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sábado 7 de outubro de 2023 às 09:01h

Marco temporal, aborto, drogas: entenda a sequência de atritos que ampliou a tensão entre STF e Congresso

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


As tensões recentes entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), que culminaram com o avanço no Senado de uma proposta que limita o alcance de decisões monocráticas da Corte, já vêm, na verdade, de longa data. Os últimos meses foram marcados por movimentações de ministros do Supremo que incomodaram parlamentares, e as respectivas queixas e tentativas de contra-ataque por parte de representantes da classe política.

Entre os pontos que colocaram os dois Poderes em rota de colisão, estão ações em tramitação no STF que se debruçam sobre temas como criminalização do porte de drogas, legislação sobre aborto e derrubada do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Os assuntos são vistos como da alçada do Legislativo, e parlamentares se queixam de uma invasão de competência.

Os principais pontos de atrito

  • Suspensão do piso da enfermagem pelo STF
  • Inconstitucionalidade da criminalização do porte de drogas, em julgamento no STF
  • Descriminalização do aborto até as primeiras 12 semanas de gestação, em julgamento no STF
  • Derrubada do marco temporal para demarcação de terras indígenas pelo STF
  • Suspensão da quebra dos sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático de Silvinei Vasques, ex-chefe da Polícia
  • Rodoviária Federal (PRF), pelo STF
  • Limitação das decisões monocráticas, em votação na Comissão da Constituição e Justiça (CCJ) do Senado

Veja, abaixo, um resumo sobre cada tema.

Piso da enfermagem

No ano passado, Luís Roberto Barroso, hoje presidente do STF, suspendeu a lei que estipulava um piso nacional para a enfermagem, que havia sido aprovada pelo Congresso. Ele considerou que não estavam claros os impactos na situação financeira de estados e municípios, na empregabilidade e na qualidade dos serviços de saúde. A decisão foi posteriormente confirmada pelo plenário da Corte.

Presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) reagiu: “Respeito as decisões judiciais, mas não concordo com o mérito em relação ao piso salarial dos enfermeiros. São profissionais que têm direito ao piso e podem contar comigo para continuarmos na luta pela manutenção do que foi decidido em plenário”, disse ele.

O pagamento de acordo com o aumento do piso salarial ficou paralisado até julho deste ano, quando a Corte decidiu liberar o piso da enfermagem para servidores do setor público mediante o atendimento de alguns critérios estabelecidos pelo próprio STF. Antes, o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) já havia sancionado a lei que libera recursos para o piso, e, em seguida, o Ministério da Saúde editou portaria que define os critérios para o repasse dos recursos aos estados e municípios.

Posse de drogas

Após o STF formar maioria pela inconstitucionalidade da criminalização do porte de maconha para consumo próprio, em setembro, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza o porte e a posse de substância ilícita —maconha, inclusive— em qualquer quantidade. Nesta quarta-feira, o senador Efraim Filho (União Brasil-PB) foi definido como relator da proposta. De acordo com material divulgado pelo Senado, a justificativa de Pacheco considera que a saúde é direito de todos e dever do Estado, de forma que políticas públicas são essenciais para “o combate ao abuso de drogas”.

No Supremo, a discussão girava em torno da descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, em especial da maconha. Na época do julgamento, a então presidente do STF, ministra Rosa Weber (hoje aposentada), afirmou que a criminalização do porte da droga para consumo pessoal potencializa estigmas e dificulta a execução da lei em relação ao atendimento, ao tratamento e à reinserção econômica e social de usuários e dependentes.

— Essa incongruência normativa, alinhada à ausência de objetividade para diferenciar usuário de traficante, fomenta a condenação de usuários como se traficantes fossem — disse Rosa.

Aborto

Antes de se despedir da Corte, no fim de setembro, Rosa Weber também retomou a discussão sobre aborto ao votar pela sua descriminalização nas primeiras 12 semanas de gestação, em ação movida pelo PSOL. No voto, a ministra afirmou que o debate jurídico é “sensível e de extrema delicadeza”. Apesar disso, Weber considerou que a criminalização do aborto voluntário, cuja pena pode levar a quatro anos de prisão, “versa questão de direitos, do direito à vida e sua correlação com o direito à saúde e os direitos das mulheres”.

À época, o líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN), afirmou que era preciso levar o tema para o plenário da Casa, acrescentando que a Corte estaria assumindo as funções do Legislativo. Outros parlamentares também reagiram, como Eduardo Girão (Partido Novo-CE):

— É isso que o Supremo Tribunal quer? Incendiar o país, colocando uma pauta a esta altura do campeonato? — disparou o senador na tribuna.

Marco temporal

Em votação com ampla maioria (9 a 2), o STF considerou a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas como inconstitucional, em 21 de setembro deste ano.

— A proteção constitucional aos direitos (dos povos) originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal, em 5 de outubro de 1988, ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição — disse ao votar o ministro Dias Toffoli, lendo trecho do argumento de Alexandre de Moraes.

A reação do Congresso veio logo na semana seguinte, quando o Senado aprovou texto que permite apenas a demarcação de territórios indígenas que já eram ocupados por povos originários na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Na casa, foram 43 votos a favor e 21 contrários.

Silvinei Vasques

Outra rusga entre o STF e o Congresso foi provocada pelo ministro Kassio Nunes Marques, que determinou a suspensão da quebra dos sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático do ex-chefe da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques. Segundo o magistrado, não havia fundamentação legal para a medida, requerida em ação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro

“Como se vê, não há prévia definição do escopo específico para a quebra do sigilo, medida que se afigura ampla e genérica, a alcançar todo o conteúdo das informações bancárias, fiscais, telefônicas e telemáticas privadas”, afirmou, em seu voto, Nunes Marques.

A suspensão repercutiu mal entre os integrantes da comissão, que afirmaram que a decisão do ministro compromete as investigações. A advocacia do Senado deve recorrer da decisão.

— O resultado desse mandado de segurança põe por terra o trabalho de meses e meses de investigação porque sequer poderemos usar uma vírgula, um número sequer de tais dados oficiais, inclusive no relatório final — disse Eliziane Gama, relatora da CPMI.

Mandato fixo

Após as discussões sobre o marco temporal, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), voltou a defender a ideia de imposição de mandatos aos ministros do STF, afirmando que a proposta era boa para o país.

— Considero que é uma tese interessante para o país. Muitos países adotam essa metodologia, muitos ministros do Supremo já defenderam isso. Há matéria legislativa nesse sentido aqui no Senado e acho que é um tema sobre o qual deveríamos nos debruçar e evoluir, não simplesmente aprovar de qualquer jeito. É bom para o Poder Judiciário, para a Suprema Corte, para o país — afirmou Pacheco.

Membros do Supremo reagiram. Decano da Corte, o ministro Gilmar Mendes rebateu a proposta. “É comovente ver o esforço retórico feito para justificar a empreitada: sonham com as Cortes Constitucionais da Europa (contexto parlamentarista), entretanto o mais provável é que acordem com mais uma agência reguladora desvirtuada. Talvez seja esse o objetivo”, disse em postagem nas redes sociais. Relator da proposta que estipula mandato para os integrantes do STF, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) rebateu afirmando que o STF é o “maior foco de insegurança jurídica da nação brasileira”.

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