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terça-feira 7 de novembro de 2023 às 08:39h

Como a China se posiciona no conflito Israel-Hamas?

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Pequim quer exercer papel de mediador no Oriente Médio e vem condenado a violência entre as duas partes. Na prática, tem desconfiança pragmática sobre Israel e proximidade política com palestinos. Ao caminhar pelas margens do rio Huangpu, na metrópole financeira chinesa de Xangai, é impossível não notar um edifício alto com um telhado de cobre verde. Convidados de Estado, como os presidente americanos Ronald Reagan e Bill Clinton, além de personalidades como Charlie Chaplin e George Bernard Shaw, já passaram noites agradáveis no local que abriga atualmente o hotel Peace.

O que poucos sabem é que até 1949 o local se chamava hotel Cathay. O edifício construído em 1929 pelo comerciante judeu Victor Sassoon foi durante muitos anos o mais alto da cidade.

Sasson se mudou para Xangai nos anos 20 e construiu ali um império. Durante a Segunda Guerra Mundial, com seu apoio, foi construído em Xangai um assentamento de 2,5 quilômetros quadrados onde cerca de 20 mil judeus da Europa encontraram proteção da perseguição nazista.

Mas após a guerra e a ascensão dos comunistas ao poder, a maioria dos judeus deixou Xangai. Victor Sassoon foi obrigado a vender suas empresas ao Partido Comunista Chinês por um valor bem mais baixo do que o real.

O caso de Sassoon serve como exemplo de como os comunistas tratavam de maneira preconceituosa os judeus e, mais tarde, o jovem Estado de Israel. Durante a Guerra Fria, a China declarou solidariedade a seus aliados árabes e votou sempre contra Israel na ONU. Somente em 1992 Pequim estabeleceu relações diplomáticas com Tel Aviv.

Comércio forte

Desde a normalização das relações, Israel se tornou um dos parceiros comerciais prioritários para a China. Em 2023, 22 bilhões de dólares em produtos foram comercializados entre os dois países. Esse volume corresponde ao balanço das relações comerciais chinesas com a Suécia.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu , tinha uma visita oficial a Pequim marcada para outubro, que acabou sendo adiada em razão do ataque terrorista do Hamas ao território israelense. Na agenda da visita estava a assinatura de um acordo comercial entre Israel e China.

Segundo documentos oficiais, os dois países tratam quase que exclusivamente de economia e comércio em suas tratativas. O conflito entre o Oriente Médio nunca foi um tema central.

Por exemplo, a declaração final da última vista de Netanyahu a Pequim, em 2017, afirmava simplesmente que a China desejava promover inovações, como impulsionar as start-ups de tecnologia.

China vê Israel como aliado dos EUA

Ao mesmo tempo, a China sempre vê um alinhamento político entre Israel e os Estados Unidos, seu maior rival geopolítico.

“A China pede que a potência que possui maior influência sobre a parte em questão coloque de lado seus interesses e considerações geopolíticas e faça todos os esforços para pôr fim à guerra e restaurar a paz” afirmou em novembro no Conselho de Segurança o embaixador chinês na ONU, Zhang Jun. Ele se referia aos EUA, presumindo que o país rival teria interesses no conflito.

“Israel é uma democracia consolidada, firmemente ancorada em sua aliança com os Estados Unidos da América”, afirmou à DW o cientista político e sócio da empresa de consultoria Berlin Global Advisors. “Da perspectiva chinesa, Israel está geopoliticamente no lado oposto ao do objetivo que Pequim busca no momento, que é reforçar a aliança anti-Ocidente.”

Vozes críticas a Israel e “cabeças ocas”

Os sentimentos antiocidentais também estão refletidos nos fóruns online chineses, monitorados de perto pelos censores. Os atos de guerra são vistos como uma “aterrorização do povo muçulmano, mais fraco, pelo povo judaico, claramente mais forte”. Esse estereótipo racista permeia as redes sociais chinesas.

Os usuários do Weibo, a rede social mais popular na China, sabem que o governo alemão está “inabalavelmente” ao lado de Israel.

Em consequência, centenas de comentários antissemitas podem ser encontrados na página da embaixada alemã na China, como um usuário que chama os alemães de “agressores” e outro que disse que “os nazistas na Alemanha e em Israel se uniram e tramam juntos contra a humanidade.”

A resposta da missão diplomática alemã a essas e outras postagens semelhantes é inequívoca e direta. “É bastante estúpido chamar indiscriminadamente qualquer tipo de pessoa de nazista. Quem combina a bandeira de Israel e a suástica nazista em sua foto de perfil ou é um cabeça oca desinformado ou um cafajeste inescrupuloso. Esses perfis serão bloqueados.”

A relevância da Palestina para a China

Ao contrário dessas opiniões, o governo da China alega ser neutro no conflito no Oriente Médio, mesmo que o país seja mais crítico a Israel.

O ministro chinês do Exterior, Wang Yi, descreveu as ações militares israelenses como “desproporcionais”, que excedem os limites da autodefesa, e disse que a população de Gaza não deve ser punida coletivamente. No Conselho de Segurança, o embaixador chinês Zhang disse que é necessário levar em conta os legítimos interesses de segurança de ambas as partes para restaurar a paz.

Pequim não mantém contatos regulares com o grupo terrorista Hamas, que controla a Faixa de Gaza, mas sim com a liderança da Autoridade Palestina (AP) nos territórios palestinos, reconhecidos como um Estado por 138 países, mas não por Israel, Estados Unidos ou Alemanha. Há poucos meses, a China concluiu uma “ampla parceria estratégica” com os territórios palestinos.

Após conversas entre o presidente da AP, Mahmoud Abbas, e da China, Xi Jinping, o comunicado final da parceria, de 14 de junho de 2023, afirma que “a China apoia a criação de um Estado palestino soberano com base na demarcação de fronteiras de 1967, com sua capital em Jerusalém Oriental”.

“A China apoia a retomada das negociações de paz entre Palestina e Israel com base no princípio ‘terra por paz’ [que implica na troca de determinados territórios por uma paz duradoura], nas resoluções pertinentes da ONU e na solução de dois Estados”, diz o texto.

Silêncio palestino sobre uigures em Xinjiang

Em troca, a Palestina, representada pela AP, compromete-se com a chamada “política de uma só China”, que significa que a República Popular é o único governo legítimo da China, inclusive sobre Taiwan. Além disso, a Palestina adota a narrativa chinesa de que as questões em torno da província predominantemente muçulmana de Xinjiang “não dizem respeito a direitos humanos, mas ao contrário, ao combate ao terrorismo, radicalização e separatismo”.

Pequim mantem há anos um amplo aparato de vigilância em Xinjiang para controlar a minoria uigur. A ONU denunciou “graves violações dos direitos humanos” na região, além de “possíveis crimes contra a humanidade”.

A China sempre manteve laços estreitos com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), diz o cientista político Sandschneider. “Há razões históricas para isso. Apoiar movimentos de libertação é parte da identidade da política externa chinesa”. Mas não quando se trata de Taiwan ou Xinjiang.

Nesse contexto, a China busca apoiadores no mundo árabe que defendam sua repressão aos uigures. Se perder o apoio dos árabes, aquilo que Pequim vê como forças separatistas em Xinjiang poderão receber maior apoio do mundo muçulmano. Levantes de minorias nacionais seriam o pior cenário possível para a liderança do Partido Comunista, para o qual a unidade do país é uma de suas maiores prioridades.

Papel de mediadora no Oriente Médio

A China tem um enviado especial para o Oriente Médio desde 2019. Entre outras funções, o cargo visa promover o processo de paz entre Israel e seus vizinhos árabes. Desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, o atual enviado, Zhai Jun, vem mantendo contatos com diversos atores e países da região.

Zhai declarou que a China defende a paz e vê “o fracasso da proteção aos direitos nacionais legítimos do povo palestino” como a causa do conflito. Ele sustenta que a China e a Rússia compartilham do mesmo ponto de vista e trabalham juntas para aliviar as tensões.

A ênfase na proximidade com a Rússia segue um padrão. Nos anos recentes, a China se apoiou cada vez mais em parceiros não ocidentais, ao mesmo tempo em que aumentou significativamente sua visibilidade global, avalia Sandschneider.

“A China se manteve essencialmente fora do Oriente Médio nas últimas décadas. Agora, no entanto, vemos Pequim se colocar como mediador, como entre a Arábia Saudita e o Irã”, observou o politólogo.

Em abril de 2023, a China iniciou com êxito uma reaproximação dos dois rivais no Golfo Pérsico e ganhou destaque internacional por seu papel de mediadora.

Sandschneider, porém, acredita que esse sucesso não deverá se repetir no conflito entre Israel e o Hamas. “Nesse caso, em particular, a credibilidade da China não vai muito longe.”

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