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sábado 11 de novembro de 2023 às 07:52h

O papel dos médicos nas atrocidades nazistas

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Pesquisadores apresentam um relatório detalhado das monstruosidades cometidas por médicos durante o regime nazista e apontam que estudos e experimentos da época continuam a ser utilizados de maneira não crítica”Costuma ser surpreendente o quão limitado é o conhecimento da comunidade médica atual dos crimes cometidos pelas médicos nazistas, com a exceção apenas de uma vaga noção dos experimentos de Josef Mengele no campo de concentração de Auschwitz”, observou Herwig Czech, da Universidade Médica de Viena, na Áustria.

Esse foi o motivo pelo qual há três anos Czech e seus colegas sugeriram ao editor-chefe do jornal cientifico The Lancet a criação de uma comissão com o objetivo de expandir esse conhecimento e tirar conclusões para o futuro.

No relatório amplamente compreensivo elaborado pela comissão, que já está disponível, os pesquisadores não apenas reuniram evidências históricas sobre as atrocidades médicas cometidas no regime nazista, mas também demonstraram com bastante clareza como esses atos de crueldade não ocorreram de maneira isolada e como seus impactos ainda perduram nos dias atuais.

O documento descreve em detalhes como médicos e especialistas em saúde contribuíram na elaboração das chamadas “leis de esterilização compulsória” e estiveram ativamente envolvidos na esterilização de mais de 350 mil pessoas classificadas como “geneticamente inferiores” de acordo com as leis raciais nazistas.

Muitas dessas pessoas desenvolveram graves danos físicos e psicológicos, além de várias outras que morreram durante os procedimentos. Ao menos 230 mil pacientes que sofriam de problemas mentais, cognitivos ou possuiam limitações físicas foram assassinados nos chamados programas de eutanásia na Alemanha e nos territórios ocupados durante a Segunda Guerra Mundial. Dezenas de milhares sofreram abusos enquanto eram usados como cobaias, por exemplo, nos campos de concentração.

Eugenia como pseudojustificativa

A teoria racial nazista servia como uma pseudojustificativa científica para essas atrocidades. A base para essa “higiene racial” era a eugenia, o estudo de características genéticas supostamente boas, baseada em uma teoria do naturalista britânico Charles Darwin publicada em meados do século 19. Segundo esse conceito, em um processo de seleção natural, apenas os mais fortes sobrevivem, enquanto os demais desaparecem.

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Os eugenistas também aplicavam esse conceito de seleção natural às sociedades humanas. Dessa forma, a reprodução de pessoas com configurações genéticas supostamente melhores deveria ser promovida, assim como a das pessoas com configurações genéticas inferiores deveria ser evitada.

Na Alemanha e em outros países, a eugenia se desenvolveu como uma ciência que se tornou socialmente aceita em todos os partidos, classes sociais e também nos ramos da pesquisa e da medicina, se tornando causa de enorme sofrimento.

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No início do século 20, essas ideias encontraram terreno fértil, particularmente, na Alemanha. O desemprego em massa jogou milhões de pessoas na miséria, a criminalidade aumentou dramaticamente, doenças se espalhavam e a mortalidade era bastante alta. Com base na eugenia, esses problemas eram atribuídos a “substâncias biológicas inferiores”.

“Vidas sem valor”

Portanto, apenas medidas eugenistas drásticas como a esterilização forçada das “vidas sem valor” poderiam impedir o declínio da sociedade. Havia muito pouco dinheiro, comida ou espaço para ser compartilhado com essas pessoas.

Especialmente para os nazistas, a eugenia servia como uma justificativa conveniente para suas loucuras raciais. Por um lado, eles promoviam a criação das chamadas “crianças da raça pura ariana”, mas, por outro, queriam radicalmente destruir as chamadas “vidas sem valor” através da esterilização, eutanásia ou assassinatos sistemáticos, como nos campos de concentração. Cientistas e médicos estavam ativamente envolvidos nesse processo.

O relatório, que se baseia em 878 fontes de informação, é o mais abrangente já feito até hoje sobre as atrocidades, afirma o The Lancet.

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O texto conta o desenvolvimento da pesquisa médica durante a era nazista e retrata individualmente os perpetradores, assim como as vítimas e os médicos presos pelo regime que tratavam de seus colegas detentos nas condições mais difíceis, inclusive nos campos de concentração.

Traços até os dias atuais

Apesar de intensas investigações, muitos dos perpetradores e cúmplices não foram responsabilizados após a guerra ou somente seriam incriminados muito mais tarde.

De acordo com o relatório, o conhecimento compilado pelos nazistas é normalmente utilizado de maneira não crítica. O atlas de anatomia do austríaco Eduard Pernkopf ainda é utilizado nos dias de hoje em razão de sua atenção aos detalhes. Na obra, o anatomista nazista convicto usou imagens de pessoas que foram executadas durante o regime nazista.

Outra preocupação da comissão é sensibilizar os profissionais médicos sobre a origem do conhecimento aplicado. “Estudantes de medicina, pesquisadores e profissionais de saúde em atividade devem saber de onde – e de quem – vem as fundações do conhecimento médico. Eles devem isso às vítimas do nazismo”, afirmou Shmuel Pinchas Reis da Universidade Hebraica de Jerusalém, copresidente da comissão.

Lições para o futuro

Os autores veem seu relatório como um primeiro passo, enquanto planejam um extensivo trabalho de documentação online. “As atrocidades médicas dos nazistas estão entre os exemplos mais bem documentados de envolvimento médico em abusos aos direitos humanos na história”, avalia Sabine Hildebrant da Escola Médica de Harvard, nos EUA, também copresidente da comissão.

“Devemos estudar o pior na história da humanidade para reconhecer e contrapor padrões similares no presente, no intuito de promover o melhor”, concluiu.

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