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quarta-feira 31 de janeiro de 2024 às 12:24h

7 motivos que fizeram Brasil piorar em ranking de corrupção em 2023

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Transparência Internacional aponta ações tomadas durante o governo de Jair Bolsonaro e no primeiro ano de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva como causadoras da queda

O Brasil caiu dez posições e ficou em 104º lugar entre 180 países no Índice de Percepção da Corrupção de 2023, divulgado pela ONG Transparência Internacional na terça-feira (30).

O índice classifica as nações de acordo com uma pontuação que vai de 0, no pior cenário de corrupção, a 100, no melhor. Enquanto a média mundial ficou estagnada em 43 pontos pelo 12º ano consecutivo, a pontuação brasileira caiu de 38 para 36 pontos em 2023.

Essa é segundo Julia Braun, da BBC News, a pior queda do Brasil desde 2017, quando o país perdeu 17 posições no ranking em relação a 2016 (foi de 79º para 96º lugar).

Segundo a Transparência Internacional, o declínio está ligado à dedicação à neutralização do sistema de freios e contrapesos da democracia durante os anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ao mesmo tempo, a organização aponta a falta de compromisso da administração de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em reconstruir esse sistema e os mecanismos de controle da corrupção em seu primeiro ano de mandato.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, respondeu à divulgação do relatório afirmando que a ONG tem “longa trajetória de desinformação” contra o partido.

“Acusar de retrocesso a indicação dos ministros Cristiano Zanin e Flavio Dino ao STF, além da escolha de Paulo Gonet para a PGR, revela apenas a má vontade e a oposição política da ONG a @LulaOficial e ao PT. Queriam que Lula indicasse procurador-geral e ministros lavajatistas? Expliquem antes quem financia vocês, abram suas contas”, disse Gleisi no X (antigo Twitter).

A Controladoria-Geral da União (CGU) também reagiu ao relatório. Em nota oficial, o órgão afirmou que “reverteu quase duas centenas de sigilos abusivos e, mais importante, estabeleceu regras para prevenir novas violações da Lei de Acesso à Informação”.

“O governo Lula vem restabelecendo a estrutura dos conselhos de políticas públicas, espaços essenciais – como reconhece o relatório da TI – para a prevenção e o controle da corrupção. Há de ressaltar, no entanto, que estudos internacionais discutem as limitações metodológicas de índices baseados em percepção, por isso seus resultados devem ser vistos com cautela.”

“Diversos organismos internacionais – entre eles ONU, G20 e OCDE – têm discutido a elaboração de novas medidas sobre o tema. A corrupção é um fenômeno complexo e nenhum indicador consegue medir todos os seus aspectos”, acrescentou o texto.

A BBC News Brasil selecionou alguns dos pontos principais que levaram a Transparência Internacional a fazer tais críticas e que ajudam a explicar a queda do Brasil no ranking de 2023, segundo o próprio relatório da organização.

1. Ingerência e autonomia das instituições

Um dos pontos apontados pelo relatório da instituição como parte dos esforços do governo Bolsonaro para o “desmanche do pilar de controle jurídico” é a ingerência em organismos como a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Polícia Federal (PF), a Controladoria-Geral da União (CGU), o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a Advocacia-Geral da União (AGU), a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a Receita Federal, entre outros.

Segundo a Transparência Internacional, a “peça central” desse esforço foi a nomeação do agora procurador-geral da República, Augusto Aras, que “desarticulou o enfrentamento à macrocorrupção” e foi “responsável por uma retração histórica nas funções de controle constitucional dos atos do governo”.

“Se os ataques dos fanáticos golpistas destruíram fisicamente as sedes dos Três Poderes, a omissão da PGR contribuiu para sua destruição institucional”, diz o relatório sobre os ataques de 8 de janeiro de 2023 em Brasília – estes também apontados como pontos negativos do último ano pelo ranking de percepção da corrupção.

Aras foi substituído em dezembro por Paulo Gonet.

O estudo também indica um neglicenciamento do governo Lula em reerguer alguns dos pilares jurídicos ameaçados pelo seu antecessor, em especial no âmbito da autonomia do sistema de Justiça.

Entre as principais ações que justificam tal conclusão estão a nomeação de Cristiano Zanin, ex-advogado particular de Lula, e de Flávio Dino, seu ministro da Justiça e Segurança Pública e aliado, para o Supremo Tribunal Federal (STF).

A Transparência também aponta a nomeação do novo procurador-geral da República como “um forte indicativo de não haver compromisso real com a recuperação da independência deste órgão, cuja cooptação por Bolsonaro foi tão desastrosa para o país”.

Lula nomeou o ex-subprocurador Paulo Gonet para comandar a PGR, ignorando as escolhas apontadas pela lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e rompendo com uma tradição que ele mesmo havia inaugurado.

Bolsonaro também indicou Aras sem seguir a lista tríplice.

Segundo a Transparência Internacional, “nunca o Judiciário brasileiro esteve tão permeado, até suas mais altas esferas, por interesses e transações políticas e econômicas – ou pelo menos nunca tão explicitamente”.

O relatório diz que as relações impróprias entre Executivo e Judiciário poderiam ter sido mitigadas com duas tentativas regulatórias que fracassaram em 2023.

A primeira foi barrada pelo plenário do STF, que julgou inconstitucional uma reforma aprovada em 2014 no Congresso para proibir que juízes atuem em processos em que alguma das partes for cliente de escritório de advocacia de parente do(a) magistrado(a).

A segunda foi descartada no plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e previa dar mais transparência e controle à participação de juízes em eventos patrocinados ou organizados por pessoas jurídicas ou físicas que tenham alguma demanda judicial sob sua jurisdição.

2. ‘Orçamento secreto’ e mecanismos de barganha

A organização aponta um desmanche do pilar de controle político durante o governo Bolsonaro por meio do chamado ‘orçamento secreto’, apelido dado a uma modalidade de emendas ao Orçamento da União.

“Sob um verniz de legalidade e um teatro de institucionalidade, o ‘orçamento secreto’ representou o maior esquema de apropriação orçamentária para fins escusos de que se tem registro no país”, diz o relatório.

Entre os efeitos das novas regras aprovadas durante o governo Bolsonaro, a organização aponta a “perversão de parâmetros técnicos na formulação de políticas públicas e na alocação orçamentária” , “a pulverização da corrupção com municípios recebendo bilhões sem capacidade de gestão e controle” e a “manipulação eleitoral, favorecendo a reeleição e a ampliação do ‘Centrão'”.

As emendas de relator, que estavam por trás do “orçamento secreto”, foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, mas segundo a Transparência “governo e Congresso encontraram rapidamente um arranjo para preservar o mecanismo espúrio de barganha”.

“Durante a campanha, Lula criticou duramente o orçamento secreto e chegou a prometer substitui-lo por um mecanismo de orçamento participativo. Fez o oposto, criou o ‘orçamento secreto 2.0’.”

Segundo o relatório, o modelo adotado no governo Lula segue essencialmente o mesmo padrão da administração de Bolsonaro, com o Centrão fortalecido e ampliado no Congresso

“Tudo indica que as verbas disponíveis serão ainda maiores, com a reedição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um banquete para o ‘Centrão'”, nas eleições municipais de 2024, diz a organização.

O ranking ainda aponta a reintrodução, no atual governo, de outra grande moeda de troca no Congresso: o loteamento das estatais.

De acordo com o documento, a administração Lula pressiona pela fragilização da Lei das Estatais “e, portanto, da governança dessas empresas, com o objetivo de ampliar o loteamento político”.

“No front judicial já obteve uma grande vitória, com uma decisão liminar do então ministro Lewandowski (hoje indicado ministro da Justiça e Segurança Pública), que derrubou este ponto central da lei, de freio a nomeações políticas, com o argumento de que se tratava de prática discriminatória.”

3. Redução da transparência

Outra crítica feita pela Transparência Internacional tem relação com a redução da transparência e do acesso à informação pública durante o governo de Jair Bolsonaro.

Segundo a organização, houve um “apagão de dados governamentais, “emprego de sigilos abusivos e restrições de acesso e “extinção dos espaços institucionalizados de participação social”.

Por outro lado, o relatório aponta uma melhora nesse setor em 2023, com a identificação da volta da participação social à agenda do país, além da implementação de mais mecanismos de transparência.

“No entanto, a representatividade nos principais cargos do poder político ficou em segundo plano, apesar das cobranças da sociedade pela nomeação, por exemplo, de uma ministra mulher e, pela primeira vez na história do país, negra para o STF. O governo Lula ignorou estas demandas, usando uma das nomeações para indicar o advogado pessoal do presidente para o cargo.”

4. Fake news e discurso de ódio

Juntamente com a redução do acesso à informação pública, o ranking aponta a disseminação sistemática de fake news e discurso de ódio como fatores que desestabilizaram o controle social no governo Bolsonaro.

Segundo o relatório, essa disseminação aconteceu por meio de canais oficiais e de manifestações de autoridades públicas, da articulação e do financiamento oculto de milícias digitais e da alocação de verbas de publicidade oficial para veículos de desinformação e mídia oficialista.

A organização também lista os “ataques permanentes, inclusive violentos, a ativistas, acadêmicos, artistas e jornalistas” e “a estruturação de aparatos clandestinos de espionagem” como parte desse fenômeno.

5. Lobby advocatício

A Transparência Internacional também lista o poder alcançado pelo que chama de “lobby advocatício” como uma das razões para a queda do Brasil no ranking de 2023.

O relatório relaciona diretamente esse ponto com a perda de autonomia das instituições e as relações impróprias entre Executivo e Judiciário.

“Se no primeiro mandato de Lula, no início dos anos 2000, um grupo de jovens advogados constitucionalistas, especialistas em direito público e direitos humanos foi convocado a fazer parte do governo e esteve por trás de avanços significativos nas políticas de transparência e anticorrupção, hoje os advogados que compõem o entourage presidencial e ocupam cargos influentes são criminalistas de elite que ajudaram no desmonte desses marcos.”

Segundo a organização, esse lobby conquistou influência política e explorou “o rico negócio da revogação de prisões e anulações em massa das condenações criminais da Lava Jato”.

“Esgotado este mercado, agora exploram outro nicho, talvez ainda mais rentável: a anulação das multas dos acordos de leniência das empresas.”

Esse esforço, segundo a Transparência, levou a ações inéditas em 2023, tal como o ajuizamento de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF, para pedir a suspensão generalizada de todas as multas aplicadas às grandes empresas que confessaram corrupção em acordos de leniência assinados nos últimos anos no Brasil (não apenas na Lava Jato).

6. Exacerbação dos poderes do STF e TSE

Outro ponto apontado pelo relatório é “a exacerbação dos poderes do STF e do TSE e a resistência em retornarem a um estado de normalidade constitucional”.

Segundo o documento, diante de graves ameaças, de ataques efetivos aos tribunais e à democracia e do vácuo constitucional da PGR durante o governo de Jair Bolsonaro, os ministros exacerbaram seus papéis.

“Mas se a subversão do regime acusatório serviu como uma traqueostomia no resgate de um sistema sufocado, a violação continuada de garantias processuais e direitos individuais traz consequências nefastas para o estado de direito e minam, progressivamente, a reserva de autoridade da Justiça”, diz a ONG.

O ranking aponta como um dos mais graves exemplos dessa tendência algumas decisões feitas pelo ministro Dias Toffoli.

Segundo a instituição, nessas ações “o magistrado decidiu, monocraticamente e com fortes evidências de conflitos de interesses e outras heterodoxias processuais, sobre demandas que tiveram imenso impacto sobre a impunidade de casos de corrupção que figuram entre os maiores da história mundial”.

“No intervalo de pouco mais de dois meses, ele anulou todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht (rebatizada de “Novonor”) e suspendeu multa de mais de R$ 10 bilhões aplicada ao grupo J&F, proprietário da JBS.”

Ainda segundo a organização, “a busca obstinada do maior grupo empresarial brasileiro, a J&F, por reverter decisões judiciais e alcançar impunidade total pelos crimes que confessou, evidencia os problemas estruturais de conflitos de interesses no sistema de Justiça brasileiro.”

Para a Transparência, a anulação generalizada de condenações e sanções aplicadas a políticos e empresários levou a um agravamento da percepção de impunidade nos casos de grande corrupção.

Na decisão, Toffoli argumentou que as ações judiciais que culminaram com a prisão de Lula foram uma “armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado, por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações ilegais”.

7. Fundo Eleitoral e flexibilização de mecanismos de transparência

Outro caso específico apontado pela Transparência Internacional foi o aumento do Fundo Eleitoral para as eleições municipais de 2024.

O Fundão, como é conhecido popularmente, foi aprovado pelo Congresso em 2017, e para 2024 teve seu valor definido em R$ 4,96 bilhões. A quantia foi aprovada pelo Congresso em dezembro do ano passado.

A organização ressalta que esse total é mais que o dobro do disponibilizado para as eleições municipais de 2020 e que, juntamente com a redução de controles, pode ser prejudicial para o país e para os mecanismos de controle à corrupção.

Os valores destinados a cada partido não são divididos igualmente, mas calculados de forma proporcional à quantidade de cadeiras de determinado partido no Congresso.

Sobre isso, o relatório aconselha ao governo “aprimorar os mecanismos de transparência e prestação de contas dos partidos políticos considerando os riscos oriundos da ampliação do Fundo Eleitoral destinado às candidaturas municipais em 2024, especialmente de fraude às cotas para mulheres e pessoas negras”.

Como ponto negativo, a Transparência Internacional ainda aponta a aprovação às pressas, pela Câmara dos Deputados, de projeto de reforma eleitoral, que flexibilizaria, já para as eleições de 2024, mecanismos de transparência e democratização de acesso à política.

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