esses grupos estudavam deflagrar um golpe de Estado antes da posse, que ocorreu em 31 de janeiro de 1956.

Café Filho se licenciou da Presidência em 8 de novembro de 1955, relatando problemas cardíacos, o que fez o presidente da Câmara na época, Carlos Luz, se tornar o chefe do Executivo. Luz era acusado de colaborar com os golpistas e, no dia 11, alas legalistas do Exército lideradas pelo marechal Henrique Teixeira Lott iniciaram um “contragolpe” para garantir a posse de Juscelino.

Com a pressão do Exército, a Câmara e o Senado votaram naquele mesmo dia a remoção de Luz. A edição do O Estado de S. Paulo do dia seguinte mostrou que o Congresso considerou as acusações contra o presidente “extremamente graves” por comprometerem um risco de guerra civil e, por isso, a lei de 1950 não foi seguida à risca. O presidente não teve direito de defesa e as votações do Senado e da Câmara foram em poucas horas.

De acordo com Mateus Gamba Torres, a campanha para derrubar Luz usou a justificativa do impeachment para endossar que a substituição do presidente seria feita por um dispositivo constitucional e não por um golpe de Estado. “O tribunal foi o tribunal que a Constituição exigia, mas não teve as formalidades legais por conta da situação fática de um contragolpe”, explicou.

Capa do O Estado de S. Paulo do dia 12 de novembro de 1955 anunciava a deposição de Carlos Luz por um "contragolpe" liderado pelo general Henrique Teixeira Lott
Capa do O Estado de S. Paulo do dia 12 de novembro de 1955 anunciava a deposição de Carlos Luz por um “contragolpe” liderado pelo general Henrique Teixeira Lott Foto: Reprodução/Acervo Estadão

Na Câmara, foram 185 votos favoráveis e 72 contrários à cassação. No Senado, o placar foi de 43 votos a favor e oito contra o impeachment. Consagrada a deposição, Carlos Luz entrou para a história do País como o presidente que ficou menos tempo no posto: apenas três dias.

No dia 21, Café Filho tentou reassumir o cargo, o que fez Lott exigir que o Congresso votasse o seu impeachment no dia seguinte. Café foi julgado pelas mesmas acusações impostas a Carlos Luz e também sem seguir a lei de 1950. A Câmara aprovou o processo por 208 votos a 109. No Senado, o placar foi de 35×16.

Após a deposição dos dois presidentes, o catarinense Nereu Ramos, que era o primeiro vice-presidente do Senado e o terceiro da linha sucessória antes do início da crise, se tornou o novo chefe do Executivo e governou o País até a posse de Juscelino.

Collor foi o primeiro a ser julgado, e condenado, depois da ditadura

Primeiro presidente eleito pelo voto popular após a ditadura militar (1964-1985), Fernando Collor foi deposto pelo Congresso Nacional em 1992, após ser acusado de participar de um esquema de corrupção que envolvia ele e PC Farias.

O requerimento que pediu o afastamento de Collor foi entregue no dia 1º de setembro daquele ano para a Câmara. O documento foi redigido por 18 juristas, sendo encabeçado por Barbosa Lima Sobrinho, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e Marcello Laveniére, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Dessa vez seguindo os dispositivos da lei de 1950, a Câmara aprovou a abertura do processo de impeachment por 441 votos a favor e 38 contra no dia 29 de setembro. Com aprovação pelos deputados, Collor foi afastado do cargo até que o Senado fizesse o julgamento. Exatos três meses depois da votação na Câmara, Collor renunciou ao cargo de presidente da República para tentar evitar a cassação e a perda dos direitos políticos no Senado. Mas por 76 votos a três, ele perdeu o mandato e foi declarado inelegível a cargos políticos por oito anos.

Capa do O Estado de S. Paulo do dia 30 de setembro de 1992 mostrou a aprovação do processo de impeachment contra Fernando Collor em 1992
Capa do O Estado de S. Paulo do dia 30 de setembro de 1992 mostrou a aprovação do processo de impeachment contra Fernando Collor em 1992 Foto: Reprodução/Acervo Estadão

Por conta das pedaladas fiscais, Dilma foi a última presidente a sofrer impeachment

A última vez que o Brasil teve um presidente cassado foi em 2016, quando Dilma Rousseff sofreu impeachment por conta das pedaladas fiscais e a edição de decretos de abertura de crédito sem a autorização do Congresso.

O pedido de impeachment foi enviado à Câmara no dia 15 de outubro de 2015, em meio a uma profunda crise política e econômica. Além dos três juristas, o pedido contou com outras 44 assinaturas, sendo uma das signatárias Carla Zambelli, que era líder do movimento NasRuas! e agora encabeça o requerimento que exige a deposição de Lula.

O pedido foi aceito pelo presidente da Câmara da época, Eduardo Cunha, então no MDB, no dia 2 de dezembro daquele ano. A Casa aprovou o impeachment de Dilma no dia 17 de abril de 2016, por 367 votos a 137. Quatro meses depois, o Senado cassou o mandato da petista por 61 votos a 20.

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