O Paraguai quer substituir, até onde conseguir segundo Rafael Vazquez , do jornal Valor, importações de produtos chineses para o Brasil aproveitando o baixo custo da mão de obra e a produtividade em alta. A estratégia faz parte do plano do novo governo paraguaio. O presidente Santiago Peña assumiu o mandato de cinco anos no último dia 15 de agosto e tem Carlos Fernández Valdovinos como o seu homem forte no planejamento e execução da política econômica.
Formado em economia pela Universidade Federal do Paraná, onde aprendeu a falar português fluentemente, Valdovinos teve passagens por Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) antes de ser presidente do Banco Central do Paraguai entre 2013 e 2018. Em 2017, foi eleito pela revista britânica “The Banker” como o melhor banqueiro central – mesmo título que Roberto Campos Neto obteve em 2020.
Oriundo da Universidade de Chicago, onde concluiu o doutorado no fim da década de 1990, o paraguaio se coloca como entusiasta do livre mercado e sugere que os vizinhos maiores (Brasil e Argentina) deveriam reduzir seus impostos de importação para ajudar a combater práticas de contrabando nas fronteiras. Contudo, defende que toda a estratégia comercial seja elaborada dentro do Mercosul, ao contrário do Uruguai, que vem buscando autonomia para fechar acordos bilaterais com o resto do mundo.
Apesar da linha de pensamento econômico mais liberal, que contrasta com boa parte dos aliados próximos de Lula, Valdovinos aponta que as relações serão pautadas pelo pragmatismo e que o desejo do lado paraguaio de fortalecer negócios com o empresariado brasileiro se sobrepõe a ideologias. A postura amistosa, segundo Valdovinos, é benéfica para os dois lados, mas é especialmente vantajosa para o Paraguai que tem o Brasil, hoje, como o seu maior parceiro comercial.
Além disso, passados 50 anos da construção da usina binacional de Itaipu e do pagamento integral da dívida, os dois países estão prestes a iniciar negociações formais em torno do preço que o Brasil paga pelo excedente de energia não utilizado pelo Paraguai. Em tom pacífico, Valdovinos não esconde que um reajuste será bem-vindo para acelerar o desenvolvimento social e econômico paraguaio, mas pondera que o seu país está aberto a escutar as demandas do Brasil.
Leia os principais trechos da entrevista ao jornal Valor:
Brasil é prioridade
Tem gente que fala que temos que fortalecer laços com a China ou que temos que aprofundar as relações com os EUA e que a União Europeia também é importante. É verdade, mas para nós o principal sócio estratégico é e vai continuar sendo o Brasil, tanto nas relações políticas quanto nas econômicas. É por isso que estamos fazendo todo o esforço possível para apresentar os planos do governo aí no Brasil. Anos atrás, os EUA eram os maiores investidores estrangeiros no Paraguai. Porém, há dois anos, o Brasil já é o maior. Portanto, faz todo sentido aprofundar a relação. E isso sem contar com a migração importante de brasileiros que tem no Paraguai e o fato de que o maior mercado para pelo menos 10% das exportações paraguaias, originadas pelas maquilas, é o Brasil. Além disso, o maior ativo físico que o Paraguai possui é Itaipu, que compartilhamos com o Brasil. Qualquer lado que olhamos, faz sentido priorizar a boa relação com os brasileiros, tanto com o governo quanto com o setor privado.
Revisão do Tratado de Itaipu
Olhar Itaipu apenas como um ativo que gera energia seria uma visão muito pobre do maior ativo que o Paraguai tem. E também um dos maiores que o Brasil possui. Temos que olhar Itaipu não só como gerador de energia, mas como gerador de desenvolvimento dos dois povos. Precisamos ser muito inteligentes sobre como usar Itaipu para atingir esses objetivos. Com isso em mente, vamos sentar e negociar. Como se trata de um empreendimento bilateral, acredito que os benefícios têm que ir para os dois países e é essa a ideia que vamos apresentar. E obviamente também vamos escutar o Brasil.
Excedente de Itaipu
A tarifa não é a única coisa que temos que olhar. Tem muitas outras coisas que vão ser bem importantes para chegar a um acordo entre o Brasil e o Paraguai. Então, vamos tentar acordar coisas além da tarifa. Eu, como ministro da Economia e Finanças, inclusive prefiro ser cuidadoso em relação a qualquer potencial dinheiro a mais que possa entrar no Paraguai porque fazer planos para gastar dinheiro que ainda não se tem é o pior que um ministro pode fazer. Logicamente há muitas necessidades ainda no Paraguai em educação, saúde, segurança, mas não seria aconselhável já fazer planos sobre como investir o dinheiro que poderia vir para o Paraguai. Teremos tempo para isso. Por ora, vamos sentar para conversar e ver o que será bom para os dois países.
Lula e Itaipu
O presidente Lula já mostrou durante muito tempo que é amigo não só do Paraguai, mas de países que são menos desenvolvidos que o Brasil. É uma característica dele e não acho que isso vai mudar. Porém, isso não significa que vai ser fácil para o Paraguai conseguir tudo o que quer. Respeitamos muito a opinião do lado do Brasil. É uma negociação e sabemos que vai ter coisas que vamos conseguir e outras que não serão possíveis. Não pretendemos conduzir uma conversa baseada em imposições do Paraguai.
Para nós é tudo dentro do Mercosul, nada fora do Mercosul. Para o Paraguai, o bloco foi um instrumento muito importante para o nosso desenvolvimento. Só um exemplo: 10% das exportações paraguaias, hoje, são produtos de maquila [indústria que importa matéria-prima sem pagar impostos para produzir e vender ao exterior]. Dentro disso, 80% vão para o Brasil e um pouquinho mais para a Argentina. O Paraguai conseguiu desenvolver a maquila somente porque está dentro do Mercosul e porque vende sem impostos para o Brasil e para a Argentina. Portanto, vamos tentar potencializar a união dos países.
Conciliação
Sobre as queixas do Uruguai em relação ao Mercosul, entendemos a frustração. O Uruguai gostaria de ir a 120 km por hora e o Mercosul está indo a 40 km/h. É verdade. Mas, como eu falei antes, para nós o Mercosul é fundamental. Mesmo para um acordo com a União Europeia, uma coisa é fazer a negociação com o Mercosul e outra é negociar individualmente. Quando se é um país pequeno, é bem mais difícil conseguir um acordo satisfatório e ainda mais despertar o interesse de outra zona econômica para fazer um acordo com você. Portanto, o Paraguai vai ficar mesmo com o Mercosul, tentando aprofundar os laços.
Moeda comum
Uma moeda única vai além do voluntarismo político. Há muitas implicações econômicas. E vamos ter que fazer uma análise rigorosa das conveniências, desvantagens e vantagens que teria. Vejo que ainda temos uma longa estrada para percorrer antes de conseguir uma moeda única aqui no bloco.
Venezuela
O presidente Peña tem falado que vai restabelecer as relações com a Venezuela sem deixar de apontar os problemas de direitos humanos. Se ficarmos afastados aqui no sul, não teremos como ajudar. Essa é a questão política. Agora, no aspecto econômico, é um desafio muito grande. Sempre que um país tem volatilidade macroeconômica fica bem difícil aprofundar os laços. É um pouco o que reclama o Uruguai. A própria Argentina, que é um caso menos extremo do que a Venezuela, tem esse desafio de consertar o ambiente macroeconômico para potencializar o Mercosul.
É uma palavra que gostamos muito por aqui. O mais importante que temos no Paraguai é a estabilidade macroeconômica. Dia 5 de outubro, celebraremos 80 anos com a mesma moeda. Não tiramos nenhum zero. No mesmo período, o Brasil e a Argentina, por exemplo, já tiraram mais de uma dezena de zeros em seus planos de reformulação. Por isso, embora o Paraguai não seja muito conhecido por parte dos investidores, é uma terra fértil para investimento. Inclusive, a Fundação Getulio Vargas (FGV) indica que atualmente temos o melhor clima de negócios na América Latina. Prezamos pela estabilidade macroeconômica, o respeito pela propriedade privada, não falamos de nacionalização de empresas, nada disso. Sem mencionar que temos taxas de impostos muito competitivas.
Competição tributária
Observo com muita simpatia o Brasil tentando fazer as reformas que o permitirão crescer mais. O Brasil é o maior mercado de exportação do Paraguai. Portanto, um desempenho econômico brasileiro forte é bom para nós. Agora, em termos de concorrência nessa área de carga tributária, o Paraguai permanecerá melhor que o Brasil. Não vai ter jeito de ter as mesmas condições que temos aqui. Por outro lado, o Paraguai é pequeno para o tamanho do Brasil. Não vamos conseguir competir com toda a indústria brasileira. Em alguns setores, sim, mas não em todos. É por isso que torcemos para que as reformas impositivas e de regulação continuem andando no Brasil.
Contrabando
É verdade que existe contrabando forte do Paraguai para o Brasil. Mas imaginem agora, com a moeda argentina despencando, os problemas que também estamos tendo no Paraguai. Há um elemento importante nessa questão que é o fato do Paraguai ser um dos poucos países do mundo com suas cidades principais nas fronteiras, seja Assunção e Encarnación [cidades fronteiriças com a Argentina], seja Ciudad del Este e Pedro Juan Cavalheiro [fronteiriças ao Brasil]. Isso faz com que o comércio seja incrível – o legal e o ilegal. Mas o contrabando é um problema dos dois países que deve ser trabalhado pelas autoridades dos dois lados, pois muitas vezes está relacionado com a competitividade dos impostos.