Ao considerar inconstitucional a regra que ampliava as restrições à atuação de juízes em processos de clientes de escritórios de advocacia onde seus familiares trabalham, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) contrariou pareceres de diferentes instituições ouvidas ao longo do processo, iniciado em 2018. Câmara, Senado, Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Advocacia-Geral da União (AGU) foram contra o pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para derrubar o artigo do Código de Processo Civil que havia fixado a norma.. As informações são de Marlen Couto, do jornal O GLOBO.
A manutenção do impedimento de juízes, apontado nos pareceres, foi seguido pelos ministros Edson Fachin, relator do caso, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Eles defendiam que o juiz não pode julgar casos de clientes das bancas em que seus parentes ou cônjuges trabalham, mesmo que o escritório atue apenas em processos que não estejam na Corte daquele magistrado. Prevaleceu, porém, a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes.
A AMB argumentou que seria impossível para um juiz cumprir a regra por não ter acesso à lista de clientes de escritórios de companheiro ou parente. Além de casos em todas as instâncias, a decisão afeta diretamente ministros do STF: Gilmar, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli são casados com advogadas. Barroso, Fachin e Luiz Fux são pais de advogados.
A Câmara, à época comandada por Rodrigo Maia (PSDB-RJ), informou ao STF que a proposta legislativa que deu origem à lei, de 2015, que incluiu no Código de Processo Civil o dispositivo em discussão, observou “os trâmites constitucionais e regimentais inerentes à espécie”. Na mesma linha, a equipe jurídica do Senado apontou que “a norma impugnada não viola o devido processo legal, ao contrário”.
Casos extremos
O Senado rebateu a afirmação de que o juiz, ao examinar o processo, não terá como saber que uma das partes é cliente de escritórios de parentes. Para a Casa, o entendimento fixado no texto aprovado no Congresso é que, “se o juiz não souber que uma das partes do processo é cliente do advogado que venha a ser seu cônjuge, evidente que ele nada pode fazer a respeito; ninguém pode ser obrigado ao impossível”.
Os advogados sustentaram que, se o juiz tiver conhecimento do fato, deve declarar-se impedido de julgar, “independente de tal fato ter ou não ter o potencial de influenciar sua imparcialidade”. Também citaram que não cabe à parte “enxovalhar” o juiz, como apontou a associação de magistrados, mas “alegá-lo ao juiz”. Isso porque o texto fixa um prazo de 15 dias, a contar do conhecimento do fato, para a parte alegar o impedimento ou suspeição.
A interpretação foi reiterada pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em manifestação pela improcedência do pedido da associação em 2019. “Os cenários trazidos pela AMB são possíveis no mundo dos fatos, mas configuram situações excepcionais e passíveis de esclarecimento pelo magistrado, especialmente por não haver exigência legal ou constitucional para que o juiz faça levantamento da carta de cliente dos parentes. Com efeito, se o julgador não tiver conhecimento de causa de impedimento, não há desvio ético imputável”, apontou o texto.
Advogada-geral da União do governo Michel Temer, Grace Mendonça defendeu que a regra contribui para a proteção da imparcialidade do magistrado e encontra amparo na Constituição, “não havendo que se falar em violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”.
A AGU argumentou que a medida é “razoável e, em geral, de simples aferição” e que a identificação de eventual causa de impedimento não é atribuição exclusiva do juiz. O Código de Processo Civil estabelece o procedimento para a parte alegar sua ocorrência, destacou, e cabe ao magistrado analisar o pedido. No caso de recusa, a decisão caberia ao tribunal.
“A constitucionalidade da norma não pode ser infirmada pela suposição de situações extremas em desconsideração a tantas outras ocasiões concretas nas quais a observância do disposto no artigo 144, inciso VIII, do Código de Processo Civil serviria para garantir um julgamento justo”, escreveu.