Em relação ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o relatório da organização defende que “o país vem falhando” na reconstrução dos mecanismos de controle jurídico e político, após desmontes no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ao mesmo tempo que “vem demonstrando avanços na recuperação do controle social da corrupção”.
Como pontos negativos, a Transparência Internacional lista a nomeação de Cristiano Zanin, advogado pessoal de Lula, para a primeira vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) e a opção do presidente por ignorar a lista tríplice da categoria na escolha de Paulo Gonet como novo procurador-geral da República. O movimento afirma que Lula “preferiu repetir o método de escolha política de Bolsonaro, cujos efeitos desastrosos ainda são sentidos no país”. Também critica a pressão do governo pelo afrouxamento da Lei das Estatais.
“Os efeitos já começaram a ser sentidos na principal empresa brasileira e foco de macro esquemas de corrupção, a Petrobras, com afrouxamento de regras de blindagem política no estatuto da companhia e nomeações de gestores atropelando vetos do departamento de compliance, inclusive indivíduos investigados por corrupção”, diz o documento.
Por outro lado, o relatório aponta que a Controladoria-Geral da União (CGU) reverteu “quase duas centenas de sigilos abusivos determinados pelo governo Bolsonaro” e estabeleceu regras para prevenir novas violações da Lei de Acesso à Informação. “O governo Lula vem reestabelecendo a estrutura dos conselhos de políticas públicas, cujos espaços de participação social cumprem papel relevante para o controle da corrupção em diferentes áreas”, observou.
Houve também, na visão do movimento, resgate da governança ambiental, com nomeações técnicas e de lideranças respeitadas internacionalmente. A medida, permitiu, afirma o relatório, reorientar o combate ao desmatamento.
Legislativo e Judiciário
O relacionamento do governo com o Congresso é outro ponto destacado. O movimento afirma que Lula herdou no Congresso um Centrão “ainda mais poderoso e condicionado à captura de recursos bilionários” do Orçamento público, por meio de emendas parlamentares. Guilherme France vê um cenário desafiador:
— A gente não viu o Congresso assumir o papel de liderança na reconstrução dos marcos de combate à corrupção, pelo contrário. Vimos ampliação do orçamento secreto, e avanços em diversas propostas legislativas com impactos negativos em termos de combate à lavagem de dinheiro e proteção e garantia de um sistema eleitoral transparente e íntegro. Mesmo a governança das estatais também foi alvo de projeto que fragilizaria esses mecanismos.
O projeto em questão está parado no Senado após ser aprovado na Câmara e busca flexibilizar travas na Lei das Estatais, criada para impedir interferências políticas nas empresas vinculadas ao governo federal. A Transparência Internacional também lembra o papel do Judiciário no tema, após a liminar do então ministro da Corte Ricardo Lewandowski, futuro ministro da Justiça, que suspendeu os efeitos da lei. Em outra frente, o ministro Dias Toffoli anulou em decisão monocrática todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht.
Lições não aprendidas
Na avaliação de France, problemas evidenciados pela Lava-Jato, que tem sofrido reveses e críticas por parcialidade, não foram endereçados de forma sistêmica e há reversão de reformas que haviam sido implementadas.
— A Lei das Estatais vem em resposta à Lava-Jato, colocando restrições à indicação de políticos para altos cargos. A gente viu no último ano uma decisão liminar monocrática que suspendeu a aplicação dessas restrições, reintroduzindo a estatais no jogo político de disputa por apoio político no Congresso. É como se a gente não tivesse aprendido as lições que os grandes casos de corrupção evidenciam. — afirma o gerente da Transparência Internacional Brasil, que acrescenta:
— Criou-se uma estigmatizarão da discussão sobre a luta contra a corrupção como se fosse algo pertencente a um determinado lado do espectro político, quando deveria ser uma missão e um propósito de todos os atores do espectro político e política de Estado.
No Judiciário, entre os gargalos levantados está ainda a ausência de medidas contra conflitos de interesse. A Transparência Internacional lembra que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) rejeitou uma resolução para regulamentar a participação de juízes em eventos privados, palestras e atividades acadêmicas. O STF também considerou inconstitucional regra que ampliava as restrições à atuação de juízes em processos de clientes de escritórios de advocacia onde seus familiares trabalham.
“Talvez nunca o Judiciário brasileiro esteve tão permeado, até suas mais altas esferas, por interesses e transações políticas e econômicas – pelo menos nunca tão explicitamente”, criticou o movimento de combate à corrupção.