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Congresso Nacional visto do Supremo Tribunal Federal. Foto: Marcos Oliveira/Ag. Senado
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quarta-feira 3 de janeiro de 2024 às 14:14h

Base aliada frágil continua a demandar negociações em votações no Congresso

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Um ano depois do início de seu novo governo, o presidente Lula da Silva (PT) ainda convive com o mesmo problema do começo do mandato: uma base aliada frágil, que demanda novas negociações e alianças a cada votação importante no Congresso.

A disputa pelo controle do Orçamento marcou a relação muitas vezes tensa segundo Renan Truffi, Fabio Murakawa e Julia Lindner, do jornal Valor, entre Executivo e Legislativo e dá sinais de que continuará a influenciar essa dinâmica em 2024, quando estarão em jogo R$ 53 bilhões em recursos indicados por deputados e senadores – um valor recorde.

Também continuarão em debate divergências sobre o ritmo de liberação desse dinheiro. De acordo com as regras que valeram até 2023, o governo era obrigado a autorizar o pagamento de emendas individuais e de bancada previstas para o ano, mas o fluxo podia ser controlado pelo Executivo.

Em dezembro, o Congresso aprovou, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), uma mudança nessa sistemática. De acordo com o texto que saiu do Legislativo, o governo teria 30 dias para liberar emendas. Nessa terça-feira, Lula vetou esse trecho da proposta e já há parlamentares que defendem a derrubada da decisão (ver também a página A7).

Para um governo eleito por uma frente ampla e heterogênea, compartilhar protagonismo foi estratégico no ano passado. Lula foi eleito em 2022 com uma coligação de nove partidos (Psol, Rede, PSB, PCdoB, PV, Agir, Avante, Pros e Solidariedade), a maior de todos os pleitos presidenciais que disputou. Entretanto, o PT e outros partidos de esquerda, como o PDT de Ciro Gomes, conseguiram eleger apenas 138 deputados federais em 2022.

A Câmara dos Deputados continuou dominada pelo Centrão, grupo do atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e com uma bancada conservadora: os partidos do Centrão ou da centro-direita conseguiram 273 cadeiras.

Esse quadro levou Lula a ceder ainda na transição para viabilizar o primeiro ano de seu governo. Ele negociou com Lira, que havia apoiado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na disputa presidencial, o apoio total do PT à sua reeleição para o comando da Câmara. Em troca, conseguiu a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição, que ampliou em cerca de R$ 145 bilhões o teto de gastos. Pôde, assim, garantir recursos para pagar um Bolsa Família com piso de R$ 600 – ante os R$ 400 previstos pelo Orçamento deixado por Bolsonaro -, além de assegurar um reajuste do salário mínimo acima da inflação, uma promessa de campanha do petista.

Os parlamentares, porém, conseguiram assegurar o controle sobre a destinação dessa verba extra, por meio das emendas, arrogando para si o poder de decidir também quais programas e ministérios receberiam recursos.

Por causa dessas disputas, o grupo de Lira, ao longo do ano, chegou a pedir a cabeça do ministro das Relações Institucionais (SRI), Alexandre Padilha, responsável pela articulação política – e pelo pagamento das emendas.

O presidente da Câmara afirmou em junho que havia uma “insatisfação generalizada” dos deputados com a “falta de articulação do governo”. No mês seguinte, em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, afirmou que o cargo de Padilha “tem prazo de validade”. Fontes palacianas apontavam, àquela altura, pressões de Lira para que o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), fosse indicado para a SRI, algo que o parlamentar sempre negou. Lula, porém, não cedeu, e Padilha seguiu no posto.

Outros alvos dos ataques especulativos do Centrão foram os ministros do Desenvolvimento Social (MDS), Wellington Dias, e da Saúde, Nísia Trindade. Não por acaso, são as duas pastas com maior Orçamento na Esplanada. Mas, em 5 de junho, Lula anunciou de maneira categórica que Nísia permaneceria no governo, enquanto Wellington Dias sofria um processo de fritura dentro do próprio Palácio.

Câmara dominada pelo Centrão fez Lula ceder ainda na transição para viabilizar primeiro ano

Em meados do ano, parte do núcleo duro do governo entendia ser necessário ceder o MDS para o Centrão, em troca de um apoio mais sólido no Congresso. As especulações acenderam a militância petista, indignada com a possibilidade de perder o controle sobre o Bolsa Família, principal marca social de Lula, e até a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, entrou em campo.

Dois dias depois, em 7 de julho, Janja gravou um vídeo ao lado de Wellington Dias em que dizia que “o MDS é o coração do governo Lula”. A atuação da primeira-dama, uma das pessoas hoje com maior influência sobre o presidente, praticamente enterrou as chances de Lira indicar um titular para o MDS, algo visto como “desejável” por ministros no Palácio do Planalto.

Lira, no entanto, não ficou de mãos vazias. Em setembro, emplacou um aliado, o deputado André Fufuca (PP-MA), no Ministério do Esporte. Em novembro, conseguiu indicar o novo presidente da Caixa, Carlos Vieira. Em ambos os casos, as mudanças foram criticadas por promover a diminuição da participação feminina no governo, uma vez que Fufuca e Vieira entraram nos lugares de Ana Moser e Rita Serrano, respectivamente.

As mulheres já tinham sido vitimadas em outra mudança ministerial feita em nome da governabilidade. O assumiu o Ministério do Turismo no lugar de Daniela Cordeiro, depois que o marido dela, o prefeito de Belford Roxo, Waguinho Cordeiro, migrou do União Brasil para o Republicanos. Daniela caiu depois que o União Brasil disse não se sentir mais representado por ela na Esplanada, fragilizando ainda mais a base de Lula. Outro ministro do partido, aliás, Juscelino Filho (MA), das Comunicações, também precisou dar satisfações a Lula sobre suspeita de irregularidades ao longo de sua trajetória política, mas segue no governo.

Lula também foi forçado a sacrificar um aliado na reforma ministerial de setembro a fim de abrir espaço para o Republicanos no governo. Márcio França (PSB), correligionário do vice-presidente Geraldo Alckmin, deixou o Ministério de Portos e Aeroportos para o também deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) e foi para o inexpressivo ministério de Micro e Pequenas Empresas.

“A gente não negocia com o Centrão, o Centrão não é um partido. Nós negociamos com partidos”, comentou Lula, à época, numa das frases que repetiu muitas vezes ao longo do ano para tentar minimizar a importância do grupo fisiológico que domina o Congresso.

Outro partido que, em tese, é aliado de primeira hora do governo petista, mas passou a reforçar a oposição em votações específicas é o PSD, de Gilberto Kassab. Um dos motivos para o comportamento rebelde é o fato de o governo Lula ainda não ter cumprido o suposto compromisso de indicar a legenda para presidir a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Numa das cenas mais simbólicas do atrito, parlamentares do PSD aproveitaram um evento no Planalto, em setembro, para “emparedar” Padilha.

Ao perceber a presença de jornalistas no local, Padilha admitiu o enquadro. “Vocês viram o baculejo que eu tomei?”, questionou o ministro da SRI em tom irônico. Baculejo é uma gíria utilizada para se referir à revista feita por policiais que, em local público, colocam um suspeito com os braços e pernas abertas contra uma parede.

Com um Congresso conservador e majoritariamente de direita, Lula também pouco se esforçou para emplacar no Legislativo a chamada “pauta de costumes”, tão cara à sua militância. Entretanto, obteve sucessos na pauta econômica, encabeçada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Em agosto, deputados e senadores aprovaram o novo arcabouço fiscal, formulado pela equipe de Haddad para substituir o teto de gastos. Como queria o governo, a nova regra deixou de fora o Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb) e o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF).

Mas os parlamentares derrubaram uma emenda patrocinada pelo Planalto que permitiria gastos extras de cerca de R$ 40 bilhões, ao alterar o período da inflação considerada para calcular as despesas.

Em dezembro, o Congresso aprovou também a reforma tributária. Embora esse fosse também um projeto de Lira e Pacheco, a vitória permitiu a Lula se autodeclarar como o primeiro presidente a aprovar uma reforma do sistema de impostos do país em tempos democráticos.

Porém, apesar desses pontos positivos, a relação entre Executivo e Legislativo esteve longe da calmaria. Em diversos momentos, os parlamentares enviaram sinais de insatisfação, impondo ao Planalto derrotas importantes. Uma delas ocorreu no Senado, onde a escolha de Igor Roque para comandar a Defensoria Pública da União (DPU) foi rejeitada em outubro.

Parlamentares enviaram sinais de insatisfação, impondo derrotas importantes ao Planalto

Outras derrotas importantes foram na análise dos vetos do marco temporal, da desoneração da folha de pagamentos e, por fim, no projeto de lei que altera a regra de empate nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

No caso da questão indígena, o governo já sinaliza que pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), como forma de reverter a derrota. Na avaliação de Leonardo Barreto, cientista político da consultoria Vector Research, se o governo insistir em judicializar seus reveses, a situação pode ficar ainda mais complicada para o Executivo em 2024.

“O jeito que o governo perdeu mostra que ele não consegue jogar por essas regras. O meu receio é que, para o futuro, o governo passe a trazer o Judiciário cada vez mais para esse jogo, escalando esse conflito [com o Parlamento]. Se a gente pegar os placares dos vetos [derrubados], são placares de emenda constitucional. Se o governo se apoiar excessivamente no Judiciário, o Congresso pode se ressentir desse tapetão”, disse Barreto.

Dados obtidos pela Vector mostram, inclusive, que a gestão Lula tem uma das menores taxas de sucesso, quando se mede a quantidade de proposições apresentadas pelo Poder Executivo e aprovadas no mesmo ano, em relação a todas as proposições apresentadas à Câmara.

O levantamento foi feito pela pesquisadora e cientista política Joyce Luz (Cepesp-FGV) e aponta que Lula está repetindo o primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, com apenas 27% de “taxa de sucesso”. A situação também é preocupante quando se trata de medidas provisórias (MPs): Lula tem uma taxa de aprovação de apenas 16%, menor ainda que a de Bolsonaro (21%), até então o valor mais baixo para um primeiro ano de mandato. O resultado contrasta as primeiras gestões de Lula, no qual o presidente atingiu número como 73% de aprovação de MPs e 62% de sucesso geral.

No caso das MPs, um dos motivos é que o governo viu várias de suas medidas serem desidratadas e alteradas pelo Legislativo. “Ainda que o governo comemore a aprovação de propostas como a MP 1185 e a PEC 45 (reforma tributária), as evidências apontam para um cenário bastante delicado, que levou Lula a reconhecer recentemente que faz um governo de minoria”, diz relatório da Vector Research.

Na avaliação dos auxiliares mais próximos do presidente, este cenário é uma “herança maldita” da gestão de Bolsonaro, que abriu portas para a ampliação das chamadas emendas de relator, identificadas pelo código RP9. O sistema também ficou conhecido como Orçamento secreto, por causa da falta de transparência nas indicações.

O argumento dos petistas é que, ainda que o Supremo tenha declarado o mecanismo inconstitucional, o tensionamento pelo controle da distribuição das emendas permanece desde então.

Isso porque, na época do orçamento secreto, os presidentes da Câmara e do Senado eram os responsáveis por dar o aval para o empenho das tais emendas. Com a decisão do Supremo, no entanto, o controle desse “caderninho” voltou às mãos do governo.

Padilha vem dizendo que o governo Lula não vai permitir a “volta do presidencialismo de delegação”, termo que ele cunhou numa referência indireta à relação política construída por Bolsonaro e o Centrão. “O presidente anterior [Bolsonaro] delegava, abdicava de fazer a agenda política. Não pensem que existe a hipótese da volta desse presidencialismo de delegação. Vamos construir juntos a agenda política”, disse o ministro.

Para Barreto, da Vector, porém, a insistência do governo em repetir a lógica de um sistema político antigo tem levado a uma exaustão precoce da relação entre Executivo e Legislativo. Um símbolo disso é que o governo continua tendo problemas com o “timing” do pagamento de emendas, ainda que o volume de recursos seja maior. “Se as emendas já estão garantidas, o governo trabalha profundamente com timing [de pagamento] e isso está levando a uma exaustão muito precoce”, explicou o cientista político.

A cúpula da Câmara tem se incomodado com as críticas do Palácio do Planalto. Pessoas próximas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dizem que o problema do governo não são as emendas, e sim os gastos com os juros da dívida pública – que chegam a cerca de R$ 1 trilhão. Há uma reclamação na cúpula da Câmara no sentido de que ninguém no governo, além do ministro Fernando Haddad, fala em corte de despesas.

Outra reclamação recorrente é que o governo não cumpre o acordo com o Congresso sobre as emendas, nem sobre as nomeações. O motivo seria uma suposta falta de articulação política. Há incômodo, ainda, sobre acordos relacionados a aprovação de matérias que posteriormente o presidente Lula descumpre e veta.

Procurados, Arthur Lira e Juscelino Filho não quiseram se manifestar.

A constatação de que a base política do governo segue frágil alimentou especulações de que Lula promoveria uma reforma ministerial no início deste ano. Ministros com quem o Valor conversou, no entanto, afirmam que não deve haver uma nova mexida na Esplanada no curto prazo.

A única mexida deverá ocorrer no Ministério da Justiça, com a saída de Flávio Dino, que teve sua indicação por Lula para a vaga deixada por Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF), aprovada pelo Senado. Ricardo Lewandowski, ex-ministro do STF, e Wellington César Lima e Silva, atual subchefe para Assuntos Jurídicos (SAJ) do Planalto, são apontados como favoritos.

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