O último carro que pertenceu ao ex-presidente Juscelino Kubitschek voltou a desfilar pelas ruas de Brasília, quase cinco décadas após a morte do seu antigo dono, em 1976. O veículo é um Ford Galaxie LTD, utilizado por Juscelino para ir da capital do País até uma fazenda no entorno do Distrito Federal.
O Galaxie é um sedã de grande porte considerado um dos mais luxuosos já fabricados no Brasil. Lançado em 1967, a sua versão mais requintada custava cerca de 45.568 cruzeiros novos, o equivalente a cerca de R$ 300 mil atualmente. Uma das suas grandes novidades era o ar-condicionado. Hoje, esse é um item essencial nos automóveis, mas, na década de 1960, era algo surpreendente no mercado.
O carro de JK é um modelo de 1974 da cor vermelho vinho. O veículo passou por uma modificação a pedido de JK: não tinha o apoio de braços no banco de trás, porque ex-presidente gostava de se deitar nos assentos traseiros para tirar cochilos durante longas viagens.
O ex-governador do Distrito Federal e vice-presidente do Memorial JK, Paulo Octávio, afirmou segundo Gabriel de Sous, do Estadão, que os cochilos eram uma forma de o ex-presidente descansar durante as agendas. “O presidente Kubitschek não dirigia muito. Ele tinha um motorista, que era quem dirigia. Quando ele vinha para Brasília, dormia no banco de trás do carro, era muito confortável. Era um homem muito ativo e aproveitava uns momentos para tirar uma sonequinha. Era uma tradição dele”, contou.
Juscelino Kubitschek de Oliveira nasceu em 1902, na cidade mineira de Diamantina. Foi deputado federal, prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais. Em 1955, foi eleito presidente da República pelo antigo Partido Social Democrático (PSD), após vencer uma das eleições mais disputadas da história em um País que estava convulsionado pelo suicídio de Getúlio Vargas, um ano antes.
O mandato dele no Poder Executivo, entre os anos de 1956 e 1961, foi marcado pela construção e inauguração de Brasília, pelo impulsionamento do setor automobilístico e rodoviário e pela abertura do País para investimentos estrangeiros. Após o golpe de 1964, Juscelino teve os direitos políticos cassados e foi um dos articuladores da Frente Ampla, que fez oposição à ditadura militar.
Neta de presidente lembra de passeios para a fazenda do ex-presidente
O Galaxie utilizado por Juscelino foi adquirido para transportar o ex-presidente da casa dele, em Brasília, para a Fazendinha JK, uma propriedade rural do ex-chefe do Executivo no município goiano de Luziânia. Um trajeto com duração de cerca de uma hora e meia.
Quem costumava fazer essa viagem era Anna Christina Kubitschek, neta do ex-presidente e presidente do Memorial. “Muitas vezes, andei com o meu avô no carro. Lembro que eu passava férias com ele na Fazendinha e, muitas vezes, eu vinha no carro com ele”, disse.
A última viagem que o ex-presidente fez no Galaxie foi dias antes da sua morte, quando foi até o aeroporto que agora tem o seu nome, o Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, para embarcar com destino ao Rio de Janeiro. Dias depois, um Chevrolet Opala, também de sua propriedade, colidiu com um caminhão na Via Dutra, na altura do município carioca de Resende.
Depois da morte de Juscelino, Sarah Kubitschek, ex-primeira-dama do Brasil, vendeu o Galaxie. Anos depois, membros da Maçonaria localizaram o veículo e o doaram para Sarah, que estava coordenando a criação do Memorial JK, inaugurado em 1981. O sedã fica exposto em uma espécie de aquário do lado de fora do prédio principal do museu na capital federal.
Exército restaurou veículo em dois meses
Parado no museu, o Galaxie de Juscelino passou por duas restaurações feitas pelo Exército Brasileiro nos últimos 13 anos. A primeira delas foi em 2010, quando militares refizeram o motor do sedã e repararam o chassi e a carroceria que ficaram apodrecidos por conta do tempo de exposição.
A outra reforma foi mais recente, iniciada em agosto deste ano. De acordo com o coronel Tibério Figueiredo, do 16º Batalhão Logístico do Exército, como fica exibido em área externa, o carro acaba exposto a temperaturas de até 100 ºC nos picos de calor e baixa umidade únicos da cidade fundada por Juscelino.
Segundo o militar, o motor e a bomba d’água do Ford estavam travados e as rodas e os freios apresentavam defeitos. O calor fez com que o veículo ficasse oxidado, sendo possível arrancar a pintura com facilidade usando os dedos.
O batalhão, então, decidiu fazer uma nova restauração no veículo histórico, a partir da colaboração de pessoas apaixonadas por carros de época. O grupo comprou peças de outros Galaxie e tintas importadas da Europa para deixar o carro de Juscelino como era no tempo em que ex-presidente viajava na região central do País.
Carro de Juscelino desfilou por Brasília e parou na frente do Planalto
A restauração feita pelo Exército durou dois meses, e o carro foi devolvido ao Memorial JK no domingo passado, 12 de novembro. Para celebrar o retorno do carro do fundador de Brasília ao museu, o Exército realizou uma carreata que contou com a participação de 200 carros antigos pelas ruas da capital federal.
O momento de maior simbolismo foi quando o carro parou em frente ao Palácio do Planalto, onde Juscelino coordenou a solenidade da inauguração de Brasília, em 21 de abril 1960. O Galaxie transportou Anna Christina, que se emocionou ao andar novamente no sedã cinco décadas após a morte do avô.
O responsável por dirigir o veículo do ex-presidente foi o subtenente Claudir Fernandes, que chefiou os trabalhos de restauração. A história dele se cruza com a de JK antes mesmo desse processo. O militar cresceu em Jataí, no interior de Goiás. Em 1955, quando estava em campanha pela Presidência, Juscelino estava realizando um comício na cidade, quando prometeu cumprir todos os artigos da Constituição de 1946, vigente na época.
Na ocasião, o morador do município Antônio Soares Neto, conhecido como Toniquinho, questionou o então candidato sobre um dos trechos da Carta, que citava a construção de uma capital no Planalto Central. Essa pergunta teria motivado a fundação de Brasília, cinco anos mais tarde. “Na minha cidade tem um monte de homenagens ao JK. Para mim, foi de suma importância poder ter conduzido esse carro um dia, além de saber que é um símbolo histórico, isso me deu muita honra”, afirmou o subtenente.