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segunda-feira 13 de novembro de 2023 às 06:46h

Ministério da Justiça recebeu mulher de líder do Comando Vermelho para duas reuniões

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Assessores do ministro da Justiça, Flávio Dino, receberam dentro do prédio do ministério segundo reportagem de André Shalders e Tácio Lorran, do jornal O Estado de S. Paulo, uma integrante do Comando Vermelho duas vezes neste ano. Conhecida como “dama do tráfico amazonense”, Luciane Barbosa Farias esteve em audiências com dois secretários e dois diretores da pasta de Dino num período de três meses. O nome dela não consta das agendas oficiais.

Procurado, o Ministério da Justiça admite que a “cidadã”, como se referem a Luciene, foi recebida por secretários do ministro Flávio Dino, mas afirma que ela integrou uma comitiva e era “impossível” o setor de inteligência detectar previamente a presença dela. Leia a nota na íntegra ao fim da matéria. Agendas públicas de autoridades costumam trazer informações sobre os demais participantes das reuniões, e não apenas da pessoa que pediu a agenda. A falta de controle pode inclusive representar um risco para os servidores.

Luciane é casada há 11 anos com Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, considerado o “criminoso número um” na lista de procurados pela polícia do Amazonas, até ser preso em dezembro passado. Ela e o marido foram condenados em segunda instância por lavagem de dinheiro, associação para o tráfico e organização criminosa. Tio Patinhas cumpre 31 anos no presídio de Tefé (AM). Luciane foi sentenciada a dez anos e recorre em liberdade.

No Amazonas, o marido de Luciane ficou conhecido por ostentar a “fama de indivíduo de altíssima periculosidade, com desprezo à vida alheia”. O Ministério Público relata que ele possui poder econômico advindo do tráfico de drogas e costuma ser cruel com seus devedores, “ceifando-lhes a vida sempre que os crimes em que se envolve lhes torna credor”, segundo um trecho da denúncia do procurador Mário Ypiranga Monteiro Neto, de agosto de 2018.

Os métodos violentos de Tio Patinhas marcam a crônica policial do Amazonas. Em abril de 2019, um homem foi encontrado morto em Manaus com um cartaz no rosto: “devia Tio Patinhas”. Num ataque a um motel, um homem foi morto com tiro na cabeça e outro ficou ferido, ambos vítima de execução comandada pelo traficante. Tio Patinhas também já posou para foto segurando uma metralhadora de artilharia antiaérea calibre .30, capaz de abater aeronaves e atravessar veículos blindados.

Sobre Luciane, o Ministério Público do Amazonas aponta que ela atuou como o “braço financeiro” da operação do marido. “Exercia papel fundamental também na ocultação de valores oriundos do narcotráfico, adquirindo veículos de luxo, imóveis e registrando ‘empresas laranjas’.” Graças ao trabalho, ela “conquistou confiabilidade da cúpula da Organização Criminosa ‘Comando Vermelho’”, detalha a acusação.

Clemilson e Luciane se casaram em 30 de outubro de 2012. Na época, ela abriu um salão de beleza que, segundo os investigadores, era usado para lavar dinheiro do tráfico. O casal prosperou: a declaração de Imposto de Renda de Luciane apresentava bens de R$ 30 mil em dezembro de 2015. No ano seguinte, passou para R$ 346 mil, alta de 1.053%. Segundo os investigadores, os dois também eram donos de ao menos três imóveis no Amazonas e em Pernambuco, além de seis veículos (sendo uma moto, três carros e dois caminhões).

Em maio, Luciane entrou no Ministério da Justiça como presidente da Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA). No papel, uma ONG de defesa dos direitos dos presos e que, segundo a Polícia Civil do Amazonas, atua em prol dos detentos ligados à facção. Criada no ano passado, a organização também seria financiada com dinheiro do tráfico, de acordo com investigação sigilosa à qual o Estadão teve acesso.

No dia 19 de março, Luciane esteve com Elias Vaz, secretário Nacional de Assuntos Legislativos de Flávio Dino. Pouco tempo depois, a 2 de maio, ela se encontrou com Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).

Velasco chegou ao posto no Ministério da Justiça a convite do ministro Flávio Dino. Antes, trabalhou com ele no governo do Maranhão. Foi inspetor da Polícia Penal do Estado, secretário adjunto de Atendimento e Humanização Penitenciária (2017) e subsecretário de Administração Penitenciária do Estado (2018).

Quando Dino foi escolhido ministro, o secretário passou a chefiar a Senappen. Toda a política do governo federal para o setor prisional passa pelo órgão. “Ele tem experiência na área, em Minas Gerais e no Maranhão”, escreveu Dino ao anunciar a nomeação do subordinado no X (antigo Twitter), em 27 de dezembro.

Elias Vaz também foi anunciado por Dino como integrante da equipe em dezembro do ano passado, durante a transição de governo. De Goiânia (GO), Vaz foi vereador na capital de Goiás, cargo que exerceu de 2001 até o fim de 2018. Naquele ano, elegeu-se deputado federal pelo PSB goiano. Antes da legenda atual, passou pelo PSOL, pelo PV e pelo PSTU.

Numa postagem no Instagram, Luciane escreveu ter levado a Velasco e a outras autoridades do ministério “denúncias de revistas vexatórias” no sistema prisional amazonense. Também teria apresentado um “dossiê” sobre “violações de direitos fundamentais e humanos” supostamente cometidas pelas empresas que atuam nas prisões do Estado.

“Em resultado destas reuniões o primeiro passo foi tomado em prol aos familiares visitantes de reclusos onde as revistas vexatórias estão em votação com maioria favorável para ser derrubada!”, escreveu Luciane no Instagram sobre as reuniões com a equipe de Flávio Dino, sem deixar claro a que votação ela se referia, diz reportagem do Estadão.

No mesmo dia do encontro com o secretário, Luciane esteve também com mais duas autoridades dentro do Ministério da Justiça: Paula Cristina da Silva Godoy, titular da Ouvidora Nacional de Serviços Penais (Onasp); e Sandro Abel Sousa Barradas, que é diretor de Inteligência Penitenciária da Senappen. O nome dela não consta das agendas oficiais das autoridades.

ONG usa dinheiro do tráfico, diz polícia

Investigadores da Polícia Civil do Amazonas avaliam que a Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), ONG criada por Luciane Barbosa Farias, é apenas uma fachada usada pelo Comando Vermelho para “perpetuar a existência da facção criminosa e obter capital político para negociações com o Estado”.

De acordo com trecho de uma investigação sigilosa obtida pelo Estadão, as ações sociais feitas pela entidade seriam, ao fim, sustentadas pelo Comando Vermelho “com a arrecadação de seus membros”.

Luciane costuma circular por Brasília acompanhada da advogada Camila Guimarães de Lima e de uma amiga conhecida no mundo político: a ex-deputada estadual pelo PSOL Janira Rocha (RJ). Condenada em 2021 sob a acusação de fazer “rachadinha” com os salários de seus assessores na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Janira voltou aos holofotes recentemente ao assumir a defesa da ex-deputada federal Flordelis dos Santos de Souza, condenada no ano passado pelo assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo. Janira participou, ao lado de Luciane, da assembleia de criação do Instituto Liberdade do Amazonas.

Nos registros do Ministério da Justiça consta apenas o nome de Janira na audiência com o secretário de políticas penais. O nome de Luciane não aparece. “Hoje em Brasília, nas articulações políticas no Congresso Nacional, em reuniões no Ministério da Justiça e no debate de construção de estratégias para trazer a luz a pauta de direitos fundamentais e humanos para o sistema prisional brasileiro só deu esse time de mulheres (…) Ficou notória a diferença política na sensibilidade de tratar o tema, outro governo, outra conversa, seguiremos!!!”, escreveu Janira ao postar uma foto com Luciane no Instagram.

País tem crise na segurança pública

No mês passado, o governo decretou uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) em portos e aeroportos no Rio de Janeiro e em São Paulo para combater o crime organizado diante da crise na segurança pública. O Rio bateu recorde de ônibus queimados – foram 36 veículos incendiados em um único dia, depois que uma operação policial resultou na morte do sobrinho de um miliciano. Já na Bahia, operações policiais deixaram mais de 70 mortos no mês de setembro.

Os episódios provocaram críticas à atuação de Flávio Dino no comando do ministério, inclusive dentro do PT. Como mostrou a Coluna do Estadão, petistas passaram a reclamar que o governo não tem nenhum projeto robusto no setor e a reivindicar o controle da pasta. Entre a população, a segurança pública foi considerada a área do governo com a pior avaliação em pesquisa realizada pelo Instituto Atlas em setembro.

Sob pressão, o governo federal lançou um pacote de ações para enfrentar o crime organizado.

Que absurdo é esse?, diz advogada de ONG

A reportagem procurou o Instituto Liberdade do Amazonas por telefone, na tarde da última sexta-feira, 10, e posteriormente por e-mail. Uma funcionária disse que poderia fornecer o contato de Luciane em nova ligação, mas não atendeu mais.

O Estadão também procurou a advogada de Luciane, Cristiane Gama Guimarães Generoso, mas ela disse que não responde a perguntas sobre processos de seus clientes e que o processo seria sigiloso. Na verdade, o processo é público desde janeiro do ano passado. “Que absurdo é esse?”, respondeu a advogada ao ser confrontada com a acusação do Ministério Público sobre Luciane.

Por sua vez, o Ministério da Justiça enviou a seguinte nota, reproduzida abaixo na íntegra:

“No dia 16 de março, a Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) atendeu solicitação de agenda da ANACRIM (Associação Nacional da Advocacia Criminal), com a presença de várias advogadas.

A cidadã mencionada no pedido de nota não foi a requerente da audiência, e sim uma entidade de advogados. A presença de acompanhantes é de responsabilidade exclusiva da entidade requerente e das advogadas que se apresentaram como suas dirigentes.

Por não se tratar de assunto da pasta, a ANACRIM, que solicitou a agenda, foi orientada a pedir reunião na Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).

A agenda na Senappen e da ANACRIM aconteceu no dia 2 de maio, quando foram apresentadas reivindicações da ANACRIM.

Não houve qualquer outro andamento do tema.

Sobre atuação do Setor de Inteligência, era impossível a detecção prévia da situação de uma acompanhante, uma vez que a solicitante da audiência era uma entidades de advogados, e não a cidadã mencionada no pedido de nota.

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