Um grupo de deputados, senadores e ministros do governo Lula teve um réveillon especial em uma ilha na Bahia, com uma programação de festas que durou cinco dias.
O palco das comemorações – que teve até show dos cantores Nattanzinho e Bell Marques – foi a Ilha dos Frades, em Salvador, conhecida na Bahia como “a ilha do Suarez”, em referência ao empresário Carlos Suarez, diz Manu Gaspar, do O Globo.
As festas serviram como etapa informal da campanha do deputado federal pela Bahia, Elmar Nascimento (União Brasil) à sucessão de Arthur Lira (PP-AL) no comando da Presidência da Câmara dos Deputados.
Essa pelo menos foi a impressão de duas pessoas que estiveram na ilha e relataram os detalhes das festas à equipe da coluna.
Festa de luxo em ilha do rei do gás na Bahia foi palco de campanha de Elmar Nascimento
Além do próprio Lira, que foi à ilha no dia 5, estiveram lá os ministros Celso Sabino (Turismo) e Juscelino Filho (Comunicações) com suas famílias, o prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil), o senador Weverton Rocha (PDT-MA), o governador Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), Antonio Rueda, que deve assumir a presidência do União em fevereiro, e cerca de 20 deputados federais – entre eles Zeca Dirceu (PT-PR) e o presidente nacional do Avante, Luis Tibé (MG).
Empresários como Ricardo Faria, do setor de granjas e grãos, e Rodolfo Landim, presidente do Flamengo e amigo de Suarez, também compunham o grupo.
Foram todos ciceroneados por Suarez, que é conhecido como “rei do gás” por comandar distribuidoras em oito estados brasileiros, e também é o dono de boa parte das terras e propriedades na ilha de 13 quilômetros quadrados na Baía de Todos os Santos, em Salvador – incluindo o casarão do século XVI com 15 suítes que ele usa para receber convidados.
As comemorações de final de ano começaram no dia 28 de dezembro, quando chegaram os primeiros convidados, e se encerraram no dia 6 de janeiro, dia seguinte ao coquetel que começou no início da tarde e foi até à noite com show de Bell Marques, ex-vocalista da banda de axé Chiclete com Banana.
O deputado alegou à equipe da coluna que a programação fez parte de uma celebração “entre amigos” adeptos de expedições com UTV – espécie de quadriciclo voltado para terrenos acidentados – entre eles Lira e Juscelino.
Mas rejeitou o caráter político do evento e disse “não existir” campanha para a presidência da Câmara.
“Até porque seria um desrespeito com o presidente Lira, que tem um ano de mandato pela frente”, despistou.
O líder do União Brasil nega que Suarez tenha bancado as despesas e diz que pagou do próprio bolso o aluguel do Cerimonial Loreto, casa de festas muito usado para casamentos que pertence a Suarez e fica nas cercanias do casarão.
O deputado afirma que desembolsou R$ 60 mil pelo pacote incluindo a casa de festas e os 17 quartos onde os ministros e deputados ficaram hospedados entre os dias 28 de dezembro e 6 de janeiro. Mas a equipe do blog apurou que, normalmente, só o aluguel do espaço, sem serviço de buffet, varia R$ 30 a 55 mil a diária, a depender do número de convidados.
Elmar diz que o buffet e as bebidas teriam sido bancadas por parlamentares da Bahia que estavam lá – entre eles o primo e deputado estadual Júnior Nascimento (União Brasil), o líder do partido na Assembleia Legislativa, Marcinho Nascimento, Manuel Rocha (União Brasil) e Emerson Penalva (PDT).
Os custos da festa, de acordo com ele, serão divididos entre “quatro ou cinco” amigos, que ele não especificou. O deputado também disse que não sabe quanto foi gasto no total nos sete dias de comemoração.
Elmar Nascimento afirmou ainda que tanto Bell Marques quanto Nattanzinho se apresentaram de graça, mesmo sendo alta temporada.
“Não tem cachê, é amizade. Bell é meu amigo de 30 anos. Ele levou 50 amigos, tocou lá e não teve cachê para mim”, disse o líder do União Brasil.
“Já o Nattanzinho estava tocando em uma cidade vizinha. Passou por lá e fez uma ‘canjazinha’ para a gente. É meu amigo desde que era pobre, quando tocava em barzinho. Já foi na minha festa de aniversário e tocou na minha posse na Câmara”.
Elmar também confirmou que Suarez estava nas festas e disse ter estado na casa que o empresário mantém na Ilha dos Frades. Mas negou que o grupo tenha escolhido a ilha por pertencer ao rei do gás.
“Nós íamos alugar uma casa do Duda Mendonça [marqueteiro morto em 2021] em Barra Grande, mas o filho dele vendeu a casa. Daí aluguei esse cerimonial”, justificou. “Havia perspectiva de chuva em Salvador, e o único lugar fechado e com casa [hospedagem] era esse”.
Elmar e Suarez têm uma aliança antiga e bastante conhecida no meio político. Foi Elmar quem relatou a lei de privatização da Eletrobras, em 2021, e incluiu no texto a emenda que empurrava para os novos controladores da companhia a obrigação de construir a rede de gasodutos para levar o gás até as distribuidoras de Suarez que ainda funcionam apenas no papel justamente por não ter acesso ao insumo.
Procurado, Suarez não havia se manifestado até o fechamento da reportagem, mas enviou uma nota após a publicação da matéria. “Sobre a presença de convidados em minha casa de praia, posso dizer que recebi os mesmos amigos e familiares com quem tenho convivido nos últimos 30 anos”.
A equipe responsável pelo Cerimonial Loreto, por sua vez, alegou que o espaço “foi contratado por cessionário que arcou com todas as despesas relativas ao uso do imóvel e seus eventos”.
Na interpretação de um dos presentes, que não pagou nada para participar da festa mas pediu para não ser identificado, “estava claro ali que Elmar queria demonstrar que tem apoio entre os deputados e consolidar sua aliança com alguns cabos eleitorais importantes. ”
Além dos almoços e jantares para o grupo de políticos convidados por Elmar Nascimento, houve também uma festa de réveillon para alguns deles, que ficaram hospedados na ilha – entre eles os ministros de Lula filiados ao União Brasil, Juscelino Filho e Celso Sabino.
O presidente da Câmara não esteve lá no réveillon, mas passou o dia 5 de janeiro no evento com o show de Bell Marques. Três dias depois, Lira faltou ao ato Democracia Inabalada do governo federal na última segunda-feira alegando problemas de saúde na família em Alagoas.
A ausência do líder da Casa, como mostrou o colunista Lauro Jardim, também foi lida como uma tentativa de afagar deputados da direita bolsonarista e do próprio Centrão que acusaram o Planalto de “politizar” o evento. Elmar, aliás, também não foi à celebração comandada por Lula.
Lira não pode pleitear um terceiro mandato. Seu aliado mais próximo na disputa pela sucessão é Elmar, mas Lira tem dito que vai apoiar quem se tornar mais viável – no páreo está também o vice-presidente da Câmara e dirigente do Republicanos, Marcos Pereira. O PSD, que compôs com Lira nas últimas duas disputas, ensaia lançar Antonio Brito (PSD).
As articulações ganharam força nos últimos meses. Tanto Elmar como Pereira têm circulado pelo país prestigiando eventos e comemorações de colegas da Câmara em busca de apoio.
Já o MDB, que em 2021 rivalizou com o atual presidente da Câmara mas apoiou sua recondução no ano passado, cogita lançar Isnaldo Bulhões Jr. (AL), aliado da família Calheiros.
A pretensão de Elmar também esbarra nos planos do correligionário Davi Alcolumbre (AP) de disputar a sucessão de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no Senado. Só que, se os dois ganhassem, o União Brasil comandaria as duas Casas do Congresso.
É pouco provável que os outros partidos do Centrão aceitem essa combinação, e é por isso que a missão de Elmar é das mais difíceis. Vão ser necessárias muitas festas e muita amizade por parte do rei do gás para ajudar a candidatura a decolar.