O Palácio do Planalto teme segundo a colunista Malu Gaspar, do O Globo, que o vazamento do acordo de colaboração premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos contra a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes, imploda a delação e dificulte a punição dos mandantes do crime, ocorrido em 2018.
Como a delação, costurada pela Polícia Federal com o acompanhamento da Procuradoria-Geral da República (PGR), ainda não foi homologada formalmente pelo ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ela não recebeu aval do Poder Judiciário, ou seja, não tem validade – é uma mera declaração sem força jurídica para levar à responsabilização dos culpados.
Em declaração à imprensa nesta terça-feira, o ministro da Justiça, Flávio Dino, admitiu que “só há delação quando há homologação”. O STJ só retoma suas atividades no próximo dia 1º e a presidente da Corte, Maria Thereza de Assis Moura, responsável pela análise de casos urgentes durante o recesso, sinalizou a interlocutores que caberá ao relator decidir pela validação.
Integrantes do governo Lula relataram reservadamente à equipe da coluna que foram informados de que familiares de Ronnie Lessa estariam pressionando o ex-policial militar a desistir das tratativas, por medo de represálias.
O ex-PM está preso atualmente na Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso. Lessa teve parecer contrário ao seu retorno ao Rio do Sistema Penitenciário Federal (SPF), vinculado ao Ministério da Justiça. No documento, a diretoria do órgão cita seu “altíssimo grau de periculosidade”, com “potencial de desestabilizar” o sistema prisional de seu estado de origem.
Como o prazo para que Lessa continue preso em uma penitenciária federal termina no dia 21 de março, o SPF se manifestou sobre a possibilidade de enviá-lo a uma prisão no Rio.
A filha de Lessa, Mohana Lessa, expôs publicamente o desconforto da família com a negociação da colaboração premiada – e frisou que “não poderá “mais ter qualquer tipo de relação com ele” se ele confirmar ter cometido o crime.
“O que posso falar em nome de toda família é que: se ele realmente cometeu esse crime, com toda dor no meu coração, nós não poderemos mais ter qualquer tipo de relação com ele. Essa atrocidade vai contra tudo o que somos e pensamos. E, se eu realmente perdi todo esse tempo tentando provar algo inexistente, não me restará escolha a não ser pedir que Deus o abençoe em sem caminho, que será longe do meu”, escreveu.
Conforme publicou O Globo, a Corte Especial do STJ realizou duas sessões secretas, no final do ano passado, para confirmar qual seria o foro das tratativas iniciais de acordo de delação premiada de Ronnie Lessa.
Raul Araújo decidiu que a proposta de delação deve ser remetida ao STJ e ficará sob a responsabilidade da PGR, por conta do foro privilegiado do conselheiro Domingos Brazão, do Tribunal de Contas do Rio (TCE-RJ), implicado na delação.
É uma posição alinhada à da PGR, que se manifestou no mesmo sentido e vem trabalhando em parceria com a PF para fechar o acordo de colaboração premiada de forma conjunta, diferentemente do que houve, por exemplo, no caso do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, quando os procuradores ficaram de fora da negociação, conduzida pelos policiais federais.
O MP do Rio recorreu contra a decisão de Raul Araújo, o que levou o processo para exame da Corte Especial do STJ, que reúne os 15 ministros com mais tempo de atuação no tribunal.
Um pedido de vista chegou a suspender a análise do caso – mas em 9 de dezembro, a Corte Especial decidiu, de forma unânime, acompanhar o entendimento de Araújo.
Procurada pela equipe da coluna, o advogado Bruno Castro, defensor de Ronnie Lessa, disse que se opõe à delação por uma “questão de ideologia jurídica”.
“Se ele realmente fez uma delação, eu saio automaticamente do caso. Eu não advogo para delator. Não importa se é o caso Marielle ou de quem rouba galinha”, declarou.
Em nota enviada à imprensa, a Polícia Federal afirmou que “as investigações seguem em sigilo, sem data prevista para seu encerramento” e frisou que a “divulgação e repercussão de informações que não condizem com a realidade comprometem o trabalho investigativo e expõem cidadãos”.