O número de crianças, adolescentes e familiares ameaçados de morte incluídos no programa federal de proteção explodiu no primeiro semestre deste ano. Entre janeiro e junho, 377 crianças e adolescentes e 468 familiares (845, ao todo) passaram a fazer parte do programa. É mais do que as 701 pessoas incluídas ao longo de todo o ano de 2022, por exemplo, ou os 659 incluídos ao longo de 2021.
Um dos fatores para o aumento expressivo destes primeiros meses de 2023 são os efeitos econômicos ainda gerados pela pandemia de Covid, segundo especialistas (veja mais abaixo).
O Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), gerido pelo Ministério dos Direitos Humanos, completa 20 anos em 2023. Até dezembro do ano passado, havia protegido mais de 13 mil pessoas, segundo dados oficiais.
São crianças, adolescentes e parentes em situações de ameaça iminente de morte, em sua maioria do sexo masculino e negros. No ano passado, quase um terço dos incluídos no programa tinha menos de 16 anos.
Segundo os dados do MDH, 63% dos incluídos no programa entre 2018 e 2022 estavam relacionados a problemas com o tráfico de drogas. A segunda principal causa — vingança e acerto de contas — responde por 15% dos casos.
“A grande maioria dos adolescentes acabam indo para o programa por questões relacionadas às drogas. Usuários endividados ameaçados de morte, alguns considerados delatores de facções e grupos criminosos e outros que tentam deixar as facções e grupos criminosos. Existem também aqueles ameaçados de morte por milícias, grupos de extermínio e por policiais”, explica o advogado Ariel de Castro Alves, que comandou até maio a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, responsável pelo programa.
De acordo com ele, a vulnerabilidade socioeconômica de crianças e adolescentes de camadas menos favorecidas da população aumento após a pandemia.
“A vulnerabilidade de crianças e adolescentes se agravou com a degradação da situação econômica e social das famílias e com a evasão escolar”, argumentou o advogado.
“Pela falta de oportunidades educacionais e programas de oportunidades e inclusão social por meio de bolsas de estudos e vagas de aprendizagem e estágios, os adolescentes ficam cada vez mais expostos ao aliciamento do tráfico de drogas e depois são condenados a não mais saírem dos grupos criminosos que exploram a mão de obra infanto-juvenil”, afirma Ariel.
Aumento no orçamento
A maior necessidade de proteção forçou um reajuste no orçamento do programa. Em 2013, o programa custou R$ 5,9 milhões, pouco mais de R$ 10 milhões após correção pela inflação. Já no ano passado, o valor gasto subiu para R$ 18,2 milhões e, neste ano, a previsão é de gastar pelo menos R$ 27 milhões.
“As previsões orçamentárias não acompanharam a hiperinflação que atingiu todas as regiões do País, o que repercutiu na limitação de atendimento de novos casos pelo programa. Com isso os novos aportes serviram como correção dessa diferença financeira apresentada no período pós-pandêmico”, explicou o ministério em nota.
O ex-secretário explica que foi necessário pedir mais dinheiro após indicações dos técnicos do programa e demandas de estados para atendimentos, mas nem todos os estados integram o programa. Hoje, há protegidos pelo programa de 17 estados e do Distrito Federal, e o programa atua junto aos casos dos demais estados que não integram o programa.
Segundo o ministério, o objetivo é formalizar convênios para implantação do PPCAAM em Goiás, Amapá, Mato Grosso do Sul e Roraima ainda este ano. Tocantins e Sergipe seriam integrados em 2024 e Rondônia e Mato Grosso, em 2025.
Expansão
A expansão do programa foi um dos pontos sugeridos pelo Conanda em nota divulgada no começo de agosto. O conselho se manifestou sobre episódios de violência em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, inclusive com mortes de crianças, e pediu – entre outras coisas – a expansão e reestruturação do PPCAAM.
“O Programa de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte deve ser expandido para todo o Brasil e deve ser reestruturado de modo a compreender os fenômenos que geram ameaças e atuar também de modo preventivo nos territórios”, disse o conselho.
Em resposta ao que sugere o Conanda, o MDH destacou que há previsão, para o ano que vem, de um Plano de Prevenção da Violência Letal contra a Criança e o Adolescente. Mas o ex-secretário ressalta a necessidade de ações dos governos estaduais.
“Os estados precisam criar os comitês de enfrentamento da letalidade infanto-juvenil”, diz Ariel. “Esses comitês precisam desencadear pesquisas e levantamentos dos diagnósticos de letalidade”, destaca o secretário, que enfatiza a relevância de dados estatísticos sobre os crimes para implementação de ações como reforço de policiamento, implantação de delegacias especializadas e programas de educação e inclusão, entre outras.