Com a derrubada do veto presidencial pelo Congresso Nacional, o trecho que define o marco temporal para a demarcação de terras indígenas vai passar a valer quando for publicado no Diário Oficial da União.
Mas, antes disso, precisa passar por uma outra etapa — a promulgação, que vai informar que a norma existe.
Pela Constituição, cabe ao presidente da República fazer a promulgação em até 48 horas do recebimento da decisão do Parlamento.
Se não fizer isso, a tarefa fica com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Se, no mesmo prazo, Pacheco não tomar a medida, ela caberá ao vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).
Após esta etapa, entra em vigor a tese de que os povos indígenas somente terão direito à demarcação de terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Segundo a proposta, áreas sem a ocupação de indígenas ou com a ocupação de outros grupos neste período não podem ser demarcadas (entenda mais abaixo).
Sem retroagir
A nova legislação não pode atingir as disputas sobre o marco temporal que ocorreram e se encerraram antes dela. Pela Constituição, em regra, as normas não retroagem para mudar situações que ocorreram antes de entrarem em vigor.
Em relação aos casos em andamento na Justiça, a aplicação da lei pode gerar novos questionamentos, já que, em setembro, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a fixação da data da promulgação da Constituição – dia 5 de outubro – como um critério para a definição da posse indígena.
Na ocasião, a Corte estabeleceu uma espécie de guia para a aplicação de seu entendimento nas disputas em andamento nas instâncias inferiores da Justiça.
Sujeita a questionamentos
Quando se tornar lei, o marco temporal para a demarcação de áreas indígenas também fica sujeito a questionamentos no Supremo Tribunal Federal.
Pela Constituição, algumas autoridades e instituições podem contestar se normas estão de acordo com seu texto. Entre as autoridades que podem fazer isso estão.
- o próprio presidente da República;
- o procurador-geral da República;
- partidos políticos e
- associações.
Nesta situação, portanto, a controvérsia voltaria ao tribunal.
Caso isso ocorresse, caberia ao Supremo definir se a lei é válida ou não. Já tendo precedente amplamente consolidado em setembro, os ministros teriam de verificar se é o caso de rever este posicionamento.
Se o tribunal mantiver seu entendimento fixado, invalidando a lei, isso não vai impedir nova reação do Legislativo.
Parlamentares poderiam, então, tentar aprovar uma mudança na Constituição. Mas isso não impediria que o caso volte ao Supremo, se alguma instituição, mais uma vez, questionar a validade de uma eventual modificação na Carta Magna.
O que é o marco temporal
Pelo trecho que volta a valer com a derrubada do veto, serão consideradas terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas aquelas que, na data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988), eram simultaneamente:
- habitadas pelo povo indígena em caráter permanente
- utilizadas para suas atividades produtivas
- imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar
- e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições
A ausência de comprovação da presença da comunidade indígena em 5 de outubro de 1988 invalida o direito à demarcação da terra.
Uma exceção são os casos comprovados do chamado renitente esbulho — um conflito pela posse da terra, que pode ter sido iniciado no passado e persistente até 5 de outubro de 1988.
O Congresso também derrubou o veto ao dispositivo que abre brecha para o garimpo, instalação de equipamentos militares e expansão de malha viária sem consulta aos povos indígenas ou ao órgão indigenista federal competente.
Atualmente, a exploração em terras indígenas demarcadas só pode ocorrer após autorização do Congresso Nacional.
Também foi resgatado, com derrubada de veto, um trecho que permite aos povos indígenas firmar contrato para turismo nas áreas demarcadas.
Os parlamentares mantiveram, porém, os vetos do presidente Lula ao plantio de transgênicos em terras indígenas. Também foram mantidos vetos aos trechos que flexibilizavam o acesso a indígenas isolados.