A investigação da Polícia Federal que mira em uma suposta “organização criminosa” na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) aponta que o grupo monitorou uma série de autoridades ao longo da gestão de Alexandre Ramagem na chefia do órgão.
De acordo com a PF, o ex-diretor da Abin e atual deputado federal montou uma estrutura paralela para produzir informações sobre adversários políticos do governo Jair Bolsonaro e relatórios apócrifos para disseminação de narrativas falsas.
Entre os alvos estão dois ministros, um ex-presidente da Câmara, deputados federais e até mesmo a promotora que investigava o assassinato da ex-vereadora Marielle Franco e do seu motorista, Anderson Gomes. Em sua decisão, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes elencou todos os episódios de espionagem ilegal que a Abin teria praticado. Confira:
Alexandre de Moraes
O ministro do Supremo Tribunal Federal foi espionado em uma operação apelidada de Operação Portaria 157, inicialmente criada para apurar uma ONG supostamente ligada a uma facção criminosa. As investigações, entretanto, apontaram que a Abin utilizou a operação para espionar e buscar relações de Moraes com a organização criminosa e tentar associá-lo à facção.
De acordo com a Polícia Federal, a tentativa de desvirtuar o monitoramento para vincular a imagem do ministro Alexandre de Moraes pode ter sido realizado como uma reação à atuação como ministro do Supremo.
“A ação transparece, dessa forma, o desvio da finalidade das operações de inteligência do campo técnico para o campo político servindo para interesse não republicano, diverso da produção de inteligência de Estado”, afirma.
Gilmar Mendes
A exemplo de Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes também seria um dos alvos da Operação Portaria 157. Segundo a PF, agentes da Abin realizaram diligências até mesmo no Congresso Nacional para buscar formas de associar parlamentares e ministros do Supremo à uma organização criminosa.
O resultado da espionagem foi um documento contendo relatório apócrifo e que buscava, segundo a PF, relacionar a advogada Nicole Fabre, que atuava por ONG ligada a causas dos direitos humanos a uma facção criminosa com o objetivo de alimentar a difusão de fake news contra os magistrados.
Rodrigo Maia
Então presidente da Câmara, e contraponto ao governo Bolsonaro durante a primeira metade do mandato do ex-presidente, Rodrigo Maia também fora monitorado sob as ordens de Alexandre Ramagem, segundo aponta a PF.
A investigação da PF constatou que a Abin chegou a monitorar um jantar em que o então presidente da Câmara estava presente. Segundo a PF, um alvo foi monitorado “tão somente” por participar do encontro com Maia.
Joice Hasselmann
A então deputada Joice Hasselmann (ex-PSL), também foi alvo do monitoramento da Abin. A ex-parlamentar, eleita na esteira do bolsonarismo, passou a criticar medidas de Bolsonaro após ser retirada do cargo de líder do governo no Congresso, ainda em 2019. Ela, Rodrigo Maia e o advogado Antônio Rueda, então um dos principais nomes do PSL, foram monitorados em um jantar que, segundo Joice, ocorreu na Residência Oficial da Câmara.
Joice afirmou ao jornal O Globo, que já sabia que era alvo de monitoramento desde meados de 2019, quando ela tinha passado de apoiadora à opositora ao governo de Jair Bolsonaro.
—Para mim, surpresa zero. Eu sabia que estava sendo monitorada. Sabia que o esquema dentro do Palácio começou a circular a partir do meio do ano. A coisa era muito, muito cara de pau, não era só grampo telefônico, eu fui grampeada, meus assessores todos foram grampeados— afirmou a ex-deputada ao GLOBO.
Simone Sibilio do Nascimento
A promotora de Justiça do Rio de Janeiro Simone Sibilio do Nascimento também foi monitorada ilegalmente pela Abin. Ela esteve à frente das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco de 2018 a 2021.
De acordo com a PF, integrantes da agência produziram um resumo do currículo da promotora. Esse arquivo tinha a mesma estrutura de outros relatórios apócrifos da “Abin paralela”.
“Ficou patente a instrumentalização da Abin, para monitoramento da Promotora de Justiça do Rio de Janeiro e coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e o motorista que lhe acompanhava Anderson Gomes”, diz trecho da decisão de Moraes.
Segundo o inquérito da PF, o monitoramento sobre a promotora teria sido feito pela “estrutura paralela infiltrada na Abin” durante a gestão de Ramagem (PL-RJ). Homem de confiança de Bolsonaro e delegado da PF, Ramagem foi alvo de mandados de busca e apreensão nesta quinta-feira.
Camilo Santana
Então governador do Ceará e hoje ministro da Educação, Camilo Santana teve sua residência monitorada com um drone. Segundo a PF, Paulo Magno, que era o gestor do programa de monitoramento do programa FirstMile, foi flagrado pilotando o equipamento nas proximidades da residência do então governador do Ceará, “comprovando a total ilicitude das condutas”. Procurado, Magno não retornou aos contatos.
De acordo com a argumentação da PF encaminhada a Moraes não havia “artefatos motivadores”.
“A ação de monitorar o então Governador do Ceará CAMILO SANTANA com drones que, não seria uma operação de inteligência dada a ausência dos artefatos, mas uma ‘simples ação de inteligência de acompanhamento'”, diz trecho do relatório.
Jean Wyllys
Entre os números monitorados pelo sistema FirstMile, a Polícia Federal investiga ainda o monitoramento do ex-deputado federal Jean Wyllys. Ao analisar os acessos feitos pela Abin na ferramenta, foi identificado um contato relacionado ao ex-parlamentar. Em 2019, Wyllys optou por não assumir seu mandato como deputado federal e morar no exterior em razão de ameaças que sofria no Brasil. Wyllys fez oposição pública à família Bolsonaro.
Carlos Alberot Litti Dahmer
Também alvo do FirstMile, Carlos Alberto Litti Dahmer é um dos dirigentes da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL) e convocou protestos contra o governo de Jair Bolsonaro. Filiado ao PT, Dahmer se candidatou a vereador em Ijuí (RS) nas eleções de 2012, mas não foi eleito. Ao longo de 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, o caminhoneiro demonstrou irritação com a nova tabela do frete rodoviária e chegou a convocar a categoria para aderir a uma paralisação nacional para contestar o valor do diesel e do preço do gás de cozinha.
Hugo Loss
Servidor do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que encabeçou operações contra garimpeiros e madeireiros ilegais na Amazônia durante o governo de Jair Bolsonaro, Hugo Ferreira Netto Loss também teria sido monitorado pelo FirstMile. Então coordenador de Operações de Fiscalização do órgão ambiental, foi exonerado do cargo em abril de 2020.
Servidor de carreira do Ibama, Loss coordenou uma ação contra garimpos em terras indígenas sul do Pará. Durante as operações, fiscais do órgão ambiental destruíram maquinários utilizados pelos criminosos, incluindo a queima de equipamentos que não puderam ser retirados das áreas de reserva.