Existe uma linha que divide o mundo em duas partes: os que usam tensão de 110v a 120v e os que usam 220v a 240v.
Boa parte do continente americano usa a tensão 110v, enquanto boa parte da Europa, Ásia e África usa a 220v.
No Brasil a situação é ainda mais complicada, pois a tensão pode variar de um Estado para outro, de uma cidade para outra e até dentro de uma mesma cidade.
E no Brasil o 110v está deixando de ser utilizado e o 127v está ganhando espaço.
A seguir, explicamos a razão dessa divisão – e, talvez o mais importante, se isso faz alguma diferença.
A tensão
Primeiro algo básico: o “v” significa voltagem.
“O fluxo de eletricidade em um circuito é descrito por duas grandezas, a tensão e a corrente”, disse à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, Morris Lockwood, gerente-técnico da Edif Era, uma consultoria de engenharia com sede no Reino Unido.
“A tensão se mede em volts e a corrente, em amperes. Os dois são muito diferentes”, acrescentou.
“Para entender melhor, imagine a água que flui em um cano ou uma mangueira. A tensão equivale à pressão e a corrente, ao fluxo de água (vazão). Os dois são necessários para transmitir energia.”
A multiplicação da tensão (medida em volts e equivalente à pressão) pela corrente (medida em amperes e equivalente ao fluxo) é o que dá a potência, que se mede em watts.
O tamanho da conta
Geralmente encontramos lâmpadas de 100 watts, 75 watts e outros. Muitos acham que esses números são equivalentes à luminosidade, mas o que eles refletem mesmo é o consumo de energia.
Logo, em um local com tensão 110v, uma lâmpada de 600 watts vai precisar de 5,4 amperes de corrente.
Em outra cidade que usa voltagem 220v, a mesma lâmpada vai precisar de 2,7 amperes de corrente.
Em termos de quantidade de energia, um e outro não faz diferença. O que a pessoa paga é a potência – os watts.hora consumidos, indicados na unidade kilowatts.hora.
Desta forma, o tamanho da sua conta de energia elétrica depende de qual lâmpada você escolheu.
Comparando a energia elétrica ao fluxo em uma mangueira: a tensão 220v pode funcionar como uma “mangueira” mais fina – ao aumentar a pressão a taxa de fluxo de “água” é menor.
Quanto aos materiais usados para uma ou outra tensão, Marco Antonio Saidel, professor do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da Escola Politécnica (Poli) da USP, afirma que não há diferença.
“Material usado é cobre e existe uma bitola mínima determinada pelas normas (de segurança). Pode variar a pureza do cobre, mas o material é um só”, explicou o professor à BBC Brasil.
Quanto aos riscos das duas tensões, a 110v e a 220v, Saidel faz um alerta.
“Toda tensão é perigosa, o que pode trazer dano para o ser humano (ao circular pelo corpo) é a corrente. O dobro da tensão gera o dobro de corrente nas mesmas condições.”
O professor da Poli afirma ainda que o risco também depende do tipo de proteção que a pessoa está usando ao lidar com eletricidade (botas de borracha, por exemplo) e de qual parte do corpo é atingida pela corrente (se a corrente atravessar o coração, por exemplo).
Disputa histórica
A segurança está no centro da razão histórica pela qual os Estados Unidos e os países em sua área de influência usam a tensão 110v.
Tudo começou com a épica polêmica envolvendo Thomas Edison e Nikola Tesla, batizada de “a guerra das correntes”, ocorrida no fim do século 19, época da introdução dos primeiros sistemas de transmissão de energia.
Edison promovia o uso da Corrente Contínua (DC, na sigla em inglês), que trabalhava com 100v e era impossível de converter em outras tensões naquela época.
Tesla, da Westinghouse Corporation, afirmava que a Corrente Alternada (AC) era melhor: sua tensão podia ser modificada com facilidade, reduzindo os custos, e poderia transportar energia por grandes distâncias.
Edison, por sua vez, sustentava que a AC era perigosa. E, para demonstrar isto, ele organizou demonstrações nas quais eletrocutou animais com a corrente “rival”.
Mas, apesar da guerra de publicidade, Tesla e a Westinghouse saíram ganhando. Na Feira Mundial de Chicago, o cientista fez passar pelo próprio corpo uma corrente alternada de milhões de volts e saiu ileso.
Tudo indica que Tesla foi ajudado em sua experiência ao usar uma alta frequência e sapatos com sola de borracha. (É sempre bom lembrar que não é aconselhável tentar repetir isso em casa.)
A demonstração de Tesla, somada aos custos menores da corrente alternada e à capacidade de transmissão, marcaram a vitória da Westinghouse e a adoção deste sistema.
Mas as lâmpadas de Edison eram muito populares nos Estados Unidos. E como funcionavam com voltagem de 100v, que rapidamente foi modificada para a de 110, elas foram adaptadas à corrente alternada de Tesla.
O sistema AC hoje é usado em linhas de transmissão de energia em grandes distâncias, muito populares em vários países.