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sábado 9 de setembro de 2023 às 08:07h

Os desafios que o Brasil enfrentará à frente do G20

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País assume pela primeira vez presidência rotativa do grupo. Especialistas avaliam que, além de guerra na Ucrânia, alto endividamento de economias emergentes e fragmentação geopolítica serão temas de peso neste período. A partir de dezembro, o Brasil assumirá a presidência rotativa do G20 pela primeira vez. Durante a cúpula do grupo, que começa neste sábado (9), em Nova Delhi, o presidente Lula da Silva (PT) receberá da Índia formalmente a missão de presidir o G20 no próximo mandato e fará o discurso de encerramento do evento.

O alto endividamento de economias emergentes, a fragmentação geopolítica global e a guerra na Ucrânia devem ser os desafios que o Brasil enfrentará enquanto estiver à frente do G20, na opinião de especialistas ouvidos pela DW. O combate à desigualdade, à fome e o desenvolvimento sustentável no mundo devem ainda serem os temas-chave ao longo deste período, segundo o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, detalhou num evento nesta quarta-feira.

Ao ser questionado sobre o impacto da chegada de Lula à presidência rotativa do G20 em relação ao conflito no Leste europeu, Mauro Viera afirmou que o governo brasileiro condenou a invasão da Rússia à Ucrânia, inclusive em foros internacionais, no entanto, busca um caminho para a paz.

“No G20, há países que sequer conversam com a Rússia e há países que tem a atitude brasileira. Acho que o local é o ideal para esse tipo de divulgação”, afirmou Vieira. Para o ministro, a campanha pela necessidade de uma negociação de paz “está surtindo efeito e poderá continuar a surtir efeito, sobretudo agora, nessa importante reunião do G20”.

Analistas avaliam, contudo, que o Brasil é ambíguo sobre a guerra. “Os votos do país na ONU e as declarações do MRE são bastante moderadas, criticando a invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas as falas do presidente Lula e as falas do embaixador Celso Amorim, assessor Internacional, são muito mais simpáticas à Rússia. Embora reconheçam que a guerra é ruim, culpam muito mais o Ocidente que pelo conflito, além da Otan”, diz o cientista político Maurício Santoro, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha.

Seja na próxima reunião em Nova Delhi como ao longo da presidência brasileira a guerra será uma vulnerabilidade ao grupo, indicam especialistas. Na última sexta-feira, o chanceler russo, Serguei Lavrov, deixou claro que não haverá declaração final neste fim de semana, caso a posição russa não seja refletida. Lavrov substituirá o presidente Vladimir Putin na cúpula. Outra ausência será a do presidente da China, Xi Jinping. O primeiro-ministro Li Qiang vai liderar a missão asiática. A divisão entre países e as ausências prejudicarão o consenso.

“Fica muito mais difícil conseguir uma convergência. Vamos ver se a Índia consegue consenso mínimo para ter um memorando até o fim do encontro”, afirmou o ex-presidente do Banco Mundial e representante do Brasil em reunião do G20 durante o primeiro mandato de Lula, Otaviano Canuto.

Até domingo, prossegue o economista, representantes dos países discutirão cada palavra de uma possível declaração final. Simbolicamente empossado na presidência rotativa do G20 durante a reunião na Índia, caberá a Lula fazer o discurso de encerramento da cúpula, indicando os caminhos de sua gestão no grupo em 2024.

Tema não prioritário

A guerra na Ucrânia já vem sendo tratada como um tema não prioritário para a presidência rotativa brasileira por instituições relacionadas ao evento. “Não entendemos que o conflito deva ser um tema prioritário do G20. Se conveniente, pode até haver uma manifestação a favor de negociações de paz. Mas esse tema não deve ser dominante no G20 e no T20”, alertou o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), José Pio Borges.

O T20 é uma representação da sociedade civil que reúne think tanks e centros de pesquisa dos países do G20 em cada presidência. Foi criado em 2012, durante a presidência mexicana, e no Brasil será coordenado pelo três instituições: o CEBRI, a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), vinculada ao MRE, e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento. O grupo participa de conferências e elabora de documentos para influenciar as orientações, recomendações e declarações finais do G20.

“Paz e segurança não são temas que costumam ser tratados no G20. Contudo, obviamente os impactos das guerras devem ser discutidos dentro de suas perspectivas para a agenda do desenvolvimento e dos condicionantes para o seu financiamento”, disse à DW a presidente do Ipea, Luciana Mendes Santos Servo, que participou do primeiro encontro do T20 no Rio, junto aos demais integrantes, na última semana.

Para Mauricio Santoro, se existe a possibilidade e interesse de o Brasil se tornar um mediador pela paz, ele precisará deixar clara sua posição sobre a guerra e enfrentar o tema. O cientista social reforça que dentro do governo brasileiro há visões em conflito sobre a guerra e alguns países preferem ficar neutros, como a Índia.

“Entendo essa relutância do Brasil, mas o que compreendo que essa é a grande questão de política internacional do momento”, conclui. Se o G20 decidir ficar de fora dessa discussão, Santoro questiona o que então será discutido: “Se quiser realmente enfrentar os grandes problemas, o resultado será uma série de declarações vagas e genéricas sobre a importância do desenvolvimento econômico. Esse é um dilema que vai se colocar para o Brasil”.

Fragmentação da economia global

A presidência brasileira enfrentará outras questões, em especial, diante das bandeiras do combate global à fome, desigualdade e defesa do desenvolvimento sustentável. Países em desenvolvimento estão com dívidas públicas elevadas ou impagáveis, segundo o ex-presidente do Banco Mundial, Otaviano Canuto.

“Isso é um problema grave. Vai ter de ter uma reestruturação com perdão de dívida. Mas quando se consegue um acordo, como agora o de Zâmbia, é limitado. O arcabouço que idealmente teria de ser corroborado e adotado por todos os países do G20, que são credores, não está lá”, afirma o economista.

Além disso, há um impasse entre, de um lado, os governos de países credores avançados, cujo crédito agora é proporcionalmente menor, porque já perdoou dívidas no passado, e de outro, China, querendo seguir no caminho próprio bilateral, afirma ele. Outro desafio é a crescente fragmentação da economia global. “É um problema que terá de ser discutido de uma forma ou de outra, mesmo que não se ache uma solução”, afirma Canuto.

O mundo vem fragmentado desde a guerra comercial iniciada pelo ex-presidente dos EUA Donald Trump contra a China, rupturas nas cadeias de valor com a pandemia e busca da nacionalização na produção de bens, além da guerra da Ucrânia, que acirrou o componente geopolítico. A despeito das adversidades, há otimismo para a presidência brasileira.

“Há uma expectativa de que o Brasil assuma um papel central na agenda ambiental, tanto climática quanto da transição energética, e ao mesmo tempo avance na discussão sobre o multilateralismo, o financiamento para o desenvolvimento, e declare a centralidade de uma agenda de combate às desigualdades”, conclui a presidente do Ipea. Ela afirma ainda que o G20 pode apoiar a preparação da COP 30, que será sediada pelo Brasil em 2025.

Especificamente quanto ao BRICS, Mauricio Santoro alerta que a entrada de mais países, definida na cúpula de agosto do bloco, foi mal-recebida pelos Estados Unidos e Europa. Este é outro elemento dissonante no âmbito do G20.

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