O baixo preço da energia elétrica neste ano colocou em compasso de espera um conjunto de operações de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) do setor, que prometia ser o mais ativo do ano. No cálculo de bancos de investimento, um volume superior a R$ 10 bilhões em vendas de ativos estavam na mesa neste ano, mas agora tendem a ter o desfecho em 2024 ou 2025.
O ponto crucial para muitas operações serem adiadas foi o fraco crescimento da demanda por energia associado a um cenário com chuvas abundantes, que encheram os reservatórios das hidrelétricas; sobreoferta causada pela massiva entrada de usinas eólicas e solares; falta de reservatórios para hidrelétricas, que desperdiçaram água; restrição para exportação de energia excedente a países vizinho; e crescimento da geração distribuída. A equação completa levou a preços muito mais baixos em relação aos níveis de quando os vendedores colocaram os processo de venda na rua. As informações são de Fernanda Guimarães e Robson Rodrigues , do jornal Valor.
A mudança de cenário fez com que potenciais compradores retomassem suas planilhas, colocando na ponta do lápis o novo retorno projetado. E esse pano de fundo tem frustrado vendedores, que esperavam valores maiores pelos seus ativos. Além do preço da energia, que reduz as perspectivas de rentabilidade do ativo, o juro alto tem afetado também o “valuation”, assim como o custo de financiamento das operações.
A lista de empresas que decidiram vender ativos é grande. No início do ano um conjunto de companhias optaram por seguir com os processos, com uma grande parte ligada à temática ESG, dado o maior interesse global por energia renovável.
Uma das transações que ficou na mesa, a menos por ora, foram os ativos da Elera Renováveis, colocados à venda pela canadense Brookfield, depois da pressão no valor do ativo (“valuation”), tendo em vista o preço da energia no mercado livre. Nesse segmento os consumidores têm a flexibilidade de escolher seus fornecedores e estabelecer contratos com base em fontes, prazos e preços específicos. Procurada, a Brookfield não comentou o assunto.
Segundo fontes envolvidas nas negociações, as transações estão em espera, mas devem voltar à mesa tão logo o preço da energia se recupere. Um banqueiro de investimento citou, por exemplo, que a seca na Amazônia deverá mexer com os preços. Associado a isso, a restrição de transmissão de energia e a saída de Angra 2 do sistema para reabastecimento de combustível, por cerca de 30 dias, podem dar um impulso a mais para a esperada valorização.
“Muita gente não achava que teria uma seca no Brasil”, disse um dos executivos consultados. “A decisão de venda de ativos está tomada, a questão são os preços, que até agora não estão convergindo entre vendedor e comprador”, afirma uma das fontes que acompanha esses processos de fusões e aquisições.
De um contexto de crise hídrica em 2021 e preços da energia que superaram a marca dos R$ 1.500 por megawatt-hora (MWh), o cenário se inverteu ao longo de 2022. O Preço de Liquidação das Diferenças (PLD mínimo), no jargão do setor, que é a referência para contratos, especialmente no mercado livre, está no piso regulatório definido em R$ 69 por MWh.
A tendência é que até 2026 os preços da energia ainda continuem baixos”
— Edvaldo Santana
O acadêmico e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Edvaldo Santana, acredita que o preço da energia deve se manter baixo por mais tempo do que o setor gostaria, já que os reservatórios das hidrelétricas estão com níveis recorde de armazenamento, fator que derruba os preços da energia.
“A tendência é que até 2026 os preços continuem baixos, com pequenas oscilações dependendo do que acontecer com os reservatórios das hidrelétricas. Mesmo com a seca no Norte, faz anos que os reservatórios das usinas não chegam a outubro com quase 70% de armazenamento. É muita água. O período chuvoso começa em dezembro e, se chover dentro da média esperada, teremos água suficiente para chegar ao fim de 2024 com uma situação bastante confortável”, explica Santana.
Na prateleira estão à espera de compradores ativos da Copel, que anunciou que quer vender a térmica de Araucária e a Compagás. A Eletrobras contratou o Morgan Stanley para encontrar compradores para suas térmicas a gás, enquanto a Cemig continua a realizar estudos para a venda da Taesa e da Aliança Energia. A Brookfield e a EDP buscam a renovação de seus portfólios por meio da venda de ativos maduros. Há ainda a privatização da Emae, entre outras.
O responsável pela área de M&A do Goldman Sachs, Pedro Muzzi, aponta, por outro lado, que a atividade do setor segue aquecida, mas que o número de transações tem caído, seguindo uma tendência de toda a indústria, que tem sido mais fraca neste ano. Fora isso, segundo ele, foi observado muito interesse de investidores estrangeiros pelos ativos. “O setor segue bastante ativo.”
Apesar da atividade aquém da esperada, uma série de negócios envolvendo o setor de energia acabou acontecendo no ano, incluindo a venda da usina de Candiota, da Eletrobras, para a Âmbar, e a alienação do controle da usina de Pecém, da EDP, para a Mercurio Asset. Nestes casos, a decisão das empresas de saírem do carvão está mais vinculada às metas de descarbonização, uma vez que as usinas no curto prazo não terão mais contratos e se tornaram ativos sem atratividade.
Se o contexto se inverter, entre os potenciais compradores estão a Petrobras. O diretor executivo de transição energética, Mauricio Tolmasquim, disse recentemente que uma das estratégias da empresa é investir em energias renováveis em parcerias com grandes empresas para acelerar o processo de transição energética. A Auren é outra que também busca adquirir ativos de geração e transmissão. Além dessas, a Gerdau, por meio da Newave Energia, está em busca de projetos eólicos e solares.
Já o setor de transmissão deve se manter bastante aquecido pelas rodadas de leilões promovidos pelo governo federal. No segmento de distribuição, a venda da Coelce (agora Enel Ceará) desandou por conta do processo de renovação das concessões.