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quarta-feira 9 de agosto de 2023 às 08:54h

Novo capítulo de incentivo a montadoras faz renascer debate sobre benefícios ao setor

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A política de incentivos fiscais para montadoras no Brasil sempre foi uma história mal-contada, sujeita a brechas e com ramificações difíceis de acompanhar. A proposta de prorrogar por cinco anos, a partir do fim de 2025, o programa segundo Marli Olmos, do jornal Valor, que beneficia empresas no Nordeste e Centro-Oeste veio à tona com a reforma tributária e provocou a ira dos fabricantes instalados no Sul e Sudeste. Mais do que uma briga entre montadoras, a questão, que envolve renúncia fiscal de R$ 5 bilhões ao ano, pode ser a chance de parlamentares e Executivo analisarem o quanto esses programas agregam aos planos de desenvolvimento regional no país.

A proposta de prorrogação de incentivos no Nordeste, a quarta da lei criada em 1997, entrou, inesperadamente, como destaque, na votação do texto da reforma tributária na Câmara. Não passou, por um voto. Ressurge, agora, no Senado. Os interessados buscam proteção para esse benefício no período de transição da reforma.

Embora a necessidade de buscar meios de facilitar a instalação de uma fábrica da chinesa BYD na Bahia esteja no radar do governo, a prorrogação dos incentivos atende principalmente a interesses da Stellantis, com fábrica em Pernambuco. E, em escala menor, à Caoa Chery, com unidade em Anápolis (GO), e ao grupo HPE (Mitsubishi e Suzuki), em Catalão (GO).

No caso da maior delas, a Stellantis, os incentivos fazem com que cada emprego criado em Pernambuco custe R$ 34 mil por mês aos cofres públicos. A conta faz parte de um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que questiona o programa tanto sob o ponto de vista do impacto no desenvolvimento econômico regional e da efetiva criação de polos industriais como destaca, ainda, que a ausência de governança pública impede que o governo federal tenha um controle e acompanhamento mais efetivo do custo/benefício desses incentivos.

Conduzido pela SecexDesenvolvimento em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), entre 12 de abril e 29 de setembro de 2022, o trabalho teve o ministro Antonio Anastasia como relator e o acórdão assinado em 29 de março. O texto, de cem páginas, destaca que o programa de incentivos “possui falhas profundas na formulação e de governança, além de ter produzido impactos limitados, com um alto custo de renúncia de receita por emprego gerado”.

O relatório destaca, ainda, que o programa “não alcançou o objetivo de descentralizar a indústria automotiva” No caso da Stellantis, o TCU avalia “um impacto significativo na região imediata de Goiana-Timbaúba, mas não na região intermediária do Recife”.

Por meio de nota, a Stellantis aponta o programa como um “mecanismo de desenvolvimento regional para compensar o gap logístico e competitivo, que ainda não foi equacionado”. “Hoje, a operação instalada em uma região sem tradição industrial no setor continua sendo penalizada pela baixa formação da cadeia de fornecedores, e pela distância em relação aos maiores centros consumidores”, completa a nota.

“Nossos estudos mostram que para cada real de incentivo, retornam outros R$ 5 de arrecadação para o Estado e governo federal – com impacto social notável, conforme aponta o levantamento conduzido pela consultoria Ceplan a pedido da Fiepe”, completa a Stellantis.

Não somos contra incentivo, mas alegria de um lado não pode ser a lágrima do outro”
Moisés Selerges

Sem consenso no setor, o assunto provocou um dos maiores rachas da história da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). No dia 26 de julho, três montadoras – General Motors, Toyota e Volkswagen estiveram com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Segundo a agenda pública do ministro, foram tratados “assuntos relacionados ao setor automotivo na área de eletrificação e incentivos”.

Além das bancadas de parlamentares, a discussão chegou as governadores de Estados onde há fábricas das montadoras se que se sentem prejudicadas – Eduardo Leite (PSDB), no Rio Grande do Sul, Ratinho Júnior (PSD), no Paraná, e Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo, que tem exposto sua posição em redes sociais.

Fontes contam que nas conversas com os políticos, a turma do Sul e Sudeste se queixa da concorrência dos produtos fabricados no Nordeste, que, segundo alguns, chegam a ter abatimentos de mais de R$ 30 mil. Os representantes das empresas relatam aos parlamentares que os benefícios fiscais estaduais seriam suficientes para compensar o “gap logístico”, que resulta da distância das fábricas dos maiores centros consumidores e polos de produção de autopeças.

O programa do Nordeste oferece crédito presumido do IPI devido por veículo produzido. O valor é usado no pagamento de contribuições à seguridade social (PIS e Cofins), mas já serviu também para outros tributos federais. Ao longo das prorrogações, as alíquotas de PIS/Cofins mudaram, alterando o tamanho do crédito. Em determinado período, um multiplicador tornou o incentivo maior.

Segundo fontes, as empresas que rejeitam a extensão do benefício não são contra incentivos para atrair uma nova montadora, como é o caso da BYD, pronta para se instalar na Bahia.

Há um debate em torno da possibilidade de criar plano de incentivo para novas tecnologias. “Estamos na transição dos carros a combustão para veículos híbridos e elétricos. Isso envolve uma tremenda mudança de itens. É muita inovação. Por isso, precisamos de planejamento estratégico”, diz Alexandre Baldy, consultor da BYD.

Em entrevista ao programa “Roda Viva”, da “TV Cultura”, na segunda-feira, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da reforma tributária, disse que a questão dos incentivos “deve dar ênfase em novas tecnologias”. Segundo ele, “exceções tributárias para implementar nova tecnologia é uma coisa; outra é promover incentivos de tecnologias já vencidas”.

A chinesa GWM (Great Wall Motor), escolheu São Paulo para produzir veículos a partir de 2024. Comprou a fábrica que pertenceu à Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP). Por isso, também está do lado dos que não querem a prorrogação dos incentivos no Nordeste. “Quem quiser investir em novas tecnologias pode usar os incentivos do programa Rota 2030, específicos para isso e que entrarão em nova fase”, afirma Ricardo Bastos, diretor da GWM.

Ao divulgar os resultados do setor, o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, disse, na segunda-feira, que a entidade não se envolve nessas questões porque tem “outras prioridades”. Por meio da assessoria, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio informou que vai aguardar a decisão do Congresso para se manifestar a respeito do tema.

O assunto fez parte de entrevistas recentes que executivos dos dois lados da discussão concederam ao Valor. Para o presidente da GM na América do Sul, Santiago Chamorro, a postergação dos benefícios “criou a falta de isonomia”. “O esforço de reindustrialização no país é sempre bem-vindo. Mas o que temos são condições não assimétricas”, destacou.

Já o presidente da Stellantis na América do Sul, Antonio Filosa, lembrou o esforço do grupo para levar fornecedores próximos à fábrica em Pernambuco. “Começamos com sete, serão 50 neste ano, mas precisamos chegar a cem em cinco anos”, disse. Ele apontou, ainda, dado da Ceplan que registrou queda da evasão escolar na região de Goiana: “Quando crianças que ficavam na rua e hoje estão na escola veem um primo mais velho com emprego são estimuladas a continuar os estudos”.

Tanto Chamorro como Filosa apontaram o risco em relação a investimentos futuros. “Limita bastante a casa matriz perceber falta de isonomia”, disse Chamorro. “Somos altos investidores. Mas acreditamos na descentralização regional”, destacou Filosa.

Toda essa discussão tem mais uma peça importante: os sindicatos de metalúrgicos. Entre eles, o reduto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Não somos contra políticas de incentivos. Mas a disputa tem que ser igual. A alegria de um lado não pode ser a lágrima do outro”, afirma Moisés Selerges, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

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