Mudanças de última hora na reforma tributária vão manter a incidência de impostos na base de outros impostos pelo menos até 2032 e podem postergar isso até depois da fase de transição no caso do IPI. Uma supressão na votação final pela Câmara dos Deputados criou a possibilidade de que o novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) componha a base de cálculo do ICMS e ISS, algo que até então estaria proibido, diz reportagem de Beatriz Olivon, Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro , do jornal Valor.
A sugestão partiu da Secretaria Extraordinária do Ministério da Fazenda para a Reforma Tributária, que a considera um “ajuste técnico” para manter a arrecadação dos Estados, municípios e governo federal durante a fase de transição, entre 2027 e 2032. Essa incidência já ocorre hoje e, se fosse eliminada, haveria perda de receitas de 9%. O relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), negou a possibilidade de haver incidência de um imposto sobre outro e afirmou que a medida suaviza a transição para Estados e municípios.
Advogados e economistas, contudo, avaliam que o tema já é questionado no Judiciário, deve provocar novos litígios e pode resultar em aumento da carga tributária.
A mudança feita por Ribeiro na sexta-feira permitirá que União, Estados e municípios cobrem IPI, ICMS e ISS, respectivamente, sobre valores da nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá o PIS e Cofins (dois tributos federais).
Ele suprimiu a vedação a que a CBS integre a base de cálculo do ICMS e ISS. Essa proibição explícita constava do texto aprovado em julho na Câmara e em novembro no Senado, mas saiu de forma discreta na versão apresentada sexta-feira. Ficou apenas a proibição de que a CBS e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) integrem a própria base de cálculo, do recém-criado Imposto Seletivo e do PIS/Cofins.
Não acho uma boa prática, poderia estar fora desde sempre”
— Vanessa Canado
No caso do IPI, já não havia vedação no texto, mas o imposto seria zerado e extinto com a reforma. Agora, será mantido para taxar produtos “que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus”, mas não sejam fabricados na região, de forma a garantir as vantagens competitivas das empresas que se instalaram na cidade. A manutenção do IPI foi a forma encontrada para poder promulgar o texto nesta quarta-feira em consenso com o relator do Senado, Eduardo Braga (MDB), que foi eleito pelo Amazonas.
O fim da vedação à cobrança da CBS e IBS dentro da base de cálculo do ICMS, IPI e ISS passou despercebido na Câmara e não constou do relatório em que Ribeiro explicou as alterações feitas. A oposição protestou contra a divulgação do parecer já durante a sessão, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não concordou com os apelos pelo adiamento da matéria.
“Tivemos preocupação com a federação”, afirma Ribeiro, ao defender as mudanças no parecer.
No caso do IPI, a manutenção foi a saída encontrada para evitar alterações na PEC que exigissem nova votação pelo Senado, o que inviabilizaria a promulgação este ano. “Mas garanto: não haverá incidência de um imposto sobre o outro. O acordo é para que o IPI apenas mantenha as vantagens competitivas da Zona Franca de Manaus. Na lei complementar, vamos fazer a regulamentação para impedir isso [incidência].”
Para o tributarista Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich Vasconcelos Advogados, o ICMS e o ISS terem saído do texto causa estranhamento porque eles estavam desde o primeiro texto da Câmara. “A Câmara votou o mesmo texto duas vezes. O Senado também. Agora volta para a Câmara e eles tiram ISS e ICMS para aumentar a arrecadação”, diz.
Segundo o advogado, conceitualmente, há um problema na tributação porque o IBS/CBS não é o preço da circulação de mercadoria do ICMS e nem o preço para fins de incidência do ISS e IPI. “A prova de que não é preço é que eu recupero o IBS/CBS que foi pago. Mas para fins de ISS e ICMS vai ser como preço”, afirma. Isso, argumenta, causará um grande potencial de litígios. “Pelo menos durante os quatro anos da transição de ICMS e ISS para IBS vai haver um possível contencioso relativo a tributo na base de tributo.”