Acelerado pela proximidade da COP28 em novembro, e da intenção do governo Lula (PT) de mostrar avanços na área ao participar do evento, o projeto de lei que regula o mercado de carbono avança no Congresso sob atenção do setor empresarial, que negocia mudanças antes da votação pela Comissão de Meio Ambiente do Senado. Há preocupações com parte importante das regras ficar apenas em atos do Executivo, a falta de participação nesses fóruns, com o valor das multas e com a tributação. As informações são de Raphael Di Cunto, Julia Lindner e Marcelo Ribeiro , do jornal Valor.
O mercado de carbono é um mecanismo para diminuir as emissões de gases com efeito estufa pelas empresas. Um comitê do governo federal estabelecerá limites para cada atividade produtiva. As companhias terão um prazo para se adequarem e aquelas que continuarem a soltar na atmosfera gases acima desse valor terão que compensar comprando créditos de carbono de projetos sustentáveis, como de ações de reflorestamento.
O projeto de lei debatido no Senado estabelece as diretrizes de funcionamento desse mercado, o prazo de adaptação, o órgão de supervisão e o patamar mínimo para que uma empresa precise elaborar relatórios com suas emissões (empreendimentos que irradiem mais de 10 mil toneladas de carbono por ano) e que necessite compensa-las (mais de 25 mil toneladas/ano). Esse volume deve enquadrar, majoritariamente, as indústrias.
A decisão da relatora, a senadora Leila Barros (PDT-DF), de deixar boa parte das regras para a regulamentação pelo Comitê Interministerial de Mudança do Clima (CMI) fará com que uma parcela dos embates seja decidida por decretos do governo e não por lei. Serão estabelecidos em norma infralegal, por exemplo, a meta de emissões de cada atividade, ser haverá limites para compensação, quais operações gerarão créditos e o órgão gestor dessa nova política.
Como o prazo de regulamentação será de dois anos após a sanção, mais dois anos de adaptação das empresas, a política só entrará em vigor efetivamente no próximo governo – e que poderá alterar as regras “numa canetada”, afetando a previsibilidade desses investimentos. “É um ponto de preocupação. Idealmente, tem alguns elementos que a gente já queria que estivessem na lei e não dependessem da regulamentação”, afirma a diretora de Clima, Energia e Finanças Sustentáveis do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Viviane Romeiro. Entre esses elementos estão melhorar as regras de governança, como permitir que as empresas, governadores e prefeitos possam votar no comitê que definirá as diretrizes.
Já o pesquisador-sênior do Instituto Talanoa, Shigueo Watanabe Júnior, afirma que a opção por deixar embates para a decisão do Executivo foi sábia porque não haveria condições de aprova-las no Congresso. “O projeto é um ponto de partida. E é um bom ponto de partida”, afirma. Para ele, o ponto de alerta na regulação é quais tipos de projetos de crédito serão aceitos e se haverá teto para compensação. “É uma brecha aberta que me deixa um pouco preocupado.”
O presidente-executivo da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), Thiago Falda, afirma que a entidade é favorável ao projeto, mas defende alterações que “ garantam maior competitividade à indústria” e que não a onerem excessivamente com tributação. Uma das prioridades é retirar do texto a possibilidade de que o governo cobre pela cota de emissões. “O impacto para o setor produtivo nacional pode ser gigantesco, transformando uma política de redução de emissões de gases de efeito estufa para uma política arrecadatória.”
A tributação sobre os créditos de carbono que consta do parecer também gera divergência. Pelo texto, o lucro sobre as operações poderá pagar até 34% de imposto. Bem superior à alíquota cobrada hoje na descarbonização por biocombustíveis (CBIOS). “A carga proposta é alta. Esperava-se que o tratamento para instrumentos de redução e remoção do carbono fosse com maior desoneração fiscal, mesmo que temporária”, diz Viviane Romeiro, do CEBDS.
As multas são outro assunto controverso. Serão, segundo o parecer, proporcionais ao faturamento da empresa, em até 5% das receitas. Essa vinculação, critica a advogada Luciana Gil, do Bichara Advogados, fará com que uma empresa pequena, mas muito poluente, possa receber multa menor do que uma gigante que polua menos. “O ideal era que a multa fosse pela quantidade de emissões”, diz. Há emendas apresentadas para tentar definir regras mais claras para a punição.
O Valor tenta falar com a senadora Leila desde a semana passada, mas não obteve retorno.