O procurador-geral da República, Augusto Aras, encerra seu mandato nesta terça-feira (26) após quatro anos à frente da chefia do Ministério Público Federal (MPF).
Indicado ao posto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2019 e reconduzido em 2021, a escolha de Aras quebrou uma tradição de definir o procurador-geral a partir da lista tríplice elaborada pela categoria.
Em balanço de sua gestão, Aras destaca o “amplo redesenho institucional” que promoveu no Ministério Público Federal (MPF). Disse que redistribuiu a força de trabalho pelo país, criando postos na Amazônia, e que institucionalizou o combate à corrupção dentro do órgão.
Conforme os dados da Procuradoria-Geral da República (PGR), em seu período à frente da instituição, foram instauradas 222 investigações, envolvendo cerca de 500 autoridades com o chamado “foro privilegiado”. Para Aras, o trabalho consolidou o que chamou de “30 anos em quatro”.
A gestão de Aras ficou marcada por arquivamentos de pedidos de investigação contra Bolsonaro. A conduta é vista como uma blindagem do governo anterior, especialmente em temas como a pandemia de covid-19 ou as participações do ex-presidente em manifestações com pautas antidemocráticas. Entre elas, os atos organizados em 7 de setembro de 2021 e 2022.
Em resposta, Aras costuma dizer que procurou não politizar sua atuação, ao arquivar pedidos de apuração feitas por políticos. Ele tem buscado demonstrar que arquivou mais pedidos de apuração contra Lula e seu governo (126, em cerca de oito meses) do que contra Bolsonaro (74, desde setembro de 2019), conforme disse em entrevista ao site Conjur.
Na última sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) em que participou, em 21 de setembro, ele criticou o que chamou de “narrativas distorcidas” sobre sua gestão e disse que houve “incompreensões e falsas narrativas” sobre o trabalho realizado.
Parte das incompreensões deve-se à equivocada perspectiva do Ministério Público protagonizar, ou mesmo apoiar, projetos partidários. Ao MP, a Constituição veda expressamente a atividade político-partidário. Nossa missão não é caminhar pela esquerda ou pela direita, mas garantir que se realize justiça
Augusto Aras
Em nota divulgada em fevereiro, Aras disse que “qualquer imputação de omissão” dirigida a ele “atinge também” os subprocuradores-gerais da República. Conforme o procurador-geral, a sua gestão evitou “excessos, abusos e desvios” que ele considerou “mazelas” que levam processos de gestões anteriores à nulidade.
Natural de Salvador (BA), Augusto Aras tem 64 anos. Entrou no MPF em 1987 e foi promovido a subprocurador-geral da República em 2011. É doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Bahia e bacharel em Direito pela Universidade Católica de Salvador.
“Espectador”
Em um caso célebre, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou o arquivamento, promovido pela PGR, de um inquérito contra Bolsonaro que apurava suposta prevaricação na compra da vacina indiana Covaxin. Na decisão, de março de 2022, Weber disse que o então presidente não tinha o direito à “inércia” ou à “letargia” ao ser comunicado de um crime.
Antes, em julho de 2021, a ministra já havia rejeitado um pedido da PGR para suspender o trâmite de uma notícia-crime contra Bolsonaro, sobre as tratativas da Covaxin, até o fim da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado.
Weber criticou a postura do órgão. Ela disse na decisão que o Ministério Público não pode ter um papel de “espectador das ações dos Poderes da República” e que eventual instauração da CPI “não inviabiliza a apuração simultânea dos mesmos fatos por outros atores investidos de concorrentes atribuições, dentre os quais as autoridades do sistema de justiça criminal”.
Sob sua gestão, a PGR pediu ao STF o arquivamento de apurações preliminares contra Bolsonaro, integrantes do seu governo e congressistas aliados, por fatos levantados pela CPI da Covid, no Senado.
Os pedidos, assinados pela vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo, eram relacionados a apurações sobre supostos crimes de infração de medida sanitária preventiva, epidemia e emprego irregular de verbas públicas.
Cobranças e embates internos
Aras também provocou reações e cobranças de seus próprios colegas na PGR. Em 12 de janeiro, quatro dias depois dos atos que levaram à depredação das sedes dos Três Poderes, um grupo de procuradores pediu a Aras que Bolsonaro fosse investigado por incitação ao crime.
Eles apontam manifestações de Bolsonaro, ao longo dos últimos quatro anos, em que ele atacou o sistema eleitoral e citam postagem feita pelo ex-presidente em 10 de janeiro, com questionamentos ao resultado da eleição.
Essa manifestação que levou, dias depois, a um pedido do subprocurador Carlos Frederico Santos para incluir Bolsonaro em um dos inquéritos sobre o 8 de janeiro. A solicitação foi aceita por Alexandre de Moraes.
Em novembro de 2022, logo depois do segundo turno, um grupo de 200 procuradores acionou Aras apontando “omissão” de Bolsonaro sobre os bloqueios de rodovias por manifestantes contrários ao resultado do pleito. Eles pediam a instauração de inquérito policial para apurar responsabilidades de autoridades.
Em pelo menos duas ocasiões, Aras teve discussões acaloradas com colegas no Conselho Superior do Ministério Público Federal. Em 2020, bateu boca com subprocurador Nicolao Dino, que havia criticado o que chamou de “graves afirmações” do PGR sobre o funcionamento de forças-tarefas no MPF.
Já em maio de 2022, Aras teve um embate com o subprocurador Nívio de Freitas Silva Filho. Ambos ensaiaram entrar em luta corporal, e precisaram ser contidos.
Lava Jato
Crítico da Lava Jato, Aras atuou para desmontar o formato de organização de procuradores em “forças-tarefas, que ficou famoso com o comando de Deltan Dallagnol em Curitiba.
Aras afirma que sua atuação foi no sentido de institucionalizar o combate à corrupção no Ministério Público e de enfrentar o “corporativismo” da carreira. Ele rebate as afirmações de que teria destruído a Lava Jato.
Em 2021, o MPF extinguiu a força-tarefa da operação no Paraná. Os grupos semelhantes da operação em São Paulo e Rio de Janeiro também foram encerrados.
Aras já protagonizou embates públicos com procuradores da Lava Jato. Ele implantou no MPF uma estrutura de investigação ligada aos Gaecos (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
Em publicação em seu perfil na plataforma X (antigo Twitter), ele disse que atualmente a sociedade enxerga o “verdadeiro legado maldito” da operação, seu “’modus operandi’ que ceifa vidas, a política, a economia e afronta a soberania nacional”.
Os embates com a Lava Jato já motivaram acusações dos procuradores da Lava Jato no Paraná de que teria havido uma “tentativa indevida, ilegal e constrangedora” da PGR obter dados sigilosos das investigações.
O foco das críticas era a subprocuradora Lindôra Araújo, considerada o braço direito de Aras e que viria a assumir como vice-procuradora-geral da República. Na ocasião, ela comandava o Grupo de Trabalho da Lava Jato na PGR.
Iniciador dessa tradição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que, assim como Bolsonaro, desta vez não condicionará sua escolha aos nomes selecionados pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
Desponta como favorito para substituir Aras o atual vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gustavo Gonet Branco.
Depois da escolha de Lula, o indicado à PGR ainda precisa passar por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, e aprovação pelo plenário da Casa.
Assim, a Procuradoria-Geral da República deverá ser comandada interinamente pela subprocuradora-geral Elizeta Maria de Paiva Ramos. Ela foi eleita em 5 de setembro como vice-presidente do Conselho Superior do MPF.
Mandato tampão
Atual vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal, Elizeta Ramos deverá chefiar a PGR enquanto o substituto de Aras não tomar posse.
Ramos é subprocuradora-geral da República desde 2009. Na sessão do CSMPF que a elegeu vice-presidente, Aras se referiu a ela como “estimada e querida amiga” e desejou sucesso se houver necessidade de assumir a PGR.
“Se sua excelência tiver a oportunidade de ocupar, ainda que interinamente, a cadeira de PGR, certamente terá a responsabilidade que lhe é própria”, afirmou Aras.
Ramos coordena a Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional, órgão que avalia e fiscaliza a atividades das polícias no país. Na condição de coordenadora, Ramos foi a responsável por pedir explicações à Polícia Rodoviária Federal (PRF) sobre os bloqueios nas rodovias após vitória de Lula nas eleições de 2022. O ofício foi enviado já no dia seguinte ao segundo turno, em 31 de outubro.
Na ocasião, ela também oficiou todos os procuradores-chefes das unidades do MPF nos Estados solicitando explicações sobre as providências adotadas em cada local para impedir esses bloqueios.
No MPF, já atuou como corregedora-geral. Na função, ela foi responsável por abrir sindicâncias relacionadas a operação Lava Jato.
Em abril de 2021, instaurou o procedimento para apurar negociações dos procuradores de Curitiba com autoridades internacionais.
No ano anterior, ela abriu uma sindicância para apurar denúncias feitas quando a então coordenadora do Grupo de Trabalho da Lava Jato na PGR, Lindôra Araújo, esteve em Curitiba para reuniões com integrantes da força-tarefa da operação no Paraná.
Os procuradores haviam enviado ofício à Corregedoria do MPF acusando Lindôra de ter realizado uma manobra ilegal para obter dados sigilosos da operação.
Na cerimônia de posse como corregedora-geral do MPF, em outubro de 2019, Ramos ouviu de Aras que ela “conhece todo o Ministério Público brasileiro com todas as suas peculiaridades, com todos os Brasis que se encontram contidos neste país de dimensões continentais”. O procurador-geral também destacou a afinidade e amizade que mantém com a colega.
Elizeta Ramos flambem já atuou como procuradora Eleitoral substituta, integrante da Câmara Criminal e coordenadora da Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral.
Natural do Rio de Janeiro, é bacharel em direito pela Faculdade de Direito da Universidade Gama Filho. Ingressou no MPF em 1989.