Governo e Congresso reabriram a batalha em torno da influência que o Parlamento deve ter sobre a destinação de verbas federais. Em uma manobra para driblar o fim do orçamento secreto e aplacar a pressão, o Palácio do Planalto propôs segundo Camila Turtelli e Dimitrius Dantas, do O Globo, o aumento de recursos que podem ser indicados por congressistas, desde que abasteçam iniciativas tratadas como prioritárias pelos ministérios. Do outro lado do cabo de guerra, deputados e senadores desejam mais autonomia. Por isso, articulam o incremento do volume de emendas de pagamento obrigatório, destinadas a projetos de interesse dos representantes do Legislativo, além da criação de um cronograma de repasses. Hoje, o Executivo define o calendário de execução.
Os dois formatos preveem a ampliação de poderio financeiro dos parlamentares. Na prática, o que é defendido pelo Planalto garante maior controle do Executivo sobre como e onde o dinheiro será gasto. A estratégia consiste em remanejar, já na peça orçamentária em vigor neste ano, verbas que estavam previstas em ações que não podem ser apadrinhadas (custeio, entre elas) ou em áreas onde a indicação é difícil. Os recursos estão sendo realocados para projetos nos quais os parlamentares possam deixar suas digitais.
O Ministério da Agricultura tenta transferir R$ 45 milhões do seguro rural a uma ação mais ampla que possa ser usada, por exemplo, na compra de tratores em redutos dos parlamentares que as indicarem ou em reforma de estradas.
“É a ação utilizada pelo Ministério para pulverizar recursos nos municípios, especialmente para compra de patrulhas mecanizadas. Esse recurso foi incluído na LOA 2023 por meio de emenda do relator-geral, e se transformou no novo orçamento secreto”, escreveu a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) em ofício.
Aceno após revolta
No caso da Agricultura, uma das razões da expansão é a insatisfação de deputados e senadores com o fato de o ministro Carlos Fávaro ter concentrado quase metade das verbas reservadas para as indicações neste ano em seu próprio estado, o Mato Grosso. Procurada, a pasta afirmou que fará os investimentos em “ações de desenvolvimento da agropecuária mediante formalização de propostas voluntárias”.
A maioria das ações orçamentárias que está sendo beneficiada é herdeira do orçamento secreto. Quando o instrumento foi vetado por decisão do Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2022, R$ 9,8 bilhões, metade do valor previsto no expediente para 2023, foram redirecionados para sete ministérios, com a promessa de que parlamentares poderiam fazer as indicações. A exemplo do antigo modelo, contudo, não é possível saber quem são os padrinhos.
O Congresso, no entanto, articula o próprio “empoderamento” na definição sobre as verbas, e um dos eixos é tornar obrigatório o pagamento das emendas das comissões temáticas da Câmara e do Senado, cujo montante é de R$ 7,5 bilhões em 2023.
Outra iniciativa prevê amarrar um calendário de pagamento das emendas, vinculando os repasses ao crescimento da arrecadação do governo. Hoje, mesmo naquelas de execução obrigatória, como as individuais, é o Executivo que controla o fluxo de caixa, usando o ritmo para angariar apoios em pautas de interesse no Parlamento.
Um terceiro eixo, com discussão em estágio mais inicial, prevê a criação de um novo tipo de emenda, a de liderança. Líderes partidários teriam direito a valores proporcionais ao tamanho de suas siglas. Há mais resistências nas bancadas a esse mecanismo, no entanto, e mesmo parlamentares favoráveis consideram a implementação mais difícil.
Da parte do governo, as propostas de remanejamento somam R$ 2,1 bilhões e estão previstas em dois Projetos de Lei do Congresso Nacional (PLNs), que já foram aprovados na Comissão Mista de Orçamento e devem ser analisados hoje, em sessão do Congresso. Nem todo montante alvo de mudanças está sendo redirecionado para ações passíveis de apadrinhamento.
Além da Agricultura, um documento do Ministério da Saúde enviado à pasta do Planejamento, responsável pela gestão do Orçamento, pediu R$ 100 milhões que estavam parados no Ministério da Educação para atender a rubrica reservada para parlamentares.
“Os recursos serão destinados a propostas apresentadas pelos gestores estaduais, municipais e distrital da saúde para financiamento emergencial de serviços de saúde da Atenção Especializada, com prioridade para custeio de serviços em funcionamento e com solicitação de financiamento em tramitação no Ministério da Saúde”, afirma o texto.
Outro ofício, este do Ministério da Integração, solicitou o reposicionamento de R$ 210 milhões para a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), órgão inflado durante o governo Bolsonaro e um dos preferidos para indicação do antigo orçamento secreto. O mesmo documento também adiciona R$ 27 milhões na rubrica “A400”, reservada aos congressistas.
Há ainda uma frente que retira R$ 602 milhões da administração direta do ministro das Cidades, Jader Filho, e turbina ainda mais o valor, depositando R$ 632 milhões em ações passíveis de indicação de parlamentares na Codevasf.
‘Teto’ esgotado
Outra iniciativa transfere R$ 400 milhões em custeio na saúde primária para a assistência hospitalar e ambulatorial. Segundo técnicos do Congresso, a primeira ação já teria esgotado seu “teto” em alguns municípios, dificultando a indicação desses recursos. Há cidades que já estouraram o montante que podem receber e se o parlamentar quer injetar mais recursos nesse local, o ministério não permite.
Inicialmente, os projetos não previam todas as mudanças, mas o governo enviou mensagens mudando o texto na última semana de agosto, quando a Câmara votava o arcabouço fiscal e a Medida Provisória do salário mínimo.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), confirma que as alterações são para atender parlamentares e que fazem parte de acordos firmados ainda durante a transição. Mas nega que o governo esteja aumentando o valor de verbas passíveis de indicação.
— Isso é derivado da PEC da Transição. É um recurso que deveria ser redistribuído para atender aos parlamentares. Nós estamos fazendo nada mais do que já está aprovado na Lei Orçamentária e fazendo a distribuição para execução desse recurso.
Para o deputado Mauro Benevides (PDT-CE), a indicação parlamentar é positiva quando trata de investimentos e projetos que possam beneficiar a população. Ele afirma, no entanto, que é preciso entender para quais programas específicos o dinheiro irá.
Os tipos de emenda
- Individuais: No Orçamento deste ano, cada deputado tem direito a indicar R$ 32 milhões e, cada senador, R$ 59 milhões. São impositivas, ou seja, sua execução é obrigatória.
- Coletivas: As bancadas estaduais podem destinar recursos para obras e programas e seu pagamento é obrigatório. As comissões técnicas da Câmara e do Senado também podem fazer indicações, mas sua execução não é impositiva.
- Como é hoje: Além das emendas individuais e coletivas, os parlamentares apadrinham verbas do antigo orçamento secreto, extinto pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro do ano passado. O governo remanejou R$ 9,8 bilhões daquela rubrica para os ministérios.
- O que o governo quer e por quê: O Palácio do Planalto propôs o aumento de recursos que podem ser indicados por parlamentares, desde que dentro de iniciativas já consideradas prioritárias pelos ministérios. Algumas dessas ações orçamentárias receberam verbas herdadas do antigo orçamento secreto, que agora ficam nos caixas dos ministérios, as chamadas RP2. Com isso, o governo garantiria maior poder sobre esse gasto.
- O que os parlamentares querem e por quê: Deputados e senadores articulam o incremento do volume de emendas de pagamento obrigatório e a criação de um cronograma de repasses. Hoje, o ritmo de liberação é ditado pelo Executivo. Os parlamentares querem assim ter mais autonomia sobre a destinação da verba.