Após resistir à cobiça do Centrão pelo seu cargo e ser mantida na Esplanada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ministra da Saúde, Nísia Trindade, inicia o segundo ano no comando da pasta sob pressão da base do governo, mas também na mira do bolsonarismo e de setores da esquerda. A queda de braço entre Nísia e o Congresso ganhou um novo capítulo com a edição de uma portaria, em dezembro, que impôs, na visão de deputados e senadores, travas para a indicação de recursos extras oriundos do antigo orçamento secreto a estados e municípios. As informações são de Marlen Couto, do jornal, O GLOBO.
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No meio político, ela também é criticada pela gestão dos hospitais federais. E a oposição abriu um outro flanco de artilharia ao tentar vincular a nomeação de um filho da ministra para um cargo na prefeitura de Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio, à liberação de recursos para a cidade pela pasta, o que a ministra nega.
A pressão sobre a pasta ocorre mesmo com o aumento, registrado nos últimos anos, do peso das emendas no Orçamento da Saúde, área que concentra obrigatoriamente quase metade das indicações de deputados e senadores.
Dados do Planejamento, reunidos pelo GLOBO, mostram que houve um salto a partir de 2020, durante o governo Bolsonaro, e que o valor se manteve praticamente estável no primeiro ano do governo Lula, em R$ 14,7 bilhões. Em 2018, foram empenhados apenas R$ 5,5 bilhões em emendas. Em paralelo, o montante destinado a investimentos da Saúde pouco variou nos últimos seis anos e somou R$ 5,3 bilhões em 2023.
Trava
A insatisfação dos parlamentares aumentou com a publicação, em 19 de dezembro, de norma que condiciona transferências de valores voltados para o custeio de serviços de saúde de atenção especializada à aprovação das propostas pela chamada Comissão Intergestores Bipartite (CIB). O colegiado é formado por gestores estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS) em cada estado. Portaria anterior, de maio do ano passado, indicava que seriam priorizadas as propostas aprovadas pela CIB, sem apontar sua exigência.
No fim do ano, a necessidade de se adequar à nova portaria gerou insatisfação entre parlamentares da base. A avaliação foi a de que a regra criou, no apagar das luzes de 2023, complexidade adicional para estados e prefeituras receberem os valores. Eles alegam que as comissões não costumam se reunir com frequência e que não houve clareza sobre os critérios adotados para as liberações, já que parte dos recursos para cidades com apadrinhados da base foi contemplada e outras não.
Em nota, o Ministério da Saúde negou que o texto tenha dificultado as transferências. Na visão da pasta, os gestores “ganharam mais tempo” para mostrar que as propostas atendiam aos critérios de priorização apontados na diretriz anterior. “Não houve qualquer prejuízo aos proponentes, ficando asseguradas as tramitações de todas as propostas tecnicamente adequadas”, declarou.
Na avaliação de um parlamentar que integra a base do governo, porém, o episódio gerou uma crise “sem precedente”, maior que as reclamações no ano passado sobre o ritmo de liberação de emendas parlamentares. Na época, o Centrão pressionou para ampliar seu espaço na Esplanada, em meio às negociações para a entrada de PP e Republicanos no governo, e passou a exigir o cargo de Nísia. A ministra, no entanto, recebeu apoio público de Lula.
Em outra frente, a ministra tem recebido críticas no campo da esquerda pela gestão dos hospitais federais no Rio. Ao GLOBO, o deputado federal Washington Quaquá (PT-RJ), vice-presidente nacional do partido, afirmou que há demora na reabertura de leitos nas unidades, que vivem um sucateamento, segundo ele, e classificou a gestão de Nísia como “inoperante e frágil”. Ele defendeu sua saída do cargo:
— É uma ministra que dialoga muito pouco com o mundo da administração pública, não só da política. Para um governo da importância do governo Lula, a ministra é inoperante. Ela não tem o tamanho que o governo Lula precisa.
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Já a possível transferência de um hospital da rede federal para a gestão da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) levou sindicatos e entidades a organizarem uma paralisação de 24 horas. A crítica é que se trata de um processo de “privatização”.
O primeiro ano de gestão de Nísia, por outro lado, tem sido elogiado por especialistas e associações do setor pelos avanços nas taxas de vacinação do país, retomada de programas como o Farmácia Popular e Mais Médicos, além dos esforços de coordenação nacional do SUS. Secretário Municipal de Saúde do Rio, Daniel Soranz (PSD) elogia a aproximação e diálogo da ministra com os estados e municípios e aponta que a pasta tem um plano de recuperação dos hospitais federais e já aumentou sua produtividade.
— A ministra é técnica e tem apresentado resultados. Os ataques não são direcionados a ela, mas buscam atingir o presidente Lula.
Ao GLOBO, a Saúde informou que mais de 300 leitos que estavam fechados nos últimos anos nos hospitais federais do Rio foram reabertos no ano passado e que houve crescimento dos atendimentos. A pasta diz ainda que trabalha na recuperação e reestruturação, após anos de “abandono e precarização”.
Ofensiva da oposição
Além de não agradar a base, Nísia também entrou na mira da oposição nos últimos dias. Nas redes sociais, bolsonaristas impulsionaram a vinculação da nomeação do seu filho, o músico Márcio Sampaio, como secretário de Cultura de Cabo Frio a um repasse da pasta à cidade na Região dos Lagos do Rio, comandada por Magdala Furtado (PL), no valor de R$ 55 milhões, no fim do ano passado. A nomeação ocorreu um mês depois da destinação dos recursos.
A pasta afirma se tratar de uma “falsa ilação” e apontou que as demandas atendidas têm origem em solicitações da gestão anterior de Cabo Frio. Ainda segundo o ministério, os repasses não destoam dos feitos para os demais municípios. A Saúde também afirma que são adotados critérios técnicos para definir os valores.
Em perfil no X, Nísia enfatizou que não teve nenhuma relação com o convite para seu filho assumir o cargo. “Márcio, além de músico reconhecido, é graduado em ciências sociais e políticas culturais. Será uma excelente experiência para ele e para a gestão cultural da cidade”, escreveu.
A ministra já havia entrado na mira de bolsonaristas nas plataformas digitais no ano passado, após viralizar nas redes uma apresentação de dança em um evento do ministério com uma versão de “Batcu”, de Aretuza Lovi. O caso levou Nísia a pedir desculpas.
Embates com Congresso
- Liberação de recursos: O ritmo de liberação de emendas parlamentares da Saúde, considerado lento demais pelo Congresso, é foco de reclamação no Legislativo. O Ministério alega que as propostas apresentadas por estados e municípios passam por análise técnica.
Pressão pelo cargo: Em meados de 2023, o Centrão pressionou para ampliar espaço na Esplanada e passou a almejar o posto de Nísia. Na época, a ministra recebeu apoio público de Lula. O petista afirmou que a titular da Saúde “ficará no posto até quando eu quiser”. - Travas em nova portaria: O Ministério gerou nova insatisfação ao editar em dezembro uma portaria sobre recursos emergenciais para atenção especializada destinados a estados e municípios. A avaliação é que o texto dificultou o repasse de verbas apadrinhadas por parlamentares ao incluir exigências que não estavam previstas.
- ‘Batcu’: A ministra foi criticada pela base bolsonarista em outubro após viralizar nas redes uma apresentação de dança em um evento do ministério com uma versão de ‘Batcu’, de Aretuza Lovi. Após a repercussão, Nísia pediu desculpas pelo episódio e afastou servidores responsáveis.
- Recursos para Cabo Frio: Nísia virou alvo da oposição nas redes sociais após a nomeação do seu filho, o músico Márcio Sampaio, como secretário de Cultura de Cabo Frio ser vinculada a um repasse da pasta à cidade, comandada por Magdala Furtado (PL). A pasta afirma se tratar de uma “falsa ilação” e apontou que as demandas atendidas têm origem em solicitações da gestão anterior de Cabo Frio.
- Hospitais federais: Nísia é pressionada na gestão dos hospitais federais. De um lado, parlamentares do Rio, como Washington Quaquá (PT), apontam lentidão para a reabertura de leitos. Do outro, sindicatos e entidades apontam sucateamento e se mobilizam com uma paralisação de 24 horas contra a possível transferência de um hospital da rede para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).