Apontado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como prioridade para este semestre, o projeto de sua autoria que regulamenta a inteligência artificial (IA) deve avançar em breve na Casa. O relator da matéria, Eduardo Gomes (PL-TO), promete entregar o parecer para votação em abril.
A partir daí, a avaliação de parlamentares é que os desafios do texto só estarão começando e a conclusão da análise no Congresso pode ficar para depois das eleições municipais.
A regulamentação foi defendida no início do ano não só por Pacheco, mas também pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, que cobrou o Congresso a agir alegando haver riscos às eleições.
Eduardo Gomes diz que não é possível improvisar diante de um tema que ainda é desconhecido por muitos. Para Gomes, caberá ao TSE e aos tribunais regionais fazerem a regulação do pleito de 2024 com base na legislação vigente sobre falsidade ideológica e ofensa à honra.
“Votar antes das eleições não faz sentido. Talvez faça sentido para resolver a briga da semana, mas não vai resolver a questão importante de uma lei segura. O que define o tempo é a segurança de fazer”, declarou durante um evento na última semana.
Ao Valor, Gomes ressaltou que outros países têm adotado cautela em relação ao tema para preservar a sua capacidade de inovação. “O texto passará por diversas mudanças. Temos que definir onde o Brasil estará, se como consumidor ou formulador das políticas de IA. É preciso rapidez, mas não de forma que deixemos a legislação sem eficiência. A intenção é que tudo esteja resolvido no segundo semestre, até a COP-29 [em novembro]”, avaliou.
O sentimento é compartilhado por outros parlamentares. O senador Nelsinho Trad (PSD-MS) diz que é preciso respeitar “o tempo do relator” em função da complexidade do tema. “O debate pode ser exercitado e caminhar em paralelo”, defendeu.
Há mais de 50 projetos para regulamentar a IA no Brasil. As iniciativas são recentes – as mais antigas datam de 2019.
Entre os principais pontos das propostas está a utilização da IA no período eleitoral. Com o avanço da tecnologia, hoje é possível produzir conteúdos audiovisuais falsos extremamente convincentes, a chamada “deep fake”.
Em um dos casos mais recentes, o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante) teve um áudio criado por inteligência artificial xingando professores atribuído a ele para prejudicá-lo. O caso é apurado pela Polícia Federal.
Líder da minoria na Câmara, a deputada Bia Kicis (DF) quer realizar audiências públicas sobre o assunto em paralelo às do Senado e estuda a possibilidade de criar uma frente parlamentar mista da inteligência artificial. O intuito é estar preparada quando a proposta da outra Casa chegar.
“Vai ser um tema que vai reger as próximas décadas. Não precisa falar só de fraude. A IA tem que ir muito além disso, na questão de educação, medicina, tem tanta coisa que vai ser impactada pela IA. Quero entrar nesse tema para nós [da oposição] não ficarmos alheios, porque senão seremos tratorados”, disse Kicis.
A parlamentar critica o fato de não haver regulação no Congresso, o que, na visão dela, dá margem para o TSE criar as regras.
A Câmara já aprovou um projeto, em 2021, para regulamentar o uso da IA. O texto, entretanto, está parado no Senado desde então. A proposta de Pacheco, atualmente vista como a que tem maior chance de avançar, foi formulada a partir de uma comissão de juristas em 2022 para consolidar as diversas iniciativas sobre esse tema no Congresso.
“Agora, temos que esperar o projeto ser aprovado [no Senado]. Não adianta fazer outro”, considerou Kicis.
Para a advogada Renata Schuch, especialista em direito regulatório, o uso indiscriminado de IA pode alterar o resultado das eleições. “É imperiosa a rápida regulamentação pelo Congresso. A redação trazida pelo PL já é capaz de regular e punir determinadas condutas que podem ser vistas como contrárias à lisura do processo eleitoral”, afirmou.
Gabriel Cosme de Azevedo, especialista em Direito digital, ressalta que, embora o projeto tenha vigência um ano após a publicação, seus efeitos “possuem margem para serem imediatos” em termos de conscientização e busca por futura conformidade por operadores de IA. “A lei alargaria a possibilidade de levantamento de casos e o aprimoramento de disposições envolvendo IAs no âmbito eleitoral.”
Ticiano Gadêlha, advogado especialista em Direito da Propriedade Intelectual, diz que, assim como em outros países, a IA pode ser utilizada pelo próprio TSE para garantir maior acessibilidade no processo eleitoral e até mesmo combater notícias falsas, com a identificação e bloqueio dessas informações. “É necessário garantir que a tecnologia seja utilizada de maneira justa e segura, respeitando os direitos e, claro, a privacidade dos eleitores.”
Para ele, “a tecnologia, via de regra, segue mais rapidamente do que o direito, o que significa que a regulamentação tem um grande risco de já nascer obsoleta”. “As versões que chamamos de inteligência são atualizadas em uma velocidade muito rápida, então devemos ter uma regulamentação não proibitiva e sim que puna eventuais excessos.”