sexta-feira 18 de agosto de 2023 às 09:25h
‘A chance de sucesso é muito maior’, diz Rui Costa sobre PP e Republicanos participando do governo
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou ao Valor que os leilões de três linhas de transmissão de energia elétrica que estão em andamento vão garantir até R$ 150 bilhões em investimentos nas áreas de energia eólica e solar. Diante do apagão que comprometeu o fornecimento de energia em várias regiões do país nesta semana, Costa descartou uma falha estrutural, que pudesse ameaçar investimentos no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O ministro afirmou tratar-se de um problema operacional, técnico. Em contrapartida, ele observou que a execução de obras com projetos em fase avançada, licenciados e com financiamento assegurado, só começam quando a construção da linha de transmissão já começou. “Sem a linha de transmissão esses projetos não existem”, afirmou.
Costa também afastou o risco de que a demora na concessão de licenciamentos ambientais impacte o ritmo de execução do PAC. Ele afirmou que o esforço do governo será evitar “extremismos”: “se não puder tocar em nada, você não faz nada”. Segundo Costa, essa diretriz aplica-se, também, ao pleito da Petrobras de explorar petróleo na margem equatorial do rio Amazonas.
Embora o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tenha adiado a votação de matérias de interesse do governo, como o desfecho do novo arcabouço fiscal, Rui Costa insistiu que a relação com o Legislativo está boa.
O ministro chamou as turbulências com o Congresso de “puxa e estica” natural nas relações entre os poderes.
Ele adiantou que deseja dialogar com Lira sobre projetos em tramitação que podem impulsionar o PAC, como uma proposta de debêntures de investimento, e outra de revisão do marco de concessões e PPPS.
A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: O atos de corrupção investigados na Operação Lava-Jato levaram ao encolhimento ou fechamento de várias empreiteiras. Existe a preocupação de que faltem no país empresas de grande porte para executar as obras mais complexas e de maior dimensão?
Costa: Hoje não tem empresa no Brasil com fôlego para fazer sozinha uma obra desse tamanho [citou a ponte Salvador-Itaparica, não incluída no PAC]. O que vamos estimular, e esperamos que o mercado se arrume nesse sentido, é que façam consórcios entre si. Até que ganhem fôlego novamente vamos viver uma fase de transição.
Valor: Como será essa fase?
Costa: Para reconstituir grandes empresas, para o Brasil reconstituir nossa engenharia, que foi desmontada [após a Lava-Jato]. Levou-se um longo período sem fazer nenhum investimento, isso desestimulou a formação de engenheiros. Empresas que eram maiores no passado, continuam grandes, mas estão sem fôlego, sem capacidade financeira para tocar obras de grande porte sozinhas. Vão ter que se associar entre elas, ou com alguma internacional, e daqui a alguns anos, voltarão a ter musculatura.
Valor: O governo vai criar linhas de crédito para ajudar as empresas interessadas em investir no PAC?
Costa: Temos reunião nesta sexta-feira no Ministério da Fazenda com os bancos públicos para discutir linhas de financiamento para Estados, municípios, e para alavancar projetos de concessões e de PPPs. Também vamos discutir a estruturação do Fundo Garantidor da União.
Valor: Haverá linhas de estímulo para projetos relacionados à transição energética?
Costa: A Fazenda está preparando um “fundo verde” para captar recursos internacionais a taxas mais baratas, como os chamados “green golds”, os fundos verdes internacionais que oferecem recursos para projetos de descarbonização a um custo mais baixo.
Valor: Qual o objetivo desse “fundo verde”?
Costa: Vamos captar esses recursos para aportar aqui em projetos de descarbonização. O governo assume o risco cambial, e com isso a gente consegue reduzir os preços dos projetos. Uma concessão para um metrô ou um VLT [veículo leve sobre trilhos] a um preço mais baixo implica uma passagem mais barata. Quem paga uma taxa de juro alto e vai executar aquela obra, termina elevando o preço do serviço pelo qual a população vai pagar.
Tudo vai ter prazo dentro do limite razoável de tempo para que a gente tenha uma solução”
Valor: A execução do PAC também depende do arcabouço fiscal, que está prevendo um déficit zero. Como garantir o volume de recursos para as obras?
Costa: É um planejamento articulado em conjunto, estamos dialogando o tempo todo com os ministérios da Fazenda, do Planejamento, fazendo reuniões quase semanais da Junta Orçamentária. O núcleo central de gestão do PAC envolve todos os membros do colegiado, não tem nada sendo incluído no programa que não esteja alicerçado em receitas previstas. Por isso, pela limitação de recursos orçamentários, e por uma questão filosófica de entender que é mais eficiente, este PAC se diferencia dos outros por ter um volume muito maior de PPPs e concessões, é mais alicerçado na atração de investimento privado do que público.
Valor: Como fazer para que as obras do PAC não tenham problemas com licenciamento ambiental como ocorreu com o pedido da Petrobras para explorar em local próximo à foz do Amazonas?
Costa: Estamos chamando as pessoas que estavam no cadastro reserva do concurso do Ibama para reforçar a equipe de análise dos projetos, e fazer um novo concurso. É basilar no PAC o tema sustentabilidade, transição ecológica e transição energética. E nós vamos, a partir daí, dialogar, evitando os extremismos tanto daqueles que acham que pode tudo, pode destruir o que for, quanto daqueles que dizem que não pode tocar em nada. Se não puder tocar em nada, você não faz nada.
Valor: Como contornar os extremismos no governo?
Costa: Tem que responder como pode, qual é a alternativa em que você preserve o meio ambiente, garanta as condições ambientais, mas possa fazer a melhoria da qualidade de vida das pessoas, possa melhorar a logística do país, reduzir custos para a produção nacional, seja custo industrial ou agrícola. E vamos intensificar esse diálogo para buscar o mais rápido possível conseguir o licenciamento. Nós temos um grupo de trabalho do PAC com especialistas para cuidar exclusivamente da questão ambiental.
Valor: A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, vão ser chamados para conversar?
Costa: Conversamos com eles sobre várias obras do PAC, as obras mais sensíveis. Algumas obras do PAC, inclusive, nós colocamos condicionadas ao resultado de grupo de trabalho. Por exemplo, a obra BR-319 lá no Amazonas, a Ferrogrão.
Valor: Mas tem um prazo para as respostas do GT?
Costa: Tudo vai ter prazo dentro do limite razoável de tempo para que a gente tenha uma solução. Não é um grupo de trabalho indefinido. Que num tempo exíguo a gente consiga dizer se tem técnica, tem condições de ser feita essa obra. A mesma coisa a questão da exploração do petróleo
Valor: Na foz do Amazonas
Costa: Eu não gosto de dizer foz do rio [Amazonas], porque são 350 km [da costa]. É muito longe. E, se você raciocinar, a 50 km dali, depois da divisa do Brasil, tem várias plataformas explorando petróleo [na Guiana]. Não é nem furando para ver se tem, mas produzindo. Aí eu pergunto: se tiver um problema a 50 km dali, onde está a divisa, qual é a diferença de 50 km para cá? Muito provavelmente, essa plataforma que está do outro lado da linha imaginária da divisa do Brasil está puxando óleo da mesma bacia.
Valor: A expectativa é que essa licença saia no atual mandato do presidente Lula?
Costa: Com absoluta certeza. Nós estamos falando de furar para saber se tem petróleo. Em produção, com certeza aquilo não entra até o final do mandato do presidente Lula.
Valor: O PAC estima R$ 600 bilhões de investimentos privados. Como vocês vão atrair esse dinheiro?
Costa: Vou dar um exemplo: nós estamos fazendo leilões de três linhas de transmissão de energia elétrica. Um já foi licitado, outro até novembro e o terceiro até março. Só essas três linhas de transmissão, nós temos R$ 150 bilhões em projetos de energia eólica e solar que já estão prontos, licenciados e com financiamento assegurado, só esperando a assinatura do contrato. Eles normalmente começam a obra quando garantem que a construção da linha já começou. Nós botamos isso no PAC porque sem a linha de transmissão esses projetos não existem.
Valor: O apagão que comprometeu o fornecimento de energia em várias regiões nesta semana não afugenta os investimentos?
Costa:O apagão não é um problema de oferta de energia. É um problema operacional, técnico, que precisa ser investigado e deixar claro as causas que levaram a isso. Isso está sendo encaminhado pelo Ministério de Minas e Energia, que pediu apoio para a Polícia Federal na investigação.
Valor: Por que chamar a PF?
Costa: Porque o ministério não sentiu boa vontade da empresa privatizada, a Eletrobrás, em deixar transparente para a opinião pública o que aconteceu nas unidades sob a sua gestão. Queremos saber qual foi a motivação que levou a isso. Foi um problema operacional mas ninguém sabe ainda se foi por dolo ou falha técnica.
Valor: Não preocupa o governo do ponto de vista de impacto na opinião pública, ou de investimentos para o PAC?
Costa: Justamente por ser algo tão fundamental para a vida dos brasileiros, o governo pediu ajuda da Polícia Federal. Não preocupa do ponto de vista da retomada do crescimento porque não é problema estrutural.
Valor: Como evitar que novos casos de corrupção contaminem o Novo PAC?
Costa: Aperfeiçoando os sistemas de controle interno dos órgãos federais, dos tribunais de contas, do Ministério Público. Avançou-se muito no grau de transparência pública. O que temos que evitar é que se penalize a população ou a economia por conta do desvio de conduta de uma ou de duas ou de dez pessoas.
Valor: Será preciso uma boa relação com o Congresso para, entre outras coisas, melhorar o ambiente regulatório. Agora essa relação não está muito boa, as votações na Câmara estão paralisadas. Como fazer para garantir a votação dos projetos relacionados ao eixo institucional do PAC?
Costa: Eu não acho que esteja ruim a relação [com o Congresso]. Nós temos conseguido dialogando, negociando, aprovar as medidas do governo. Óbvio que esse puxa e estica é natural na relação com o Congresso. Não tivemos até agora nada que fosse essencial para o governo que não tivesse sido aprovado. Pode às vezes não ser na velocidade que nós gostaríamos, mas nada deixou de ser aprovado até agora.
Valor: A reforma ministerial vai alterar essa relação?
Costa: Se você é convidado para uma festa, é uma coisa. Se você ajudou a organizar aquela festa, vai torcer muito mais para que a festa seja um sucesso. Quando você é parte da construção, você se compromete mais. Evidentemente, ampliando o número de pessoas que participam do governo, todos se sentirão parte, se sentirão responsáveis pelo resultado. E, portanto, acho que a chance de sucesso é muito maior. É por isso que é importante incorporar outras forças políticas [ao governo]. Porque todo mundo vai se sentir parte disso.